PARA SALVAR O FOME ZERO


A última reunião, melhor dizendo, assembléia do Consea, o Conselho do Fome Zero, durou nove horas. Houve momentos de puro transe, quando a preclara ex-senadora Maria Emília ocupou precisos 21 minutos para discutir qual a data ideal para comemorar o Dia da Mulher, além de conclamar uma mudança na língua, para interromper o predomínio das expressões genéricas do gênero masculino.
Depois, outras dezenas de minutos para dom Mauro Morelli desancar frei Betto. E outro tanto para frei Betto brilhar. Sem contar as dezenas de intervenções de dona Zilda Arns distribuindo reprimendas a torto e a direito, além de uma inútil discussão sobre a safra de 2003. Resultado geral do comício, perdão, da assembléia, perdão, do conselho: um festival de vaidades em busca de um palanque, e
sem nenhuma conclusão objetiva. Na outra ponta, doações não podendo ser utilizadas por falta de aparato legal, federações, empresas, órgãos públicos, um amplo voluntariado à disposição, sem poderem ser aproveitados por excesso de burocracia e falta de planejamento. A saída para o Fome Zero passa, inicialmente, por mudar a estrutura institucional. O Fome Zero precisa se tornar uma
organização social, com participação do governo e da sociedade civil, para não emperrar na burocracia pública. A OS serviria também para o governo aproveitar e mudar a conformação do Consea. É preciso parar com essa história de criar conselhos numerosos para estudar problemas e apresentar soluções. Isso não existe. Os conselhos podem ter o papel político e de marketing de convalidar ou, no máximo, aprimorar idéias já definidas por técnicos. Jamais de montar um plano de ação. O passo seguinte seria buscar gestores, especialistas em planejamento, que definissem um modelo lógico de atuação de todas as partes envolvidas, além de indicadores de acompanhamento. Para ser eficiente o programa não pode ter a abrangência pretendida. Ou, então, precisa ter um modelo institucional que possa ser replicado em qualquer ponto do país. Tome-se como exemplo o Alfabetização Solidária. No programa, primeiro definiram-se as cidades com maior índice de analfabetismo. Depois, o MEC ia lá e, junto com a prefeitura, identificava pessoas que poderiam dar aulas para os adultos. Essas pessoas eram trazidas para universidades voluntárias, que as acolhiam e ministravam cursos de duas semanas. Depois, encontrava-se uma empresa privada para patrocinar a cidade. A empresa entrava com a mesma quantidade do governo federal, valor pequeno, mas -importante- era incumbida de fiscalizar a aplicação do dinheiro e medir os resultados. Quando se fala em um modelo assim, tudo clareia. É só pegar a receita e replicar em qualquer cidade. Hoje em dia, já existem ONGs que definiram modelos de atuação, criaram manuais e indicadores e passaram a distribuir "franquias sociais". Quem quiser repetir o trabalho em sua comunidade, é só entrar em contato com elas e requerer o manual e o treinamento. O papel do Fome Zero deve ser esse: o de definir padrões de
atuação, convocar os personagens, avaliar os resultados e propor aprimoramentos.




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA