APÓS TRÊS ANOS, AGRICULTURA CRESCE DE NOVO
Após três anos, agricultura cresce de novo

 LÁSZLÓ VARGA e ADRIANA MATTOS

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Os agricultores brasileiros não têm muito do que reclamar em 2001. Após três anos consecutivos de queda na receita, o PIB agrícola saiu da fase de entressafra e deve atingir R$ 87,3 bilhões neste ano. Desde 98 o Brasil praticamente patinava na faixa dos R$ 86 bilhões. Chegou a registrar R$ 81 bilhões em 1996.
As consequências dessa expansão são as mais diversas: 1) o governo espera safra recorde de 98,1 milhões de toneladas neste ano e prevê que em 2002 ultrapasse 100 milhões; 2) fabricantes de tratores registram um dos melhores desempenhos de vendas desde 1976; 3) pequenas cidades do interior, de origem agrícola, exibem claros sinais de exuberância econômica.
O principal motivo para esse bom desempenho foram as exportações. Enquanto a indústria enfrentava resistências para embarcar aço, têxteis e eletroeletrônicos para o exterior, devido à retração na economia dos EUA e da Europa, a situação na agricultura foi completamente diferente. Não faltaram compradores.
"Os problemas com a doença da vaca louca na Europa fizeram com que o consumidor daquele continente substituísse carne por proteínas vegetais, como soja e milho", explica Amaryllis Romano, economista da consultoria Tendências.
O tombo do real em relação ao dólar, com a desvalorização de 28% entre maio e novembro, foi sem dúvida o grande empurrão que os agricultores precisavam. Tornou os produtos brasileiros mais baratos.
Mas o país saiu também muito beneficiado em negócios com países como a China, o maior mercado em potencial de consumo. Os chineses importaram muita soja brasileira, destinada à sua indústria alimentícia.
"Além disso, o Brasil saiu beneficiado por ser um país onde a agricultura ainda não utiliza grãos transgênicos (modificados geneticamente). Isso facilita a conquista de mercados exigentes e de grande poder de compra, como a França", diz Amaryllis.

Exportações
O resultado de tantos fatores favoráveis já pode ser visto nas contas do país. O saldo da balança comercial agrícola deve bater novo recorde em 2001, chegando a US$ 14,5 bilhões -montante 26% superior ao do ano passado.
Pelas projeções da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o Brasil vai embarcar US$ 19 bilhões em produtos do gênero. As importações, por sua vez, não devem superar os US$ 4,5 bilhões.
Esse otimismo é confirmado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Suas projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) total apontam para expansão de apenas 1,7%, enquanto a agricultura deve crescer 5,5%. É a maior taxa de crescimento prevista para todos os setores.
A indústria, por exemplo, deve registrar retração de 0,1%. Serviços, área que tem registrado expansão elevada desde o início do Plano Real, deve crescer 2,8%.

Produtividade
Com tanta riqueza na agricultura, as vendas de tratores devem alcançar 35 mil unidades em 2001, com crescimento de 12,68% sobre as 31,06 mil de 2000. Financiamentos mais baratos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) contribuíram para a expansão.
Para especialistas do mercado, a modernização do parque de tratores tem sido fundamental para o Brasil se preparar para a competitividade que irá se acelerar nos próximos anos.
Prova de que o Brasil já tem ganhado terreno nesse ponto é que a produção agrícola deve aumentar cerca de 18% neste ano em relação a 2000, enquanto a área de plantio se expandiu apenas 3%, atingindo 39 milhões de hectares.

Enriquecimento
Nas fronteiras agrícolas do país, a cidade de Sapezal (MT), a cerca de 350 km ao norte de Cuiabá, expressa de forma clara como algumas localidades conseguiram tirar proveito da boa fase agrícola.
Com pouco mais de 11 mil habitantes, o município ganhou duas filiais de universidades neste ano -extensões das sedes em Cuiabá-, uma nova concessionária de tratores e tornou-se o segundo maior produtor de soja do Estado -antes ocupava a terceira posição no Mato Grosso
"Chega a ser transparente a evolução da cidade", afirma Aldif Shneider, prefeito de Sapezal. Segundo ele, a renda per capita passou de R$ 2.000 a R$ 3.000 há quatro anos para R$ 25 mil neste ano.
Apesar desse bom momento, não se pode ignorar o fato de que os produtos agrícolas ainda estão com cotações baixas no mercado internacional.
A saca de 50 kg do arroz, por exemplo, está sendo vendida a R$ 19. Especialistas do mercado apostam, no entanto, que em 2002 haverá recuperação ainda maior dos preços agrícolas.

