BOMBARDEIO CEGO SOBRE AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Gesner Oliveira

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O governo tem promovido um bombardeio nada cirúrgico contra as agências reguladoras dos setores de infra-estrutura em um momento em que seria necessário sinalizar precisamente o contrário: estabilidade de regras e autonomia dos órgãos técnicos relativamente às instâncias políticas.
Os ataques em várias frentes não parecem constituir um conjunto coerente. O ministro Miro Teixeira (Comunicações) anunciou publicamente sua preocupação com a baixa competição na telefonia
local e culpou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) por esse fato, ao mesmo tempo em que criou uma secretaria -mais uma- com o objetivo de fiscalizar a agência. Na mesma semana, contudo, e em contraste com a disposição de criar novos órgãos e ministérios, o governo federal cortou drasticamente os recursos humanos e materiais do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão encarregado precisamente de combater abusos de monopólios e que deve
interagir com reguladores como a Anatel. É no mínimo curioso que o ataque mais veemente ocorra no
segmento de telecomunicações, no qual comprovadamente os resultados foram superiores aos demais segmentos de infra-estrutura. Embora a Anatel esteja distante daquilo que poderia ser considerado uma agência ideal, trata-se de um dos reguladores mais bem-sucedidos entre os países em desenvolvimento, que deveria ser fortalecido, e não exorcizado, pela própria autoridade do Executivo. A deputada Telma de Souza (PT-SP), por sua vez, apresentou projeto de lei que reúne em poucos artigos tudo aquilo que a teoria e a prática mundiais recomenda que não deve ser feito em matéria de regulação. O documento contém proposta abrangente de redução do poder das agências reguladoras em favor da tradicional centralização do poder nos ministérios setoriais -que rendeu lamentável loteamento político no passado. Destacam-se quatro pontos. Primeiro, a necessidade de aprovação pelo Ministério de Minas e Energia de cálculos de preço de acesso aos sistemas de distribuição. Segundo, a reintrodução da subordinação hierárquica das agências aos ministérios. Terceiro, a redução do mandato dos dirigentes da Anatel. Por fim, a possibilidade de exoneração dos diretores de agências pelo presidente da República. Não é difícil perceber que o projeto caminha em direção diametralmente oposta àquela da política macroeconômica com a qual o governo federal se comprometeu. Não é razoável jogar de uma maneira na política monetária e de outra, completamente distinta, na área regulatória. Se a preocupação é mudar, não falta trabalho. Há um caminho alternativo que o PT poderá seguir sem promover um retrocesso e sem deixar de fazer mudanças no sentido de corrigir lacunas do marco regulatório criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Uma agenda positiva deveria conter três pontos. Primeiro, a recuperação da função de planejamento e fomento por parte dos ministérios setoriais sem prejuízo da independência das agências para fiscalizar as relações de mercado. Segundo, a delimitação clara de competências entre as diferentes agências de forma a dar mais celeridade e segurança ao processo de decisão. Por fim, o aprofundamento dos mecanismos de transparência como relatórios periódicos ao Congresso e sessões públicas de julgamento,
permitindo maior controle por parte da sociedade.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
www.gesneroliveira.com.br e-mail - gesner@fgvsp.br

 Folha de São Paulo, 29 de março de 2003, p. B4



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