LULA POR FHC: ELE SOU EU LEVADO LONGE DEMAIS

Josias de Souza

Muitos acharam que FHC saiu da toca antes do tempo. As declarações dadas ao site do PSDB soaram extemporâneas. Imaginava-se que tão cedo não voltaria à liça. Bom que tenha contrariado expectativas. Louvada seja essa entrevista. Exceto pela barba, não estava dando para distinguir Lula do antecessor. As palavras de FHC mostram a diferença. Como se suspeitava, Lula é um FHC.
Mas não um FHC qualquer. É um FHC que esqueceu de maneirar. Na economia, disse FHC, o governo Lula "seguiu mais de perto" a prescrição tucana. Com uma mudança: "Exageraram na dose." Apertou-se em demasia. "O desemprego cresceu muito, a economia está sem investimento." Na política, afirmou FHC, Lula "está fazendo alianças num espectro mais amplo" do que o arco do tucanato. "Está havendo uma penetração [dos partidos] na máquina pública muito maior do que no meu tempo." O arrocho econômico tende a amainar. "Será que é preciso manter por tanto tempo as taxas de juros tão altas?", perguntou FHC. Não, não é, respondeu o Copom, baixando a taxa Selic de 26,5% para 26% ao ano. É pouco. Mas marca o início de um processo. Logo estaremos de volta ao padrão FHC de usura -juros nem tão baixos que façam murchar os balanços da banca nem tão altos que asfixiem a economia à morte.
Corre-se o risco de perpetuar as desigualdades sociais. Mas quem já esperou que o bolo crescesse para depois dividi-lo, quem já aguardou pela estabilização da moeda, pode aguentar até que o risco Brasil caia a níveis razoáveis. Depois, Lula vai ver o que dá para fazer. Desde que o dólar não dispare de novo. Quanto à licenciosidade política, não há sinal de que vá refluir. "É preciso limitar as áreas de penetração dos vários setores de partido na máquina pública", ensina FHC. "Também é preciso evitar ao máximo o clientelismo nisso. Sei que é difícil, não consegui tudo". Assim como FHC, Lula oferece à fisiologia uma conveniente fachada de esquerda. O pecado é como que aceito nos salões da virtude. Sob o tucanato, PMDB e afins tiveram quase tudo. Sob o petismo, querem mais. Também como FHC, Lula delega as aflições do dia-a-dia a um superministro. Misturados todos os auxiliares do presidente num copo de liquidificador, sacudidos, bem batidos, dá José Dirceu. É a vitamina do governo. É o ministro que faz. É o Sérgio Motta de Lula.
Se algo irrita Dirceu é ser comparado a Serjão. Acha que o cotejo embute um juízo pejorativo. Cobra respeito. Diz que não entrou na política à sombra de ninguém. Fez-se pela luta e pelo voto. Tudo verdade. Mas nada apaga a impressão de que ninguém no "novo" governo é mais Serjão do que Dirceu. É o trator que abre as picadas, faz a terraplenagem, regulariza o terreno político. O Congresso vê a Casa Civil como o portal de todas as barganhas. É a passagem que leva às nomeações. Cruzando-a, chega-se a delegacias estaduais do trabalho, a superintendências do INSS, a estatais como a Petrobrás e a um imenso e suculento etc. O salário é pouco. Mas as oportunidades são muitas. FHC também começou assim. Ao cabo do primeiro mandato, encontrava-se enrolado em fitas que continham vozes de deputados acreanos. Falavam de Serjão e de uma certa "cota federal", recebida em troca da emenda da reeleição. Pouco depois, FHC dividia um mesmo outdoor com Paulo Maluf. Um era candidato a presidente. O outro, a governador de São Paulo. Junto com o segundo mandato, FHC ganhou escândalos como o da $udam.
Se o ex-presidente estiver certo - "Não vi nada novo na prática do PT frente à prática tradicional brasileira" -, o governo Lula é um escândalo em gestação. FHC sabe o que diz. Foi dando que recebeu.




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