No Pará, cidade troca móveis por frutas

Em Paragominas (PA), cidade localizada a 300 km de Belém, não havia um único pé de milho plantado cinco anos atrás. A indústria moveleira (móveis) dominava a região. Não existiam lojas para insumos agrícolas e se alguém quisesse comprar um trator teria que ir até a cidade vizinha, a uns 200 km de distância.
Hoje, a cidade, com cerca de 70 mil habitantes, movimenta um PIB agrícola de R$ 208 milhões e quer se transformar num pólo de fruticultura. Tem duas concessionárias de tratores e cinco lojas para venda de produtos agropecuários. Essa mudança na face da cidade é recente e provocou a elevação na renda per capita da população.
"Tudo aconteceu muito rápido. Deixamos de ser uma cidade voltada para a indústria de móveis para ser um município de economia agrícola em poucos anos", diz Sidney Rosa, prefeito de Paragominas.
"Hoje os habitantes têm uma renda per capita em torno de R$ 3.000. No passado, nem tínhamos idéia."

Mais ICMS
Na cidade de Rio do Sul (SC), município localizado a 186 km de Florianópolis, os efeitos da expansão da agricultura também são palpáveis.
A arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) deve alcançar R$ 22,3 milhões neste ano. Um aumento de 17% sobre o desempenho do ano passado.
"A agricultura não é a principal atividade do município, mas somos o principal centro comercial da região e muitos agricultores fazem as compras nas nossas lojas", explica Sérgio Censi, secretário de Fazenda da cidade.
A cidade fica na região do Alto Vale do Itajaí, onde os cultivos de cebola, fumo, milho, arroz e feijão são as principais atividades dos agricultores.
Com 51 mil habitantes, Rio do Sul ganhou neste ano revendas das marcas Renault e Peugeot.
No ano passado, foi a vez da rede de eletrodomésticos Ponto Frio inaugurar uma de suas lojas na cidade.

Instituições comemoram o PIB agrícola

O crescimento do PIB agrícola deste ano -estima-se que ele atinja R$ 87,3 bilhões, uma expansão de 1,5% em relação a 2000- pode parecer inexpressivo. Mas é um número comemorado pelas instituições que acompanham o mercado agrícola no país.
O resultado, afirmam eles, foi obtido graças ao bom desempenho das safras de açúcar e soja. O aumento na área plantada desses itens no país -e a evolução na sua exportação- ajudou o país a atingir a safra deste ano, cerca de 98 milhões de toneladas.
"Nosso crescimento no PIB agrícola até pode parecer modesto, mas aconteceu graças ao bom resultado de alguns itens, como açúcar, que registou recuperação do preço no mercado internacional", disse Getúlio Pernambuco, economista da CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
No caso do açúcar, o preço no mercado externo subiu de forma considerável durante o ano. Passou de US$ 172 a tonelada para US$ 212 em dezembro, segundo dados da CNA.
Esse bom desempenho, entretanto, não pode ser atribuído à cultura de outros produtos, como milho e café. Os agricultores que apostaram na alta desses itens perderam dinheiro. Calcula-se que o país deva registrar uma queda de 40% no faturamento obtido só com o café neste ano. No caso do milho, a redução deve chegar a 10%.
De acordo com a CNA, o faturamento bruto obtido pelos produtores nesse ano, apenas com o cultivo do milho, foi R$ 1 bilhão menor que o apurado em 2000. A forte queda no preço da tonelada no exterior, devido ao excesso de oferta, acabou reduzindo a receita dos agricultores com o produto.
"A produção de milho cresceu 41,5% no ano, mas, como não houve recuperação nos preços, os produtores amargaram perdas", disse Pernambuco.
Com o café, a situação se repete. O país deve faturar R$ 3,4 bilhões com a venda do produto, um volume 40% menor do que o registrado em 2000 (R$ 5,8 bilhões).
"E a curto prazo, não há o menor sinal de mudança", disse Pernambuco. Isso porque o mercado já prevê queda no valor das sacas dos produtos.
O milho, por exemplo, cotado a R$ 7,43, em média, neste ano (a saca de 60 kg), já começa a ser negociado a R$ 7,28 -preço a ser definido para a próxima safra, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Vendas de máquinas devem crescer 12%

