A
solução para os ciclos de crise na agricultura, como a
atual, é a adoção de um seguro para garantir a
renda do produtor. É o que defende o ministro da Agricultura,
Roberto Rodrigues, 62.
Ele esbarra, porém, na falta de recursos para colocá-lo
em prática. Segundo Rodrigues, o seguro rural precisa de R$ 200
milhões para começar a funcionar de fato, além
da quebra do monopólio de resseguros no Brasil.
Em entrevista à Folha, Rodrigues reclama da lentidão do
governo e da escassez de verbas. "O governo é lento, as
coisas são demoradas, mesmo", disse o ministro sobre a demora
na quebra do monopólio do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil).
Sobre a falta de verbas, afirmou ser "uma coisa frustrante".
Revelou ainda que imaginava solucionar todos os problemas da agricultura
em seis meses, mas diz ter descoberto que "o governo não
tem a condição de resolver" tudo.
Apesar das críticas, Rodrigues diz não ter pensado em
sair do governo, mostra-se resignado e afirma que essa dificuldade "frustra
e dá uma tristeza".
Considerado por Lula um de seus melhores ministros, Rodrigues dá
nota 8,5 para o governo e diz que o petista é um "bom presidente".
A seguir, entrevista concedida à Folha, na última quinta-feira,
na qual afirma que o MST cria uma "insegurança no campo"
e que o verdadeiro ministro da Agricultura é "são
Pedro".
Folha - Depois
do boom dos últimos anos, a agricultura brasileira está
vivendo uma crise?
Roberto Rodrigues - Na verdade, há uma crise setorial forte,
muito profunda. Mas é localizada e, como está fundamentada
nos custos de produção, afeta todos os setores. Os custos
agrícolas subiram muito por causa do aumento da demanda e a grande
oferta mundial derrubou os preços de forma dramática.
Folha - Quais
são os setores afetados?
Rodrigues - São cinco commodities: algodão, trigo, arroz,
soja e milho. No caso da soja e do milho, o problema de preços
está desaparecendo porque a queda de produção é
tão grande no Brasil que acabou alterando os preços em
Nova York e Chicago.
Mas, no Sul, por causa da seca, que é dramática, a perda
da produção chega a 80%. No caso da soja e do algodão,
a crise está localizada na região de seca no Rio Grande
do Sul, em Mato Grosso do Sul e um pouco em Minas Gerais. O algodão
tem um problema diferente, de preço, mesmo. Nós aumentamos
a produção de uma maneira brutal, mas a oferta mundial
é um recorde histórico, então os preços
despencaram.
Folha
- Então o que está afetando a agricultura brasileira é
a quebra de produção por causa da seca combinada com uma
superprodução mundial?
Rodrigues - Tivemos três ou quatro anos de preços muito
bons na agricultura, o que convidou os que estavam fora a voltar à
produção. Mas os preços dos insumos foram sendo
puxados pelos preços agrícolas. Agora a oferta dos produtos
agrícolas chegou ao limite do abastecimento e começa a
sobrar. Portanto os preços das commodities começam a descer,
mas os dos insumos ainda não chegaram ao limite.
Esse é o pior dos mundos. É um problema cíclico
no mundo inteiro, mas o nosso foi potencializado pela seca, que derrubou
a venda de uma vez.
Folha
- Qual é a solução?
Rodrigues - É o que se faz nos países desenvolvidos. Essa
ciclotimia de oferta e demanda é histórica na agricultura,
toda vez que os preços melhoram mais gente produz, a oferta cresce
e o preço cai. Mas os países ricos utilizam dois mecanismos
para combater isso.
Um deles é o preço mínimo. Por exemplo, se os preços
do algodão caem muito, o governo dos Estados Unidos não
compra a produção, mas paga a diferença. Aliás,
estamos brigando com eles na OMC (Organização Mundial
do Comércio) por causa disso.
A Europa e o Japão também funcionam assim. Mas há
um outro mecanismo que é o seguro rural. O Brasil já tem
o Proagro, para quando o agricultor não conseguir produzir por
causa da seca ou outra circunstância e não consegue pagar
ao banco.
