O
feito diplomático brasileiro, ao liderar o grupo dos 21 países
em desenvolvimento nas negociações da OMC (Organização
Mundial do Comércio), merece uma análise mais aprofundada
por parte do governo, inclusive para servir de exemplo para outras áreas.
Houve irritação dos Estados Unidos e da União Européia,
mas não passou de esperneio. Simplesmente porque a montagem desse
bloco obedeceu às regras estritas do jogo diplomático
-do mesmo modo que, no governo passado, se conseguiu derrubar a patente
da Aids. Não se tratou de bravata nem de ato inconsequente, mas
de uma articulação intrincada, conduzida com competência
e com propósitos bem definidos.
Em poucos anos o Brasil virou o jogo. Da falta de estrutura da Rodada
Uruguai, transformou-se no grande líder dos países em
desenvolvimento, articulando de forma dura e profissional a defesa dos
seus interesses -da mesmíssima maneira que fazem todos os países
desenvolvidos.
Nesses anos todos o país foi gradativamente se preparando para
virar o jogo. A própria mídia passou a produzir uma cobertura
muito mais detalhada e competente, especialmente depois do divisor de
águas -o contencioso entre Bombardier e Embraer, Quando o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com George W. Bush e fez
a defesa dos interesses nacionais, de forma firme porém sem bravata,
ganhou o respeito do interlocutor, porque agiu de acordo com as regras
do jogo.
Essa mesma quebra de paradigmas deveria orientar outras políticas
públicas, em especial o modelo econômico no qual o Brasil
chafurda há dez anos. A relação de subordinação
ao mercado financeiro é igual ao complexo de inferioridade que
orientava a política externa brasileira até alguns anos
atrás, por conta da falta de dimensão pública de
sucessivos governantes.
O modelo externo começou a virar o jogo na gestão de Fernando
Henrique Cardoso. E se completa, agora, com o lance da formação
do grupo dos 21. A lógica é que, em negociações
internacionais, a defesa dos interesses nacionais impõe respeito,
mesmo que haja esperneio da outra parte -aliás, o esperneio faz
parte do jogo.
Essa mesma lógica deveria orientar as ações do
Banco Central. Essa subordinação absurda ao mercado parte
de um equívoco monumental. Principalmente em relação
ao tal do mercado -que é um conjunto de expectativas não
articuladas- o tratamento tem que ser o de se impor, não o de
se subordinar à sua lógica. E se impor não é
apelar para bravatas retóricas ou medidas anacrônicas.
É entender a lógica do mercado e, tecnicamente, impor
a lógica do país sobre ela.
Não se sairá da estagnação enquanto não
se corrigirem os fundamentos de um modelo fundado na dependência
de capital volátil, em juros altos e impostos escorchantes. O
rompimento desse círculo de estagnação depende
da definição de um novo modelo de câmbio -câmbio
alto e juros baixos, como tem proposto Yoshiaki Nakano- e da implantação
de um novo modelo de gestão no setor público, fundado
no controle de gastos e na redução de impostos. Falta
um Celso Amorim para o Banco Central e a política econômica
interna. |