Não
é só a crise de quantidade de água disponível
em algumas das maiores regiões do Estado de São Paulo
que preocupa. A qualidade do que corre nos rios e é armazenado
nos reservatórios também apresenta problemas e, em média,
piorou de 2002 para 2003.
No ano passado, quase um terço (32%) das fontes de água
bruta (antes de ser tratada) do território paulista foi classificado
como ruim ou péssimo para o abastecimento; em 2002, o percentual
havia sido de 27%. A piora foi constatada em 10 das 22 bacias hidrográficas
(áreas onde estão os rios, represas e os seus mananciais)
do Estado. Só quatro delas apresentaram melhoria da qualidade
da água (aumento dos índices de ótimo, bom ou regular).
O retrocesso é um duplo alerta. Por um lado, mostra o potencial
de degradação de um modelo de urbanização
e desenvolvimento que já causou estragos praticamente insuperáveis
nos recursos hídricos da Grande São Paulo, mas continua
a se espalhar principalmente pelo interior do Estado.
Por outro, indica que, se não forem tomadas medidas mais urgentes
contra a tradição de fazer dos rios valas de esgoto, latas
de lixo, depósitos de efluentes industriais e de solo que sofreu
erosão pela falta de vegetação, o tratamento da
água para torná-la própria para o consumo vai ficar
cada vez mais caro (com reflexos diretos no bolso dos usuários),
e as fontes de abastecimento, cada vez mais raras -o que só agravará
a crise da quantidade.
A degradação se deve a uma combinação. Somam-se
excessos de esgoto e substâncias como o alumínio e o manganês,
provenientes de solo desgastado por práticas agrícolas
inadequadas e desmatamento, à chuva abaixo da média, diz
Eduardo Mazzolenis de Oliveira, gerente do Departamento de Águas
Superficiais e Efluentes Líqüidos da Cetesb (agência
ambiental de SP).
Os dados e as conclusões constam do Relatório de Qualidade
das Águas Interiores do Estado de São Paulo 2003, divulgado
ontem pela órgão, que desde 1974 produz o documento. No
ano passado, foram feitas medições bimestrais em 290 pontos,
para a análise de 50 variáveis, incluindo físicas
(como cor e temperatura), químicas (oxigênio dissolvido,
metais pesados, esgoto etc.) e biológicas (presença de
bactérias, algas, entre outros).
Levando em conta esses indicadores, a Cetesb criou, em 2002, o IAP (Índice
de Qualidade da Água Bruta para Fins de Abastecimento Público).
Antes fazia a avaliação com base exclusivamente no IQA
(Índice de Qualidade da Água), que considerava apenas
variáveis sanitárias. O IAP avalia também cor,
gosto, odor e toxicidade.
Piracicaba
Comparando os IAPs de 2003 e 2002, o principal destaque negativo apontado
pelo técnicos da Cetesb é a bacia dos rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí -que atende cerca de 4 milhões de moradores
de 62 cidades em São Paulo (principalmente a Grande Campinas)
e Minas Gerais, além de fornecer metade da água que abastece
a região metropolitana de São Paulo, por meio do sistema
Cantareira.
O percentual de rios e represas ruins ou péssimos para o abastecimento
nessa região foi de 45% em 2002 para 64% no ano passado, um aumento
de 19 pontos percentuais. |
Apesar
do aumento médio na degradação da qualidade da
água no Estado, os paulistas não têm, a priori,
nada a temer caso utilizem água encanada, distribuída
na rede de forma regular por uma companhia de saneamento.
Isso porque a água bruta dos rios e represas é tratada
antes de ser vendida, e há rigorosos padrões de potabilidade
(que a tornam própria para o consumo) os quais devem, por determinação
do Ministério da Saúde, ser seguidos pelas empresas e
fiscalizados pelas secretarias municipais de saúde.
Embora tal vigilância ainda não seja 100% cumprida, a parte
do tratamento tem grande importância nos investimentos de empresas
como a Sabesp, que distribui ou vende água para a maioria das
cidades do Estado.
Prevendo mais dificuldades para eliminar impurezas e substâncias
nocivas da água nos próximos anos, o Plano Diretor da
companhia para a Grande São Paulo estima investir, nos próximos
20 anos, um total de R$ 240 milhões em tratamento avançado
de água nas estações do Alto da Boa Vista (que
recebe a água da Guarapiranga), e nas dos sistemas Alto Tietê
e Rio Grande.
