Durante
a polêmica em torno da proposta governista de aumento do salário
mínimo, ainda em curso, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva retomou um de seus bordões favoritos: a metáfora
da nação como família. Para justificar o valor
proposto pelo Planalto, de R$ 260, o presidente explicou que age como
pai e trata os brasileiros como seus filhos. Procura mostrar-se como
alguém justo, que compreende reclamações, exercita
a paciência sem renunciar à firmeza e sofre ao dizer não.
O presidente brasileiro não inventou o paralelo entre a nação
e a família. O tema pertence ao pensamento do filósofo
chinês Confúcio (551-479 a.C.), que foi reinterpretado
e se tornou doutrina oficial do Estado na China desde a dinastia Han,
estabelecida no final do terceiro século antes da era cristã.
O confucionismo doutrinário exigia que os súditos obedecessem
ao soberano, como os filhos devem obediência aos pais.
A metáfora da família ganhou força no pensamento
político moderno como reação conservadora à
Revolução Francesa. Ela participou de uma variedade de
doutrinas autoritárias e foi utilizada por chefes políticos
tradicionais, caudilhos, déspotas e ditadores civis ou militares.
Essencialmente, ela expressa uma concepção que se insurge
contra a noção da república democrática.
O conflito doutrinário se traduz em duas concepções
sobre a política. No domínio da família, predominam
relações hierárquicas: o chefe conduz o grupo familiar,
que é constituído por seus dependentes. No domínio
da nação, predominam relações conflituosas:
o jogo de interesses contraditórios mediado pelas instituições
políticas. O poder do chefe de família decorre da ancestralidade,
que está vinculada à noção de sabedoria
e à função de defesa do grupo. O poder do chefe
de Estado decorre da eleição e está limitado pelas
leis. A família conserva-se unida pelas teias da tradição
e da emoção. A nação está unida pela
teia do contrato político. Os filhos, em última instância,
obedecem ao pai. Os cidadãos não devem obediência
a ninguém, mas apenas respeito às leis legítimas.
O que Lula fala é tão importante quanto o que Lula faz,
pois a política é, antes de tudo, um discurso sobre o
mundo. A reiteração incansável da metáfora
sobre a família deve ser interpretada pelo que significa: a negação
dos princípios republicanos. Atrás dela, esconde-se a
pesada herança patrimonial e autoritária do passado brasileiro,
que continua a se projetar sobre o presente.
Nos tempos em que estava na oposição, Lula dificilmente
toleraria que o presidente de turno o tratasse como seu dependente.
Na Presidência, não deveria submeter os cidadãos
a esses devaneios autoritários.
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