SÓ FALTA DIZER COMO FUNCIONARÁ A QUITANDA

Elio Gaspari
 

No governo de Lula já se sabe quem vai para onde. Ao contrário do que supunha o presidente eleito, formar ministério foi coisa complicada. Para felicidade geral, desinfetou a banda bandesca do PMDB. Se numa lista de 31 ministros há 18 petistas, isso não derivou da estreiteza das composições, mas da compostura do presidente eleito. Sabendo-se quem, e onde, resta saber como. Como vai funcionar o governo, ninguém sabe. Lula pode ter uma vaga idéia, certamente um desejo. A vontade (ou a falta de vontade) de um presidente influenciam o funcionamento de um ministério, são o principal fator, mas não são o único. Hoje é muito fácil dizer: os doutores Palocci, Meirelles e Guido Mantega formarão uma equipe harmônica, com o presidente arbitrando eventuais conflitos. No mundo dos fatos reais, os conflitos acabaram levando um presidente como FFHH a dispensar o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, porque o professor Pedro Malan viu numa frase truculenta de seu colega um chamado para a briga. Foi -e saiu do Planalto com a cabeça de Carvalho num puçá. Isso aconteceu em 1999. Em 1995, quem dissesse que o tímido Malan (ficaria só seis meses na Fazenda) trituraria Carvalho seria dado por doido. Também é fácil dizer que o petebista Mares Guia vai cuidar do turismo, não havendo motivo para que se meta com pedidos na área de Saúde ou das Comunicações. Em geral as relações do ministro do Desenvolvimento com o presidente do BNDES são tensas. Caberá ao doutor Luiz Fernando Furlan mostrar que, uma vez empossado, saberá mantê-las dentro das normas da boa educação, atributo do patrimônio biográfico do professor Carlos Lessa. Quem já conversou com o embaixador Celso Amorim e com o professor Marco Aurélio Garcia teve a sensação de ter conhecido dois grandes sujeitos. Isso não elimina o fato de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Por maiores que sejam as ambições de Lula, o Brasil não tem política externa para dois chanceleres. Desde 1979, quando o embaixador Azeredo da Silveira deixou aquela sala onde o mapa do mundo fica de cabeça para baixo, não tem nem para um em horário integral e dedicação exclusiva. Lula terá que administrar uma galeria de vaidades (inclusive a sua), projetos e até mesmo traições. É dura a vida de presidente. O marechal Costa e Silva pensaria que estava delirando se achasse que o seu ministro da Fazenda (a quem convidou por carta) prevaleceria sobre o estelar Hélio Beltrão, do Planejamento. Delfim Netto tornou-se um paradigma de poder. O general Ernesto Geisel sempre soube que a maior influência sobre o seu governo veio do pacato João Paulo dos Reis Velloso. Pouco lhe custava deixar circular a idéia de que mandava a figura telúrica de Mário Henrique Simonsen. José Sarney levou tempo para descobrir que se amparava melhor em João Sayad (Planejamento) do que no aventuroso Dilson Funaro (Fazenda). Collor achou que mandava tanto a ponto de poder colocar Zélia Cardoso de Mello na Economia. Em geral os presidente brasileiros chegam ao seu ponto de excelência como governantes no último trimestre de seus mandatos. FFHH está aí para provar essa teoria. Lula e todos os seus sucessores gostarão de achar que com eles a história será outra. Se pelo menos um presidente que chega olhasse para o ministério com o ceticismo do que sai, o Brasil iria melhor. Depois do quem e do onde, o presidente cuidaria do essencial, que é o como. Esse problema, ao contrário do que se supõe, é dele. Não se resolve com discursos patrióticos, mas com a rotineira e vigilante atividade do gerente da quitanda. Na simplicidade da venda de beringelas.




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA