Bem
registrada por quase todos os que se ocuparam do assunto, a predominância
de petistas no ministério de Luiz Inácio Lula da Silva
não constitui surpresa, mas dá ao início do novo
governo um perfil politicamente mais estreito do que se imaginava logo
após a eleição, sobretudo quando se recordam os
lances da escalada pragmática e o afã aliancista que marcaram
a trajetória do PT durante a campanha eleitoral. Sem o PMDB representado
no governo como partido, o PT terá de buscar o apoio político
de que necessita no Congresso comendo pelas bordas. Não deverá
ser tarefa das mais complicadas quando a legenda em questão é
sabidamente afeita às migalhas do poder.
Cresce, porém, a expectativa de como funcionarão, para
além do discurso de praxe, os modos e costumes políticos
do novo governo. Será pedagógico acompanhar como se comportará
com a caneta na mão o partido que passou os anos da era FHC condenando,
muitas vezes com razão, o fisiologismo do antecessor. Se José
Dirceu, o czar da articulação política do novo
governo, já
inicia seu reinado desgastado pela trapalhada que levou Lula a desautorizá-lo
na negociação com o PMDB em menos de 24 horas, Antonio
Palocci, o novo Malan da era Lula, acumula sinais de que
será o homem-forte do governo. A indicação de Guido
Mantega, nome da preferência do ex-prefeito
de Ribeirão Preto, transforma a pasta do Planejamento numa espécie
de apêndice da Fazenda, onde a política econômica
real será formulada com mãos de ferro.
A indicação de Mantega, definida no apagar das luzes da
transição, tem ainda outra leitura. Pouco planejada e
sujeita até a última hora às negociações
partidárias, a escolha do titular do Planejamento
deixa transparecer uma grande confusão interna e uma enorme indefinição
sobre o projeto que o governo Lula tem para o país. Não
custa lembrar o que disse Celso Furtado, figura insuspeita,
quando visitado por Lula em sua casa, logo após a eleição.
Eis a frase: "Os assessores econômicos de Lula dançam
conforme a música que o governo toca". Falta projeto alternativo
-é o que parece.
A exemplo de FHC, Lula fez em torno de si uma blindagem ministerial
-o assim chamado "núcleo duro" do governo - e distribuiu
o resto entre os aliados. Também como FHC rendeu homenagem à
tentação marqueteira -Gilberto Gil é Pelé
em versão paz e amor. Inflada, como era esperado, a área
social é por ora como a peça de Pirandello -tem vários
personagens à procura de um autor. A pasta
das Cidades pode vir a cumprir a promessa de articular de forma substantiva
políticas urbanas voltadas à pobreza, tarefa urgente e
desprezada por FHC.
Restam ainda algumas incógnitas. Ciro Gomes tem luz própria
e personalidade, mas diz um dos mandamentos da política que não
se deve nomear quem não se pode demitir. E, salvo engano, a
lua-de-mel entre os dois ex-adversários tem prazo de validade
curto. Nome da esquerda petista, Miguel Rossetto no Desenvolvimento
Agrário soa como um risco calculado de Lula em nome de uma dívida
histórica do país. É pagar para ver no que dará.
Há ainda vários nomes, de origem técnica ou atuação
parlamentar, pouco conhecidos e sem projeção nacional,
casos de Humberto Costa (Saúde) e Dilma Rousseff (Minas e Enegria).
Até ontem dirigiam o seu kart e ganharam de Natal um carro de
F-1. As
curvas de 2003 nos reservarão muitas surpresas.
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