MALABARISMO SOCIAL?

Fernando de Barros e Silva
 

Bem registrada por quase todos os que se ocuparam do assunto, a predominância de petistas no ministério de Luiz Inácio Lula da Silva não constitui surpresa, mas dá ao início do novo governo um perfil politicamente mais estreito do que se imaginava logo após a eleição, sobretudo quando se recordam os lances da escalada pragmática e o afã aliancista que marcaram a trajetória do PT durante a campanha eleitoral. Sem o PMDB representado no governo como partido, o PT terá de buscar o apoio político de que necessita no Congresso comendo pelas bordas. Não deverá ser tarefa das mais complicadas quando a legenda em questão é sabidamente afeita às migalhas do poder.
Cresce, porém, a expectativa de como funcionarão, para além do discurso de praxe, os modos e costumes políticos do novo governo. Será pedagógico acompanhar como se comportará com a caneta na mão o partido que passou os anos da era FHC condenando, muitas vezes com razão, o fisiologismo do antecessor. Se José Dirceu, o czar da articulação política do novo governo, já
inicia seu reinado desgastado pela trapalhada que levou Lula a desautorizá-lo na negociação com o PMDB em menos de 24 horas, Antonio Palocci, o novo Malan da era Lula, acumula sinais de que
será o homem-forte do governo. A indicação de Guido Mantega, nome da preferência do ex-prefeito
de Ribeirão Preto, transforma a pasta do Planejamento numa espécie de apêndice da Fazenda, onde a política econômica real será formulada com mãos de ferro.
A indicação de Mantega, definida no apagar das luzes da transição, tem ainda outra leitura. Pouco planejada e sujeita até a última hora às negociações partidárias, a escolha do titular do Planejamento
deixa transparecer uma grande confusão interna e uma enorme indefinição sobre o projeto que o governo Lula tem para o país. Não custa lembrar o que disse Celso Furtado, figura insuspeita,
quando visitado por Lula em sua casa, logo após a eleição. Eis a frase: "Os assessores econômicos de Lula dançam conforme a música que o governo toca". Falta projeto alternativo -é o que parece.
A exemplo de FHC, Lula fez em torno de si uma blindagem ministerial -o assim chamado "núcleo duro" do governo - e distribuiu o resto entre os aliados. Também como FHC rendeu homenagem à
tentação marqueteira -Gilberto Gil é Pelé em versão paz e amor. Inflada, como era esperado, a área social é por ora como a peça de Pirandello -tem vários personagens à procura de um autor. A pasta
das Cidades pode vir a cumprir a promessa de articular de forma substantiva políticas urbanas voltadas à pobreza, tarefa urgente e desprezada por FHC.
Restam ainda algumas incógnitas. Ciro Gomes tem luz própria e personalidade, mas diz um dos mandamentos da política que não se deve nomear quem não se pode demitir. E, salvo engano, a
lua-de-mel entre os dois ex-adversários tem prazo de validade curto. Nome da esquerda petista, Miguel Rossetto no Desenvolvimento Agrário soa como um risco calculado de Lula em nome de uma dívida histórica do país. É pagar para ver no que dará. Há ainda vários nomes, de origem técnica ou atuação parlamentar, pouco conhecidos e sem projeção nacional, casos de Humberto Costa (Saúde) e Dilma Rousseff (Minas e Enegria). Até ontem dirigiam o seu kart e ganharam de Natal um carro de F-1. As
curvas de 2003 nos reservarão muitas surpresas.




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