VENDEDOR DE ESTATAIS ERA VIZINHO DE LULA

Ricardo Grinbaum



 

Venilton Tadini, diretor do Fator, ajudou a privatizar 13 empresas que renderam R$ 17 bi; Banespa foi o último


O gerente do Copacabana Palace pode até não ter se dado conta, mas a chave do quarto 205 sumiu na segunda-feira. Ela foi parar na coleção de lembrancinhas que o economista Venilton Tadini, 44, guarda das estatais que vende. Na segunda-feira, Tadini passou nos cobres o Banespa num leilão no Rio de Janeiro. Se tivesse que vender carro usado, provavelmente Tadini teria dificuldade. Tadini não é especialmente bom de lábia e usa jargões do economês, como chamar o popular confisco de "diferimento do poder liberatório da moeda". Mesmo assim, ele é um dos maiores vendedores do
Brasil. Nos últimos cinco anos, o diretor do banco Fator passou para a frente 13 grandes estatais, por quase R$17 bilhões. Isso sem contar a companhia energética Cesp-Geração Paraná, que está para ser leiloada e que tem o preço mínimo calculado em R$ 1,739 bilhão. Tadini não revela a comissão que ganha pelas vendas, mas admite que não pode reclamar da vida. "Tenho uma casa aqui outra acolá. Mas rica é a Xuxa que ganha dinheiro de verdade", diz Tadini, 44, que se orgulha de
sua origem humilde e de ter preserva do seu jeito espontâneo, até escrachado, apesar da carreira nos
ambientes formais do governo e do mercado financeiro.

Ilha do Sapo

Filho de uma empregada doméstica e de um polidor de metais, Tadini foi criado na Vila do Sapo, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde era vizinho de Luís Inácio Lula da Silva, o Lula.
A casa de Tadini ficava na rua Amadis, 531, a dois quarteirões da Vemague, onde morava Lula. Apesar de vizinhos, os dois não se conheceram. Nos últimos tempos, não podiam ter endereços políticos mais distantes. Em 1989, enquanto Lula concorria à presidência da República, Tadini integrava a primeira equipe econômica do governo Fernando Collor de Mello. Ex-colega de
mestrado e amigo pessoal de Zélia Cardoso de Mello, Tadini ajudou a preparar as medidas provisórias do Plano Collor.
Com pouco mais de 30 anos, o economista foi um dos responsáveis pela política de abertura comercial e de privatização iniciada em 1990. Como diretor do BNDES, Tadini vendeu a segunda estatal do PND (Programa Nacional de Desestatização), a Celma. Desde então, sua carreira ficou definitivamente marcada pela sua experiência como vendedor de estatais. Ao deixar o BNDES, em 1991, ele assumiu o cargo de diretor do Fórum Paulista de Desenvolvimento, órgão criado pelo ex-governador Fleury para tocar programas como o de concessões de estradas à iniciativa privada.
"Sou a favor da privatização desde que trabalhei no Governo Federal, em 1986, e vi a farra do caqui que eram as contas das estatais", diz Tadini, que era da Secretaria do Tesouro, no Plano Cruzado, na equipe de Andrea Calabi, Zélia Cardoso, Pedro Parente e Martus Tavares.

Prato de comida

Em 1995, Tadini deixou de trabalhar com privatização como servidor público para atuar nos leilões pela iniciativa privada. Ele virou diretor da Fator Projetos, um braço do banco Fator que avalia o preço ou prepara a venda de estatais. Sua mudança de lado do balcão teve uma razão prática.
"Ninguém me deu uma possibilidade como essa, dos últimos cinco anos, de ser sócio e participar dos resultados da empresa", diz Tadini, que participou de 13 leilões como diretor do Fator. "No passado, corri atrás de prato de comida e depois os caras vêm falar de esforço para mim."

48 telefonemas

Os "caras" a quem Tadini se refere são os críticos da privatização, em particular da venda do Banespa. Nos últimos dois anos, o ex-vizinho de Lula virou um dos alvos prediletos dos adversários da venda do banco paulista. "Ele demonstra publicamente desamor compulsivo à defesa do princípio de soberania nacional", ataca João Piza, advogado do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que questiona a avaliação do preço mínimo do Banespa feita pela Fator.
A Fator Projetos, comandada por Tadini, foi alvo de várias acusações, de manipular o preço mínimo do leilão do banco a conluio com a outra empresa avaliadora, a consultoria norte-americana Booz-Allen.
Num só dia, Tadini chegou a passar sete horas ao telefone, para atender a 48 ligações de jornalistas. Eles queriam respostas para as acusações de economistas da Unicamp e do Dieese de que o Banespa havia sido subavaliado. "A avaliação do Banespa foi de baixa qualidade, tinha
muitos erros, o banco foi subavaliado e o pessoal da Fator fugiu do debate", diz Marcelo Terrazas, um dos economistas do Dieese responsáveis pelo estudo. O estudo do Dieese e da Unicamp renderam à Fator e outros envolvidos na privatização no Banespa uma ação na Justiça movida pelo Ministério Público Federal. Tadini diz estar tranquilo. "O que queriam? Que discutíssemos taxa de retorno e
"spread" num telão na Praça da Sé?", responde, questionando os argumentos que não teria debatido o suficiente os critérios de avaliação do Banespa. "Fizemos tudo o que manda a lei. Esses
questionamentos não têm fundamento. Os maiores atestados que a nossa avaliação estava correta são a aprovação de nossos cálculos pelo Tribunal de Contas da União e o sucesso do leilão."

Abraçar o diabo Tadini é conhecido entre os colegas por ter uma couraça contra as críticas. No livro "Zélia, uma Paixão", a ex-ministra conta como Tadini convenceu outros integrantes da equipe econômica a ficar no governo quando o Plano Collor fazia água. "Se estamos no inferno, temos que abraçar o diabo", disse o economista na época, numa frase que serve de referência para ele até hoje. A equipe econômica decidiu ficar e fez o Plano Collor 2. Para o seu ex-colega na USP, no governo e atual presidente do banco de investimentos do HSBC, Luís Eduardo de Assis, Tadini é o tipo do economista que não nasceu para tratar de discussões teóricas, mas de ações práticas.
"Ele não é um acadêmico, é um executivo para quem se entrega as tarefas difíceis. Se der um problema para resolver, não vai dar dez razões para explicar porque não dá para fazer. Ele vai entregar a mercadoria", diz Assis.

Coleção de crachás Tadini se orgulha de entregar a mercadoria por mais impopular que seja. Em casa e no escritório, ele guarda seis álbuns com recortes de reportagens em que seu nome aparece, além de crachás, chaves de quartos de hotel e canetas usadas nos leilões. Ele se emociona cada vez que mostra os álbuns.
Estão ali desde os registros de nomeações e exonerações em cargos públicos, anotados no Diário Oficial da União, como entrevistas em que aparece defendendo a privatização e a abertura comercial no governo Collor.
"Foram medidas como essa que possibilitaram o sucesso do Plano Real", diz ele. "Qualquer economista que estudar o que ocorreu no Brasil não tirará nosso mérito de ter aberto a economia e iniciado a privatização." Mas mesmo que Tadini não tenha o reconhecimento acadêmico que talvez espere pelas medidas econômicas da época do governo Collor, ele soube tirar proveito da
experiência. Tadini diz que ganhou um grande número de licitações para preparar leilões porque tem muita experiência técnica, herança de seu tempo de governo, e porque oferece preços mais baixos que a concorrência. "Acordo, como e durmo edital de privatização", costuma dizer o economista.

Folha de São Paulo, 26 de novembro de 2000, página B.9.