A SATANIZAÇÃO DO SERVIDOR


A previdência pública é um projeto em permanente busca de equilíbrio. Não existem soluções definitivas dentro do sistema de benefícios assegurados. A cada ano que passa a população fica mais velha, ocorre aumento na expectativa de vida média, um aumento natural da população aposentada e uma redução da proporção aposentados-trabalhadores na ativa e há que providenciar novos ajustes. Mesmo assim, mesmo com a necessidade de incendiar a retórica a fim de reduzir resistências, não se justifica essa satanização do funcionalismo público e das carreiras típicas de Estado. Como não procede a comparação pura e simples dos proventos do setor privado e do setor público.
Há uma discussão mais ampla do que essa retórica de guerra, que é a necessidade premente da reconstrução do Estado brasileiro. Não existe projeto de país que não conte, no seu bojo, com um funcionalismo de alto nível. Por isso mesmo, qualquer tentativa de reduzir benefícios do funcionalismo deveria vir acompanhada de uma reestruturação que valorizasse as carreiras de Estado e premiasse os bons funcionários.
Não se pode montar um modelo que torna profissões de juiz, ou de procurador, ou de gestor público pouco atraentes para os melhores quadros. Chega o que ocorreu nas universidades públicas, com a falta de verbas e de cobrança de resultado. Hoje em dia há uma proliferação de fundações com propósitos pouco claros e de pesquisadores especializados em conseguir polpudas verbas de pesquisa em troca de resultado nenhum. Na outra ponta, os verdadeiros pesquisadores, obrigados a se esfalfar sem condições adequadas de trabalho e sem remuneração condigna.
É esse o Estado que se deseja? Estão sendo montadas propostas para a reconstrução do aparelho oficial. Mas a discussão não pode ser precedida por essa demonização do funcionalismo público, com direitos institucionalizados há anos sendo tratados como privilégios.
A comparação entre o ganho do trabalhador privado e o do funcionário público é descabida, a não ser no caso de funções semelhantes -e aí não tem nada a ver com a situação previdenciária. Quando optou por trabalhar no serviço público, o funcionário aceitou um contrato de trabalho em que estava explícita a aposentadoria com valor integral. Se o Estado não pode bancar, discute-se, negocia-se, reforma-se. O que não pode é essa história de considerar a aposentadoria privilégio, separando-a do conjunto de ganhos de cada trabalhador.
O provento do funcionalismo pode ser excessivo para o ocioso e insuficiente para o competente. Cada caso é um caso. Não se pode jogar todos os funcionários públicos no mesmo balaio e tratá-los como bem supérfluo. É a mesma simplificação, o mesmo primarismo de pretender tachar todo usineiro de caloteiro, todo sindicalista de corporativista, todo acadêmico de preguiçoso, todo banqueiro de sanguessuga e todo jornalista de leviano. O desafio maior é montar um modelo de gestão pública que estimule o trabalhador e puna o ocioso. E aceitar que não existe grande nação do mundo que tenha sido construída sem dispor de grandes quadros no setor público.




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA