A
economia brasileira encolheu 0,2% no primeiro ano do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, o pior desempenho desde 1992 (quando a
queda havia sido de 0,54%), ano conturbado pelo processo de impeachment
do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
O consumo das famílias, que indica como variou o padrão
de vida da população, caiu 3,3% -a maior baixa desde que
o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) começou
a pesquisar esse dado, em 1990. "O consumo é, basicamente,
determinado por duas variáveis, que são a massa salarial
e a disponibilidade de crédito. A massa salarial reduziu, e o
crédito teve taxas [de juros] elevadas, o que se refletiu na
queda do consumo das famílias", disse Roberto Olinto, gerente
de Contas Nacionais do IBGE.
Com a queda do PIB (Produto Interno Bruto), vale dizer, da riqueza total
produzida pelo país, e com o aumento de 1,3% da população
estimado pelo IBGE, houve uma queda de 1,5% no PIB per capita, que é
a divisão da riqueza total pelo número de habitantes.
Em tese, cada brasileiro ficou 1,5% mais pobre. Essa redução
média será medida em reais no final de março, quando
o IBGE divulgar o PIB em valor, permitindo o cálculo da renda
per capita. Em dez anos (de 1994 a 2003), o PIB per capita cresceu,
em média, 1% ao ano. No período, a média de crescimento
do PIB foi de 2,4%.
Óticas
O IBGE calcula o PIB sob duas óticas: na ótica da demanda,
o consumo das famílias tem peso de 58% e foi decisivo para a
queda global de 2003, ao lado dos investimentos (peso de 19,8%), que
caíram 6,6%, a maior taxa desde 1999. As exportações
de bens e serviços, crescendo 14,2%, evitaram que o impacto fosse
maior.
Sob a ótica da produção, que mede o comportamento
dos setores econômicos, a indústria (peso de 38,3%) apresentou
queda de 1%, os serviços (peso de 59,2%) tiveram recuo de 0,1%,
e a agropecuária (peso de 8,7%) cresceu 5%, salvando por mais
um ano o desempenho econômico do ponto de vista da produção.
Para o IBGE, foi a retração industrial que frustrou as
expectativas de um ano melhor. "A expectativa era de um crescimento
maior no quarto trimestre [subiu 1,5% sobre o terceiro e caiu 0,1% em
relação ao quarto trimestre de 2002]. Esperava-se um crescimento
maior da indústria, o que não aconteceu", disse Olinto.
O volume de impostos sobre a produção e o consumo caiu
1,7%, refletindo, segundo o IBGE, a retração da produção
e do consumo de bens importantes, como automóveis, bebidas e
produtos farmacêuticos e de perfumaria.
O volume de impostos não pode ser confundido com a arrecadação,
que depende de fatores como variação de alíquota
e cobrança de tributos atrasados.
Construção
Tanto do ponto de vista da demanda como do da produção,
o mau desempenho da construção civil foi decisivo para
a retração da economia. A construção, que
pesa 21% na produção industrial, caiu 8,6%, a maior taxa
da série atual do IBGE, sendo a única variável
negativa entre as quatro que formam o conjunto da indústria.
A indústria de transformação, por exemplo, cresceu
0,7%.
Na ótica da demanda, o estrago da construção aparece
nos investimentos. Embora as compras de máquinas e equipamentos
tenham caído 1,6%, foram os investimentos em construção
civil, com recuo de 10,4%, que empurraram os investimentos totais para
uma queda de 6,6%. Aqui, segundo Olinto, também tem papel importante
a retração da renda e do crédito.
Paranóia
"É preciso que o governo deixe de ser tão paranóico
com a inflação", disse o economista Fernando Pinto
Ferreira, diretor da Global Invest, consultoria que já em novembro
do ano passado previu que o PIB de 2003 cairia 0,2%.
Segundo Ferreira, o Brasil vem há dez anos crescendo abaixo da
média mundial por causa, basicamente, de uma política
monetária (juros) equivocada. "Contra fatos não há
argumentos", afirmou.
Ele disse ainda que, devido à "timidez" do Banco Central
com a taxa de juros, a consultoria já reduziu sua previsão
de crescimento neste ano de 4,1% para 3,7% e vai revê-la de novo
para menos.
Para o economista Paulo Levy, diretor de Estudos Macroeconômicos
do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), "o resultado
em si não surpreende", apesar de o instituto (órgão
do Ministério do Planejamento) ter previsto inicialmente um crescimento
de 0,2% em 2003.
Segundo Levy, os números do último trimestre de 2003 apontam
"perspectivas favoráveis" para 2004, apesar de eventuais
choques de origem inflacionária ou política (caso Waldomiro
Diniz).
Mas os dados semestrais do IBGE não são favoráveis
às perspectivas de recuperação. Segundo o órgão,
no primeiro semestre do ano passado o PIB cresceu 0,4% em relação
ao mesmo período de 2002. Já no segundo, quando o presidente
Lula disse que o país estaria vivendo o "espetáculo
do crescimento", houve queda de 0,8%, sempre comparando com o mesmo
período do ano anterior. O IBGE não calcula o PIB semestral
em relação ao semestre imediatamente anterior. |