A
cada vez que digita uma palavra ou expressão na caixinha da já
clássica página branca do Google e clica "pesquisar",
o internauta sabe o que acontece com essa informação?
Pouca gente sabe.
Em dezembro do ano passado, o engenheiro de tecnologia recém-formado
Mark Jen, 22, teve realizado o sonho de 9 em cada 10 engenheiros de
tecnologia recém-formados: foi contratado pelo Google. Ficou
tão entusiasmado que começou no mesmo dia um blog (abreviação
de "web log", diário virtual) que batizou de "Ninetyninezeros
- Life @ Google from the Inside" (Noventa e Nove Zeros - Vida no
Google Vista de Dentro). Foi seu primeiro e último erro na empresa.
Foi demitido no dia 28 de janeiro.
Jen nem contou muito. Escreveu que havia um clima "diferente"
entre os trabalhadores da empresa, como se seguissem uma religião,
estivessem todos tomando Prozac ou fizessem um esforço extraordinário
para parecerem felizes. O que o levou à faca, no entanto, foi
um texto em que dizia que o seguro-saúde oferecido era inferior
ao de seu empregador anterior, a Microsoft. A direção
da Google justificou sua atitude dizendo que o funcionário tinha
sido avisado de que não podia falar sobre "assuntos sigilosos".
O episódio mereceu mais atenção do que deveria,
como aliás é regra no novo mundo dos blogs, mas serviu
para tornar pública uma faceta até então não
assumida pelo Google: a empresa zela por sua privacidade com o mesmo
empenho que a Casa Branca de George Bush 2º. No dia da visita da
reportagem da Folha à sede, um edifício modernoso em constante
fase de expansão em Mountain View, no coração do
Vale do Silício, mais de 90% da área era considerada "fora
de limite", como num tour no Pentágono.
Quando as perguntas envolviam números, como a misteriosa quantidade
de máquinas (e a capacidade delas) de que dispõe a empresa
para realizar suas buscas em 8 bilhões de páginas espalhadas
pelo mundo inteiro em menos de um segundo, as respostas eram invariavelmente
"os dados são sigilosos" ou "não estou
autorizado a responder". Conversando com a Folha na condição
de anonimato, porém, funcionários conseguiram desenhar
um pouco melhor o que acontece no interior do "Googleplex".
"70%-20%-10%"
Para começar, o fundamento do que a empresa exige de seus mais
de 3.400 empregados está na mesma regra que usa para definir
sua atuação no mercado: "70%-20%-10%", sendo
que a primeira porcentagem é quanto o empregado deve dedicar
de seu tempo no Google ao Google, a segunda, quanto deve se ocupar em
pesquisas de seu interesse pessoal (foi nesse intervalo que Orkut Buyukkokten
desenvolveu seu site de relacionamentos virtuais, por exemplo), e os
10% restantes, quanto deve usar para lazer.
Opções para o último item não faltam, de
camas de massagem a quadras de areia de voleibol, máquinas de
fliperama e mesas de pingue-pongue, todos os equipamentos sendo usados
quando da visita da reportagem. Duas vezes por semana, há jogos
de hóquei sobre patins no estacionamento. A regra de vestuário
está na lista de "mandamentos da empresa", segundo
a qual "você pode ser sério sem usar um terno"
e "trabalhar deve ser um desafio, e um desafio deve ser divertido".
Há mais de 30 "chefs de cuisine" na preparação
do almoço, que não é cobrado e é servido
em cafés espalhados pela sede. São supervisionados pelo
"superchef", cuja vaga ainda está aberta desde que
Charlie Ayers deixou a empresa, há algumas semanas, depois de
trabalhar ali por cinco anos. Ex-cozinheiro da ex-banda hippie Grateful
Dead, criou a política de competição entre os diversos
"chefs" dos cafés do Google, que devem disputar a preferência
dos funcionários e ganham prêmios se servem mais pessoas.
Isso elevou a qualidade das refeições a tal ponto que
pessoas de fora da empresa pedem para ser convidadas por um amigo funcionário
para almoçar lá -e é preciso fazer reserva com
pelo menos dois dias de antecedência, tal a procura. Além
dos cafés, há as chamadas "salas de petiscos",
com máquinas de refrigerantes, doces e chocolates, todas de graça
e divididas por temas -a "saudável" serve iogurte natural,
barras energéticas e sucos naturais. A empresa fecha ainda cinemas
para exibir filmes ainda inéditos -levou funcionários
e famílias a assistirem ao último "Star Wars"
antes dos mortais.
