ERROS VELHOS E ERROS NOVOS


O ministro Antonio Palocci Filho é hoje a grande novidade no cenário político brasileiro. Repete no Ministério da Fazenda de Lula o inesperado sucesso de Fernando Henrique Cardoso. Sabemos que a falta de conhecimentos específicos não é um limitador relevante para o sucesso de um homem político no comando da economia de um país. Basta um olhar medíocre para a história para constatar essa afirmação. Mas no Brasil isso sempre foi um tabu. O líder político moderno precisa entender a dinâmica econômica para ter sucesso em sua carreira. A opinião pública, que no final das contas define seu sucesso ou fracasso, é muito suscetível às condições conjunturais da economia. Combinar medidas de longo prazo com resultados visíveis a olho nu é uma verdadeira ciência que o responsável pela política econômica precisa aprender em sua carreira. Seu primeiro desafio é cercar-se de técnicos com conhecimento profundo sobre questões econômicas. Serão eles os responsáveis
pela avaliação dos problemas que deverão ser enfrentados e pela escolha dos caminhos alternativos que podem ser trilhados. Em uma democracia, a decisão final sobre a gestão econômica cabe
ao comando político do governo, que vai pesar seus resultados em termos de apoio popular, do calendário eleitoral e do futuro do país. Nesse sentido, o exemplo de FHC é histórico. Foi mérito seu ter percebido o alcance político e social das idéias que alguns economistas do PSDB defendiam desde 1986: o povo estava cansado da inflação. Com Palocci aconteceu o mesmo. Quando, pela obra dos deuses, ele foi escolhido para comandar a construção do programa de governo de Lula e começou a conversar com economistas fora do PT, suas qualidades pessoais apareceram. Sua sensibilidade política, e não seus conhecimentos econômicos, o levaram a perceber os riscos de governabilidade
que estavam associados à crise externa que o Brasil vivia. Assumiu, então, a posição corajosa de uma defesa explícita da manutenção da política conservadora de FHC. Os riscos de uma
"argentinização" foram então afastados, o PT transformou-se em um partido do "establishment" político e o governo Lula foi salvo de um desastre que atingiria a todos nós. Estive recentemente na Argentina e percebi, de forma muito clara, o que devemos ao ex-prefeito de Ribeirão Preto. Por isso, esta comparação com os méritos de FHC. Mas, como dizia um grande amigo meu, vamos dar a ele uma medalha de mérito pelo passado e voltar a tratá-lo como um mortal falível. Deixemos aos áulicos
de plantão seu endeusamento prematuro! Palocci, ministro, assumiu de fato a política de Pedro Malan e passou a defender os mesmos princípios e idéias do grupo de jovens economistas cariocas que emprestavam suas luzes ao czar da economia dos anos FHC. Trouxe para ser seu economista-chefe no ministério um clone loiro de Gustavo Franco e manteve, como referência econômica, no Banco Central o diretor Ilan Golgfajn, da PUC do Rio de Janeiro. Por isso não é surpresa, para este analista, que o debate atual, sobre a questão da valorização do real, seja conduzido dentro dos mesmos marcos teóricos que caracterizaram as discussões sobre a taxa de câmbio, logo após a introdução do real. De um lado estão os defensores da posição do governo de liberdade total da taxa de câmbio, mesmo em um momento de grande efervescência especulativa nos mercados de câmbio. Do outro, estão os economistas que criticavam a equipe de Malan e hoje apontam para os perigos da valorização especulativa de nossa moeda no grande esforço exportador que vem sendo feito pelo setor privado brasileiro. Nesse verdadeiro braço-de-ferro teórico que estamos assistindo, um fator novo foi adicionado ao cenário de 1994: o lobby das empresas devedoras em dólares e que vêem, na desvalorização do dólar, um alívio para suas dificuldades financeiras. Essas empresas contam com um aliado de peso nesse seu calvário: o Tesouro. Mais uma vez repete-se o conflito entre uma visão que o PT chamou em seu passado de neoliberal e aqueles que defendem uma política econômica que reduza nossa dependência financeira externa e permita o aumento estrutural de nossas exportações. No governo FHC, os economistas com sotaque carioca levaram a melhor, e a sociedade brasileira, a pior. Será que vamos, mais uma vez, trilhar os mesmos caminhos da insensatez econômica e
trocar as vitórias de curto prazo -inclusive a redução mais rápida da inflação- por uma retomada do tão necessário crescimento de nossa economia? O ministro Palocci disse, recentemente, que prefere cometer erros novos e não erros velhos. Pobre ministro: não consegue ver, talvez por ser médico, que está cometendo o mesmo erro de 1994!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).



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