SANTANDER TEM "ESTILO
FAMILIAR" DE ADMINISTRAÇÃO

Josélia Aguiar

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Presidente do banco espanhol, dono do Banespa, toma decisão rápido e é centralizador; filha deve sucedê-lo

O número um da Plaza de la Lealtad reagiu literalmente com descrédito, na última segunda-feira, à compra do Banespa pelo banco Santander Central Hispano. No edifício que sedia a Bolsa de Madri, a surpresa dos investidores com a portentosa soma oferecida para assumir o controle do Banespa fez as ações do maior banco espanhol despencarem quase 7%. Naquele pregão, ninguém quis apostar no negócio. Mas foi só a primeira impressão. Poucas horas depois, a nova aquisição latino-americana
do BSCH (num negócio de R$ 7,05 bilhões) já fazia a maioria dos investidores se recordar de um episódio recente da história financeira da Espanha. Há seis anos, o banco Santander adquiriu, por meio de um leilão, o Banesto, um banco com sérios problemas de caixa, que havia sofrido intervenção do BC (Banco Central) espanhol. Na época, o Santander pagou um preço bem maior do que o oferecido pelos seus concorrentes e sua decisão foi considerada arriscada. Com a aposta, porém, tornaria-se em pouco tempo o maior banco espanhol. Comprar bancos se tornou, mais do que jogar golfe ou caçar aves na Escócia, o esporte preferido do banqueiro Emilio Botín, co-chairman do BSCH, que surgiu em 1999 depois que o Santander se uniu ao Central Hispano, então o terceiro maior da Espanha. Meses atrás, Botín reconheceu, em uma palestra em Paris, que comprar é a melhor maneira de crescer. Nos últimos anos, seu banco adquiriu, na Europa, participações no francês Société Générale, no italiano San Paolo-IMI, no alemão Commerzbank e no escocês Royal Bank of Scotland (RBS). Na mesma palestra, em Paris, Botín afirmou que a presença na América Latina
era "uma marca que nos diferencia de outros grupos financeiros que também aspiram a se tornar referência internacional". O BSCH já atua em 12 países da América Latina, em alguns como líder.
No dia em que adquiriu o Banespa, ao ser abordado por um grupo de jornalistas, Botín afirmou: "Pagamos pelo Banespa o que vale para nós. Foi uma decisão altamente estratégica. Sei que esse é um lance para poucos".

Decisão de risco

Filho, neto e bisneto de banqueiros, Botín nasceu em 1934, em Santander, norte da Espanha. Depois de estudar economia e direito, entrou, aos 24 anos, para o banco que sua família ajudara a fundar na região, em 1857.
Quase três décadas depois, assumiu a presidência do Santander. Desde então, levou o banco a decisões arriscadas, mas que deram certo -até agora, a única investida considerada infeliz pelo mercado foi a compra, este ano, do portal argentino Patagon. No começo da década, o banco ganhou clientes oferecendo, com sua Supercuenta, remuneração de 11%, quando a maioria dos bancos pagava 1%. Austero, centralizador, direto e rápido nas decisões -assim Botín foi descrito por empresários, analistas e jornalistas especializados ouvidos pela Folha em Madri na última semana. Conta-se que a fusão entre o Santander e o Central Hispano foi decidida por Botín em pouco mais de uma semana. O BBVA, segundo maior banco espanhol, é considerado mais democrático, porém
menos rápido nas decisões do que o BSCH, que, com a compra do Banespa, está agora bem mais à frente do seu rival espanhol na conquista da América. Desde a formação do BSCH, há quase dois anos, Botín divide o comando com o co-chairman Jose María Amusátegui, do antigo Central Hispano. É consenso que o poder dos Botín se diluiu um pouco, mas o estilo da família ainda prevalece. Sindicalistas dizem que o Santander demorava para ceder. O Central Hispano negociava mais. O BSCH, nesse aspecto, é mais parecido com o antigo Santander. Sabe-se que Botín trabalha 14 horas por dia e é pouco afeito à vida social. Só eventualmente fala à imprensa e nunca concede entrevistas exclusivas. É uma tradição familiar. Seu pai, chamado também Emilio Botín, falecido em 93, concedeu apenas cinco entrevistas em seus 90 anos de vida. A última só foi aceita depois que um dos netos o convenceu com o argumento de que serviria como publicidade gratuita. Ganhar dinheiro é uma tarefa da qual os Botín se orgulham. Recentemente, Botín se encontrou com a imprensa para anunciar um programa de financiamento de computadores pessoais. Por engano, um jornal
espanhol publicara que os PCs seriam distribuídos como brinde a clientes. Botín retificou a informação e esclareceu: "Nós não estamos aqui para dar nada, só para vender".
No ano passado, o banqueiro foi considerado o homem mais rico da Espanha, segundo a revista norte-americana "Forbes". Sua fortuna era estimada em US$ 3,4 bilhões. Depois da fusão com o Central Hispano, a riqueza da família se reduziu um pouco -agora é avaliada em US$ 1,4 bilhão. Mesmo assim, ainda continua entre os mais ricos do país.
Em dois anos, Jose María Amusátegui se aposenta e Emilio Botín continuará sozinho à frente do BSCH. Sua saída está marcada para 2007. Na linha de sucessão, o mais forte candidato para assumir a vaga é, na verdade, uma candidata -Ana Patrícia Botín, 40 anos, a mais velha
dos seis filhos de Botín, considerada a preferida do avô e aquela que desde cedo estava predestinada a assumir o banco da família. Educada em Harvard, Ana Botín trabalhou sete anos para
o norte-americano JP Morgan, em Wall Street, maior centro financeiro do mundo, antes de voltar para Madri e entrar para o Santander. Casada e mãe de três filhos, é discreta e tem incompatibilidade com a imprensa, assim como o pai. Foi a primeira mulher com poder de fato em um banco espanhol, ambiente tradicionalmente conservador. Até pouco tempo, era chamada de a "mulher mais poderosa da Espanha". Ana Botín faz parte do conselho de administração do BSCH, mas deixou de ocupar cargos executivos desde 99 -na ocasião, estava na linha de frente e cuidava pessoalmente dos negócios na América Latina. Sua saída ocorreu pouco depois da fusão entre o Santander e
o Central Hispano e a menos de 24 horas da publicação de um amplo perfil seu no jornal "El País" que a apontava como a herdeira da dinastia. A coincidência deixou a impressão de que o BSCH não queria mais ser conhecido como um banco familiar.

Folha de São Paulo, 26 de novembro de 2000, página B.9.