RETÓRICA MALDITA

 


O discurso proferido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Cúpula Extraordinária das Américas, realizada no México e encerrada na terça-feira, conteve críticas especialmente duras ao modo como a economia brasileira foi conduzida nos últimos anos. Segundo o diagnóstico apresentado pelo presidente, o que se assistiu no passado foi a implantação de um "modelo perverso que separou equivocadamente o econômico do social, opôs estabilidade e crescimento e divorciou responsabilidade e justiça". De certa forma, as palavras de Lula reavivam a atmosfera de palanque dos tempos de campanha, impressão acentuada pela assertiva um tanto bombástica de que "chegou a hora de resgatar e afirmar de uma vez por todas a primazia do interesse coletivo e da coisa pública nas Américas". Não há dúvida de que as mudanças por que passou o Brasil nas últimas décadas trouxeram, a par de conquistas fundamentais como a relativa estabilidade da moeda, uma série de graves problemas, cuja solução ainda está por acontecer.
Os erros cometidos na política cambial e o crescente endividamento público acabaram por acentuar a dependência em relação a capitais externos, o que resultou em restrições ao crescimento e maior exposição aos efeitos de crises internacionais. Os benefícios distributivos iniciais propiciados pela estabilidade foram erodidos ao longo do tempo, instalando-se um padrão de juros elevados, especulação financeira e baixo dinamismo econômico. O país passou a conviver com mais desemprego, perda de poder aquisitivo das famílias, endividamento de empresas, políticas fiscais restritivas, aumento da carga tributária e queda na capacidade de investimento.
Tudo isso -que o governo tem resumido na expressão "herança maldita"- trouxe consequências maléficas do ponto de vista social. Não obstante, a administração anterior conseguiu fazer progressos dignos de nota no campo da saúde e da educação, mostrando que apesar das dificuldades econômicas é possível avançar mediante melhoria da gestão e perseguição de objetivos. O atual governo, até aqui, não apresentou credenciais que o autorizem a criticar -a não ser por exercício retórico- o passado recente. Sua política econômica tem se limitado a repetir as linhas da anterior e sua atuação na área social ainda nada trouxe de notável. Ao contrário: o que marcou a rotina da área social no primeiro ano da gestão de Lula foi a desarticulação, a falta de foco e a ineficiência. Essa percepção é mais ou menos generalizada, sendo compartilhada até mesmo por setores do PT. Carismático quando se trata de vocalizar os problemas, o presidente ainda está por conseguir que o governo transforme sua retórica em realidade. Caso isso não ocorra, a "primazia do interesse coletivo"
continuará, lamentavelmente, sendo ignorada no Brasil.

 



UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA