QUANDO SE PERDE A ALMA

 

Clóvis Rossi

PARIS - Quando você chama Orestes Quércia de ladrão de carrinho de pipoca e depois pede e recebe o apoio dele; quando você passa a vida chamando Paulo Salim Maluf de tudo quanto é nome e depois incorpora o partido dele à sua base de apoio no Congresso; quando você inferniza o governo José Sarney e toda a herança dele, inclusive a candidatura de sua filha à Presidência, e depois o transforma em um sábio conselheiro de seu governo; quando você diz o diabo de Antonio Carlos Magalhães e depois aceita o apoio dele.
Quando você ataca feroz e vigorosamente a política econômica do seu antecessor e depois pratica política idêntica; quando você sataniza toda a sua vida o Fundo Monetário Internacional e depois aplica condições (não pedidas) ainda mais draconianas para o acordo com o ex-Satã; quando você passa a vida ensinando os outros quais são as políticas sociais certas e depois não consegue fazer a política social certa, a ponto de ter que demitir, em apenas um ano, dois dos responsáveis por elas.
Quando você se alia aos antigos inimigos e expulsa antigos companheiros cujo único crime foi o de continuar defendendo o que você defendia até a véspera; quando você faz campanha eleitoral prometendo mudanças e inicia o discurso de posse com uma única palavra (exatamente "mudança") e depois muda muito pouco ou nada.
Quando você faz tudo isso, você rifou seus princípios, vendeu a sua história e tornou-se um ser amorfo, sem alma, sem projeto, a não ser o projeto de permanecer no poder. Enterra o orgulho pela história já vivida porque não pode permitir que investiguem a sua nova história. Nem você mesmo sabe se existe ou não "conduta irregular" de um funcionário seu, como admite agora até o seu líder no Senado, Aloizio Mercadante. Enfim, tem de jogar o jogo como quase todos jogaram antes de você. E fracassaram. Temo que seja tarde para voltar atrás e re-reescrever a história e que um filme velho e triste está sendo reencenado com novo elenco. Novo?

 



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