O
acompanhamento da economia pode ser feito de três maneiras distintas:
a primeira usa a ideologia como seu grande norte, ficando tudo mais
condicionado a dogmas e princípios estabelecidos a priori;
a outra alternativa utiliza indicadores econômicos passados como
"inputs" digitais de sofisticados modelos estatísticos
e, por meio destes, procura prever o futuro.
Uma terceira escola entende que a dinâmica econômica é
afetada também por fenômenos de natureza social e histórica.
Seu entendimento passa por uma reflexão analítica, feita
a partir de conceitos teóricos e utilizando técnicas de
análise quantitativa como um instrumento auxiliar do fenômeno
econômico. Essas reflexões são importantes para
que o leitor possa compreender o debate atual sobre a questão
da inflação e os caminhos que devem ser seguidos pelo
Banco Central para
controlá-la. Para uma ala radical da alternativa ideológica,
o Banco Central deve continuar a elevar os juros, até que o estoque
de moeda que existe na economia passe a ter um crescimento da ordem
de 6% ao ano. Para esses iluminados, a inflação é
uma questão essencialmente monetária, e a aceleração
verificada a partir de meados de 2002 ocorreu porque o BC acomodou o
choque de preços gerado pela desvalorização do
real. Como o estoque de moeda ainda está crescendo a taxas muito
elevadas, o Copom precisa continuar o processo de elevação
de juros por mais algum tempo.
Já para o grupo dos quantitativos assumidos, responsáveis
pela implantação do modelo estatístico de previsão
da inflação que orienta o sistema de metas, a questão
é ainda mais simples.
Enquanto seu modelo indicar uma inflação acima da meta
de 8,5% para 2003, o Banco Central deve continuar a aumentar os juros.
Tudo mais é perda de energia e de tempo. Mas vamos esquecer esses
radicais do pensamento econômico e procurar entender com mais
humildade o que se passa no campo da inflação neste momento.
Para tanto, vou utilizar dois instrumentos distintos de análise:
o primeiro procura entender a inflação a partir do que
se passa no mercado de bens e serviços; o segundo é uma
pesquisa micro, ao nível dos principais componentes dos índices
de preços ao consumidor, realizada pelo economista Alfredo Barbuti,
da Quest Investimentos.
O pensamento keynesiano, que foi sempre o meu caminho para entender
o funcionamento de uma economia de mercado como a nossa, é muito
rico em situações como a que vivemos hoje. Há
algumas semanas refletimos juntos neste espaço sobre as pressões
inflacionárias causadas pela desvalorização acelerada
do real, do aumento dos preços das commodities agrícolas
que exportamos e dos derivados de petróleo. Hoje, atualizo esse
cenário, em razão da nova realidade de nossa balança
de pagamentos e da provável redução dos preços
dos derivados de petróleo com o fim da guerra
no Iraque. O ajuste em nosso comércio exterior reduziu de maneira
expressiva nosso déficit em conta corrente. Por esse motivo podemos
trabalhar com um cenário de estabilidade do valor do dólar
nos próximos meses. Isso é importante para a inflação,
à medida que retira um componente agressivo do processo recente
de aumento dos preços. Podemos dizer o mesmo em relação
às cotações do petróleo nos mercados internacionais.
Estabilizado o front externo, podemos nos voltar para a dinâmica
interna dos mercados de bens e serviços. A fragilidade da demanda,
em razão da queda do valor real dos salários e da manutenção
de elevados níveis de desemprego, continua a limitar o processo
de aumentos de preços. Mesmo a ação pontual da
Força Sindical, em sua tentativa de obter um aumento salarial
de emergência, não deve alterar esta situação.
O Dieese revelou recentemente que em mais de 45% dos dissídios
coletivos os trabalhadores não conseguiram nem mesmo a correção
dos salários pela inflação passada.
Apelo agora para o trabalho de Barbuti em seu monitoramento diário
dos preços de uma gama imensa de bens e serviços. Ele
tem revelado um otimismo crescente quanto ao comportamento da inflação
nos próximos meses. Usando suas projeções e estimativas,
podemos construir um cenário em que, mantida a taxa Selic de
hoje, os juros reais vão crescer de maneira importante a partir
da segunda metade do ano. Assumindo certas hipóteses realistas
que aparecem do trabalho da Quest, o juro real pode ser superior a 15%
ao ano no último trimestre de 2003. Isso faz sentido?
Luiz Carlos
Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é
sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo
FHC).
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