O processo inclui pré-tratamento, ozonização e
uso de carvão ativado (para retirar gosto e cheiro). (MV) |
Se a bacia do rio Piracicaba teve piora
da qualidade de suas águas por repetir a história de crescimento
sem planejamento nem preocupação ambiental, a Grande São
Paulo, berço desse modelo, foi um dos poucos destaques positivos
na comparação das análises de 2003 com as de 2002.
A bacia do Alto Tietê, que praticamente coincide com o território
da região metropolitana, apresentou um leve aumento na percentagem
de rios e reservatórios bons ou ótimos para abastecimento
(de 35% para 37%), bem como pequenas reduções na fração
de regulares (14% para 13%) e de ruins ou péssimos (51% para
50%).
O progresso é pequeno, mas, na avaliação da Cetesb,
qualificado.
Em 37 pontos de amostragem, 31 tiveram melhoria na qualidade da água,
5 pioraram e 1 manteve o índice, diz Lineu Bassoi, diretor de
Engenharia, Tecnologia e Qualidade Ambiental da agência.
Entre os que progrediram estão importantes fontes de abastecimento
como a represa Guarapiranga (zona sul de SP), que atende cerca de 4
milhões de pessoas; o sistema Cantareira (norte da Grande SP),
que abastece 9 milhões; e o braço do rio Grande, na represa
Billings (sul da Grande SP), que serve 1,2 milhão de moradores
do ABC Paulista.
Para Bassoi, isso se deu em conseqüência dos investimentos
em tratamento de esgoto na região metropolitana, feitos pela
Sabesp (empresa de saneamento de SP).
"Não acredito que seja verdade [a melhoria na Grande SP]",
afirma, por sua vez, Mário Mantovani, diretor da Fundação
SOS Mata Atlântica, que também tem um programa de monitoramento
da qualidade da água nos rios paulistas, feito com crianças.
"US$ 350 milhões depois [recursos investidos num programa
de urbanização e obras de saneamento], a Guarapiranga
está pior; o Cantareira já começa a ser destruído;
e nenhuma cidade da região metropolitana, nem a capital, conseguiu
aprovar uma lei de uso e ocupação do solo atual",
critica.
Apesar de concordar que as poucas chuvas de 2003 tiveram influência
negativa na qualidade das águas no Estado, Mantovani diz que
a excessiva dependência de "são Pedro" mostra
apenas o quão frágil a política de saneamento ambiental
ainda é. (MV)
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Estiagem,
recebimento de esgoto sem tratamento e grande volume de efluentes industriais
transformaram as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí
nas piores em qualidade de água para abastecimento público
do ano de 2003, segundo o Relatório de Águas Interiores
do Estado divulgado ontem pela Cetesb.
A região tem a segunda pior porcentagem de tratamento de esgoto
no Estado (19%), embora, informa o relatório, tenha recebido
o maior montante de verbas do Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos)
desde 1993 para essa finalidade: R$ 27,3 milhões.
Comparado com o estudo de 2002, o IAP -índice de qualidade das
águas para fins de abastecimento público- de 2003 registrou
uma queda.
Em 2002, dos 86 pontos que têm a qualidade da água avaliada
pela agência ambiental, 47 eram classificados como ótimos,
bons ou regulares. No ano passado, esse número caiu para 35.
De acordo com o gerente da Cetesb Eduardo Mazzolenis de Oliveira, o
IAP avalia parâmetros sanitários e tóxicos e o potencial
para a formação de substâncias orgânicas nos
cursos d'água.
Seca
"A região tem características que colaboraram para
esses fatores. Além da densidade demográfica, a seca também
contribuiu para piorar a qualidade da água", disse o técnico.
Dos 15 pontos de captação nos quais a água foi
analisada, 9 apresentaram média ruim e pelo menos um ponto tem
nota péssima, segundo relatório da Cetesb.
Nos rios Piracicaba e Atibaia, que abastecem algumas das principais
cidades da região, como Campinas, Sumaré e Americana,
em todos os pontos analisados os valores para coliformes estavam acima
do limite estabelecido pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
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