PREOCUPAÇÕES E FALSAS EXPECTATIVAS

José Roberto Mendonça de Barros

É preocupante uma situação que vem se repetindo na agricultura, um dos poucos setores da economia brasileira que ainda conseguem manter um vigor impressionante: medidas provisórias ou leis que existem e que são reconhecidas pelo governo simplesmente não são respeitadas pelo mesmo. É a velha história das leis que não são aplicadas. Refiro-me aos casos da proibição de desapropriação de terras invadidas e da soja transgênica.
No caso das terras invadidas, a posição do governo é lamentável. Quando se reúnem com proprietários ou quando deparam com um caso de maior violência por parte de invasores (como em Pernambuco), as autoridades garantem o cumprimento da lei. A partir de então nada se faz, o que leva o MST e similares a elevarem a temperatura e a ousadia das novas ações. Problemas mais graves certamente virão. A Lei dos Transgênicos á surrealista. Ela confirma a proibição de seu plantio, o que agrada os ambientalistas, mas legaliza a comercialização da atual safra. Tradução: fica legalmente permitido violar por um momento a lei; uma solução semelhante à encontrada no caso da publicidade do fumo e da corrida de Fórmula 1 deste ano. Pior, pela versão original (que felizmente está sendo revista), o agricultor que plantou soja que não é transgênica teria de pagar pelos testes que comprovam a natureza de seu produto e que ele cumpriu a lei!
Mais do que isso, a soja transgênica pode ser comercializada desde que o rótulo evidencie a sua qualificação, algo que tem sido sonoramente ignorado por quase todos. Ou seja, a lei que autoriza o descumprimento da lei está sendo completamente descumprida! Como consequência, muitos agricultores que têm plantado soja modificada estão guardando sementes para utilizar no próximo plantio, quando certamente tudo ficará ainda mais complicado. A ação do Executivo no setor agrícola é condenável por outro aspecto: a criação de expectativas irrealistas que simplesmente não serão atendidas. É o caso, por exemplo, dos assentamentos rurais. Estes têm um papel importante a cumprir em termos de redução da pobreza, geração de renda familiar decente, melhor distribuição de renda e manutenção da ocupação na área rural. Mas associar esse tipo de produção à melhora da oferta global da agricultura brasileira é algo totalmente descabido.
A produção agrícola cresce por sua grande dimensão e também por sistemas de integração (como no caso de frangos, suínos, fumo, frutas, flores etc.), nos quais a agricultura familiar tem importância elevada. Assentamentos rurais alteram apenas marginalmente as taxas de expansão da produção agrícola -basta pensar que não mais do que 1 em cada 3 assentados produz algum excedente; se cada assentado bem-sucedido conseguir produzir um excedente de 60 sacos de grãos, após o consumo e a retenção de sementes, a oferta de grãos subirá menos que 1% para cada milhão de novos proprietários, número difícil de ser atingido. Estão sendo aguardadas duas novidades na área de crédito que afetarão o setor agrícola. São elas o estímulo às cooperativas e a redução do percentual das aplicações obrigatórias dos bancos em áreas como habitação e agricultura. O estímulo às cooperativas de crédito é certamente bem-vindo. Entretanto, dado seu tamanho modesto, indispensável à manutenção de baixo custo, e a cautela necessária para operá-lo, parece temerário acreditar que por aí virá um aumento significativo da oferta de crédito. Mesmo num país com uma relação crédito/PIB tão baixa, é ilusão achar que as cooperativas afetarão significativamente oferta e custo dos empréstimos.
Além disso, fica clara a completa falta de proporção (de milhões contra bilhões de reais) quando se compara a expansão do crédito via cooperativas a uma eventual redução na obrigatoriedade de os bancos destinarem à agricultura parte de seus depósitos. É útil lembrar que essa redução já foi feita no passado, com imperceptíveis impactos no mercado de crédito. Não existe melhor aplicação para um depósito à vista que carregar um título do Tesouro, com risco nulo e retorno de 26% ao ano. Portanto a redução eventual da exigência de aplicação na agricultura apenas implicará o crescimento da carteira própria de títulos públicos dos bancos.
A trajetória do setor agrícola tem sido notável e cantada em prosa e verso. Logo, é importante refletir se bloqueios à pesquisa (como no caso dos transgênicos), ameaças de redução do crédito ao setor e o descaso com a manutenção e expansão da infra-estrutura não terminarão por reduzir seu desempenho.

José Roberto Mendonça de Barros, 59, economista, é professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da USP e sócio-diretor da MB Associados.




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