O que desenvolvemos aqui no ministério é um seguro de
renda. Esse seguro demanda duas questões fundamentais: um fundo
para calamidade e um resseguro. E o resseguro no Brasil só é
executado pelo IRB (Instituto de Resseguros do Brasil).
Folha
- Quando vai começar a funcionar esse seguro? Há recursos
disponíveis?
Rodrigues - A legislação está pronta. Temos o seguro
pronto para operar, mas faltam os recursos e há pelos menos três
demandas. Primeiro a alocação de recursos por parte do
Tesouro Nacional, que já existia, mas circunstancialmente foi
contingenciado -espero ter de volta rapidamente. Segundo, precisamos
abrir o resseguro para resseguradoras internacionais. E a terceira [demanda]
é a participação do setor privado na comercialização
agrícola por fundos que acabarão capitalizando o seguro
lá na frente.
Folha
- Para isso, é preciso quebrar o monopólio do IRB?
Rodrigues - Totalmente. Porque aí você abre a possibilidade
para as resseguradoras internacionais, que são gigantescas. Isso
significa financiamento do setor privado. Mas, sem o seguro, não
funciona. Nenhum agente econômico se atirará em papéis
que não tenham garantia. Não precisa de recursos do Tesouro
todo ano. O fundo será permanente.
Folha
- O que está emperrando a quebra do monopólio do IRB?
Rodrigues - É o processo, o governo é lento, as coisas
do governo são demoradas mesmo.
Folha
- Quanto será necessário para fazer o seguro?
Rodrigues - Ainda não fiz essa conta. O Brasil é muito
grande. O Tesouro precisa dar o "start". Acho que uns R$ 200
milhões.
Folha
- Há uma discussão internacional para acabar com os subsídios
agrícolas, mas o senhor falou em fazer como os países
ricos. Esse seguro não vai ficar vulnerável a contestações
na OMC (Organização Mundial do Comércio)?
Rodrigues - Não, porque não será um subsídio.
Haverá um subsídio, sim, no prêmio do seguro para
o pequeno produtor. Mas os subsídios vão obedecer aos
limites estabelecidos pela OMC. O seguro será limitado pelas
regras.
Folha
- Como é a posição do ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho, sobre a necessidade de recursos para criar o seguro rural?
Rodrigues - Muito positiva.
Folha
- O que está emperrando o seguro, então?
Rodrigues - A falta de recursos. Isso é uma coisa que é
muito frustrante. Eu vim para cá com 35 anos de liderança
rural, havia feito pelo menos dez propostas de política agrícola
para o Brasil. Eu vim pensando que em seis meses eu ia resolver tudo.
Estava tudo na minha cabeça, mas não dá porque
não tem dinheiro. As demandas são enormes. O governo não
tem a condição que eu imaginava de resolver todos os problemas.
Folha
- Já deu vontade de ir embora?
Rodrigues - Essa é uma pergunta indiscreta. Eu não digo
que tenha dado vontade de ir embora. Às vezes a gente sente que
não consegue resolver os problemas. Aí frustra e dá
uma tristeza.
Folha
- Como o seguro rural ainda não está em funcionamento,
o que pode ser feito para acabar com a atual crise agrícola além
do que já foi feito, como renegociação de dívidas?
Rodrigues - Como tirar essa crise da frente? Uma parte é isso,
dar uma condição para que as dívidas sejam pagas
dentro de repactuação de prazos. Se houvesse seguro, não
haveria esse problema. A segunda é tirar a safra da frente. O
meu esforço é [no sentido] que a comercialização
avance com mais normalidade.
Folha
- Essa eterna repetição de renegociação
de dívidas não pode jogar por terra a visão de
que a agricultura brasileira havia se profissionalizado...
Rodrigues - Acho que não. O problema é que nós
temos algo que outros setores não têm, que é um
adicional de periculosidade, o clima. Na verdade, quem manda mesmo,
o ministro da Agricultura mesmo, é são Pedro. Se ele não
estiver de acordo com a gente, a coisa se complica. Isso é uma
circunstância. Estamos numa velocidade de cruzeiro importante,
houve uma turbulência grave, mas vamos superar.