Como em várias pontocom do Vale do Silício, não
há divisórias no andar principal da sede nem salas, nem
mesmo para seus dois fundadores -duas décadas mais velho do que
os chefes, o CEO Eric Schmidt disse que só aceitaria trabalhar
na empresa, quando foi convidado em 2001, se tivesse uma sala. Conseguiu
convencer Sergey Brin e Larry Page a ter pelo menos um cubículo
de reuniões. É o único do complexo, mas a vitória
do CEO foi parcial: a sala tem divisórias e porta, mas ele não
conseguiu colocar teto.
A maior parte dos funcionários vem dos bancos da Universidade
Stanford, cujo campus fica a poucos quilômetros dali. O recrutamento
é ininterrupto e sui generis. Em alguns dias do mês, por
exemplo, os alunos da faculdade de engenharia recebem seu exemplar do
"Stanford Daily", a publicação interna, com
um encarte-proposta de emprego. O último era intitulado "O
Cérebro de Alta Performance" e trazia perguntas, charadas,
propostas de equações e um pedido: "Divida seu cérebro
com o resto do mundo. Se você conseguiu responder parte deste
teste, mande seu currículo".
Uma área da empresa, porém, é tratada com a seriedade:
a segurança. Todo o ambiente festivo descrito acima é
vigiado com câmeras de segurança interna. Há um
gerente da divisão de segurança corporativa e geral e
um especialista de proteção executiva que comandam uma
grande equipe. Antes de a vaga do especialista ser preenchida, exigia-se
alguém com experiência no Serviço Secreto. E discrição.
"Memória
do mundo"
O segredismo em torno do que é e como funciona o Google se torna
mais relevante por se tratar de uma empresa que já foi chamada
de "a memória do mundo" e "o barômetro da
humanidade", por abrigar e ter acesso a tantas e tão íntimas
informações de tantos internautas. Há um time que
armazena e analisa as buscas feitas, como polaróides do que pensa
a cada segundo os milhões de pessoas conectadas. Com só
um algoritmo, um técnico pode determinar se um usuário
casado freqüenta sites homossexuais, por exemplo.
A qualquer momento, é possível saber o que preocupa ou
interessa não só um indivíduo mas países
-"Daniela Cicarelli" no Brasil, "golpe militar"
na Venezuela. E quase antecipar esse estado de espírito individual-geral.
Em 2001, segundos depois de um tremor começar a atingir Seattle,
no Estado de Washington, as buscas por "earthquake" (terremoto)
nos computadores da região pularam de zero para 250 por minuto,
alertando a equipe.
Além disso, parte do que é digitado na janelinha depois
de clicar "pesquisar" vai parar num telão que enfeita
a recepção do prédio (decorada com um piano e abajures
de lava). Tal equipamento, semelhante aos letreiros eletrônicos
noticiosos da Time Square, vai mostrando palavras e expressões
desconexas que o mundo busca naquele momento. Censuram-se somente palavras
ligadas a pornografia ou sexo -mas apenas se escritas em inglês,
o que dá margem a situações inusitadas, como a
de um visitante brasileiro observando a palavra chula que descreve o
órgão sexual feminino passando em letras enormes lentamente
à sua frente.
Como o Google lida com essas informações e o que faz com
elas é objeto de restrições desde o ano zero da
empresa, mas as críticas aumentam conforme a empresa cresce.
Hoje, os "Google-haters" (odiadores do Google) já comparam
o mecanismo de busca do site à onipresente rede de cafeterias
Starbucks, ao fast-food McDonald's e mesmo ao gigante de supermercados
Wal-Mart. "Acho que a empresa se tornou tão "mainstream"
e tão onipresente que perdeu de alguma maneira seu objetivo original",
disse o investidor Fred Wilson.
Outra semelhança com a Wal-Mart é o fato de o Google pagar
salários abaixo do praticado pelo mercado. Um administrador de
sistemas ganha menos de US$ 3.000 por mês, inferior à média
para o mesmo cargo nas empresas pontocom do Vale do Silício e
um valor quase irrisório para quem vive e mora na região,
uma das mais caras do planeta.
A empresa cujo nome já virou verbete do "Webster",
tradicional dicionário da língua inglesa, como sinônimo
de "busca" começa a se acostumar às reações
nem sempre elogiosas. Às vezes, de forma criativa. À polêmica
causada pela demissão do engenheiro que "revelou" segredos
internos em seu blog, o Google reagiu na mesma moeda. Criou o GoogleBlog,
em que funcionários podem fazer "entradas" diárias
de fotos e textos sobre o que acontece aqui dentro. Depois de liberados,
claro. Está em googleblog. blogspot.com/. (SÉRGIO DÁVILA)
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