O REINADO DO ETAGNOSSAURO

Elio Gaspari

José Sarney criou um animal notável. Chama-o de estagnossauro. O senador é muito bem-educado para revelar a identidade dos pais do bicho, mas sabe que ele resulta do cruzamento de sapo barbudo com tucano. O estagnossauro completou dez anos de domínio da economia brasileira, arruinando-a.
Um dos mais velhos ninhos de estagnos foi achado no Departamento de Economia da PUC do Rio. Acredita-se que há milhões de anos ele tenha sido um bicho-preguiça. Seu negócio era não trabalhar. Desenvolveu de tal forma o cérebro que hoje consegue fazer modelos econômicos que permitem a um pedaço do andar de cima ganhar cada vez mais dinheiro com cada vez menos produção, empregos e renda. Corria a lenda de que o bicho tinha horror à Unicamp, mas sabe-se que o senador Aloizio Mercadante cria um estagno no seu apartamento em Brasília.
Esse tipo de animal faz qualquer serviço, mas sempre acaba numa boca da banca. Se for do tipo estagno-luxo, administra ervanário de ricaços. Os de tipo mais modesto se contentam com lugares nos conselhos de fundos de previdência. (O estagno do ministro Antonio Palocci se encantou quando foi nomeado para o conselho da Petrobras.)
Depois da extinção dos dinossauros e da destruição dos criatórios deixados por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, os estagnossauros moldaram o país de um jeito que a renda per capita do brasileiro de hoje levará cerca de 80 anos para dobrar. Durante o tempo de vida de um pernambucano que desceu para São Paulo nos anos de JK, ela quintuplicou. O estagnossauro é um animal com uma privilegiada inteligência matemática associada a uma memória de barata. Um ninho de estagnos que trabalhava na campanha de Ciro Gomes passou para a equipe de Lula e atualmente não lembra para que candidato preparou uma tal "Agenda Perdida". O doutor Guido Mantega tem um estagnossauro capaz de fazer qualquer tipo de cálculo para o crescimento do PIB. Ele não consegue, contudo, lembrar na sexta-feira a taxa que previu na terça. Num caso mais refinado, o estagnossauro de Lula anunciou em maio o "espetáculo do crescimento" e vai fechar o ano sem progresso nenhum. Um dos aspectos mais comoventes da fisiologia e da solidariedade dos estagnos pode ser testado em qualquer mesa de restaurante. Nenhum estagno lembra que a ekipekonômica já assegurou aos brasileiros que um dólar valia R$ 1,20. Outro dia, os doutores Gustavo Franco e Pedro Malan não conseguiam lembrar quem era o autor dessa idéia.
Durante muito tempo, pensou-se que o estagno era um animal sem caráter. Recentemente, descobriu-se que o bicho tem muito caráter, mas não consegue usá-lo, por falta de memória. Quando se vê o estagno de Lula atribuindo a ruína de 2003 ao animal de Fernando Henrique Cardoso, pode-se supor que ele esteja jogando sua responsabilidade nas costas do antecessor. Falso. Lula e Fernando Henrique compartilham o mesmo estagnossauro, e ele é capaz de dizer qualquer coisa, porque não se lembra de nada. O estagnossauro não lembra qual dos dois se perdeu na ala residencial do Palácio de Buckingham.

 
Folha de São Paulo, Folha Brasil, 17 de Dezembro de 2003, p. A7.



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