Então, eu quero tirar a safra da frente, criar condições
para comercializar, por isso eu preciso de mais R$ 1 bilhão.
Folha
- O sr. já tem garantias de receber esse R$ 1 bilhão?
Rodrigues - Está prometido que vão fazer todo o possível
para me dar esse recurso. E ele não é dado, depois volta.
Nem sequer o superávit primário vai ser afetado. Eu compro
milho, soja, trigo hoje e amanhã eu vendo. O dinheiro vai e volta.
O dinheiro ainda não existe. O presidente solicitou à
equipe econômica que encontre o recurso.
Folha
- O Palocci é duro na queda?
Rodrigues - Não, o Palocci é um cara extraordinário.
Ele é de Ribeirão Preto, que pertence a Grande Guariba,
de onde eu venho. Então, nós temos uma ligação
de vizinhança muito positiva, nos damos muito bem, somos bons
amigos. Mas eu compreendo as dificuldades dele, ele compreende as minhas
e nós vamos encontrar um caminho.
Folha - Qual
nota o senhor dá para o governo?
Rodrigues - Essa também é uma pergunta indiscreta. Eu
gosto muito do presidente Lula como líder. Acho que ele é
um bom presidente. Eu dou nota 8, 8,5. O governo está fazendo
bem feito. O povo está apoiando. O macroeconômico está
indo bem.
Folha
- O Brasil não corre o risco de perder uma oportunidade histórica
no agronegócio por causa de uma política econômica
muito ortodoxa? O senhor não teme que, quando os mercados se
abrirem por causa das negociações comerciais, o Brasil
não esteja preparado em termos de infra-estrutura?
Rodrigues - Temo e tenho dito isso sistematicamente. Um dia a abertura
agrícola virá, daqui a um ano, dois anos, cinco anos.
E, quando vier, não será só para o Brasil, mas
para o mundo. Aí, aquele que estiver mais bem preparado se beneficiará
mais depressa. Precisamos fazer a lição de casa.
Folha
- O senhor está falando em aumento da produção,
o que implica aumento de área plantada. Isso não pode
representar um dano ao ambiente?
Rodrigues - Essa é uma pergunta importante porque é algo
que tem de ser desmistificado. [A proposta de incorporar] os 200 milhões
de hectares de pastagens que existem hoje não são nem
cerrado nem floresta amazônica. Já foram incorporadas à
produção, não agrícola, mas pecuária.
De modo que a transformação de pastagens em agricultura
não representa derrubar uma árvore.
Curiosamente, ao contrário do que está sendo dito, isso
não vai acontecer na fronteira agrícola. O pasto que vai
virar agricultura é em São Paulo, Paraná, Minas
Gerais, Goiás, Mato Grosso Sul. São áreas em que
a terra é mais valorizada e, portanto, tem de ter remuneração
que a pecuária não dá.
Vai acontecer uma mudança de perfil de demanda por terra. A atividade
agrícola vai voltar para áreas de pasto localizadas em
Estados mais desenvolvidos.
Folha
- O MST (Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra) ajuda ou atrapalha?
Rodrigues - Nem ajuda nem atrapalha. O MST cria insegurança no
campo quando há muita ameaça de invasão.
Folha
- A febre aftosa não pode prejudicar os esforços para
ganhar mercados?
Rodrigues - Estamos trabalhando com rigor. O presidente Lula fez uma
carta para todos os presidentes da América do Sul para que todos
erradiquem.
Não adianta erradicar só no território. Eu gostaria
de passar para a história como o ministro que acabou com a febre
aftosa, mas tenho problemas de recursos. E acho que o modelo de defesa
sanitária envelheceu, é preciso mudar. O problema é
dinheiro e modelo.
Folha
- O governo pode vetar algum aspecto da Lei de Biossegurança?
Rodrigues - Eu me manifestei oficialmente contra qualquer veto. Esse
projeto foi aprovado no Senado por 53 votos a 2 e na Câmara por
cerca de 350 votos.
É a expressão do desejo do Congresso que representa a
sociedade brasileira e a democracia é a vitória da maioria.
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