As vendas de máquinas agrícolas registraram em 2001 um pequeno boom, estimulado tanto pelo aumento do poder aquisitivo dos produtores como também pelo financiamento mais barato que o BNDES tem dado para as aquisições de tratores e colheitadeiras.
As vendas dessas máquinas devem fechar com uma expansão de 12% sobre o ano passado, conforme avaliação da Anfavea (Associação Nacional dos Veículos Automotores). "Estimamos que as vendas cheguem a 35 mil unidades, contra as 31 mil de 2000", afirma Persio Luiz Pastre, vice-presidente da entidade.
Um desempenho tão bom não vinha sendo registrado desde 1976. "O Brasil ficou duas décadas com dificuldades para comercializar máquinas agrícolas, devido à instabilidade econômica", ressalta Pastre.
As montadoras do setor vão muito bem. Seu desempenho será bem melhor que o dos fabricantes de automóveis, caminhões e ônibus, que devem registrar expansão de 6%, com vendas de 1,570 milhão de unidades.

Financiamento
Um dos principais impulsionadores das vendas de máquinas agrícolas é o programa Moderfrota, que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) criou em 2000.
A linha de empréstimo reduziu a taxa de juros efetiva paga pelos agricultores pequenos e médios de 11,95% ao ano para 8,75%. Para quem tem receita anual bruta acima de R$ 250 mil, a taxa cobrada passou a ser de 10,75%.
O prazo de pagamento das máquinas é de seis a oito anos. O programa tem sido tão bem aceito que o BC (Banco Central) decidiu liberar mais dinheiro do que o previsto para o financiamento.
"Devemos atingir um total de R$ 2,6 bilhões em empréstimos até meados de 2002, quando o programa inicial previa R$ 1,6 bilhão, com prazo final de financiamento somente até dezembro de 2001", diz Luiz Antônio Dantas, superintendente de produtos automotivos do BNDES.
O adicional de R$ 670 milhões até junho de 2002 foi autorizado pelo BC no último dia 19.

Produção
As montadoras do setor estão festejando o excelente desempenho. A Massey Ferguson, maior indústria de trator instalada no Brasil, deve registrar um crescimento de mais de 40% nas vendas em 2001.
"Vamos atingir um patamar de 14.450 unidades produzidas", diz Normélio Rafanello, superintendente da companhia. Em colheitadeiras, a produção deve chegar a 7.000 unidades, 600% a mais que as 1.070 do ano passado.
O grupo italiano CNH, que administra as marcas New Holland, Case e Fiat Allis, deve faturar neste ano R$ 1,8 bilhão, contra o R$ 1,5 bilhão de 2000.
"O Brasil virou a segunda prioridade de negócios para nós, depois da Itália. Estamos investindo aqui US$ 120 milhões entre 2000 e 2003", declara Francesco Pallaro, diretor comercial da CNH.
Além disso, o Brasil está exportando cada vez mais máquinas agrícolas, o que demonstra uma modernização dos equipamentos. As vendas externas devem chegar a 7.782 unidades em 2001, contra as 5.273 do ano anterior.
As importações, por sua vez, despencaram. Devem somar 265 máquinas neste ano, contra 526 em 2000.
Muitas montadoras do setor têm inclusive iniciado aqui a produção de equipamentos caros, antes importados.
 

 Folha de São Paulo, 23 de dezembro de 2001, p.B3 e B4.



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