O BOM E O RUIM NA ECONOMIA EM 2000



 

 LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Impossível deixar de fazer, nestes últimos dias do ano, uma reflexão sobre o que de bom e de ruim aconteceu na economia brasileira em 2000. Em qualquer circunstância, a história é uma fonte riquíssima de ensinamentos. Mas, para as questões econômicas, ela é absolutamente fundamental. Os grandes erros de política econômica acontecem quando seus responsáveis esquecem de olhar para trás e passam a acreditar apenas em suas convicções e teorias.
A economia é talvez a mais presunçosa de todas as ciências sociais. O desenvolvimento de seu arcabouço teórico ao longo dos anos levou muitos economistas a esquecer que os mercados são formados por pessoas e, portanto, sujeitos a reações humanas na sua dimensão mais ampla. Dou um exemplo recente, muito forte, para trazer o leitor a essa realidade. Vários economistas têm dito que a solução para a crise atual da Argentina é muito simples: basta reduzir os salários dos trabalhadores em 20%, e a economia desse triste país voltará a crescer. Só falta convencer os prejudicados. Sugeriria a esses iluminados uma pequena visita aos momentos da história humana em que isso aconteceu.
Felizmente para nós, mortais, mesmo os economistas mais jovens amadurecem com o tempo. Desculpem-me a falta de modéstia, mas sou especialista nesse assunto. Em 1985, quando fui diretor do Banco Central no governo Sarney, conheci três pessoas fundamentais para meu amadurecimento profissional. Foram eles os então jovens economistas Pérsio Arida e André Lara Resende e o professor João Manuel Cardoso de Mello. Nossa relação conflituosa e amigável durante a gestão do Plano Cruzado foi uma experiência maravilhosa para quem, como eu, não tinha o brilhantismo teórico dos dois economistas da PUC do Rio nem a visão histórica do professor da Unicamp.
Acreditando nas lições da história como metodologia, considero que os dois eventos de natureza econômica mais importantes de 2000 foram o comportamento do brasileiro em relação à inflação e a nova visão da sociedade em relação à chamada responsabilidade fiscal dos governantes. O Plano de Estabilização do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Real, foi submetido neste ano a um teste definitivo. Por pura barbeiragem do governo, tivemos um segundo choque importante de preços na economia -o primeiro tinha sido a desvalorização do real em 1999. A inflação voltou a subir por efeitos sazonais da seca nos preços dos alimentos e da correção de alguns preços públicos indexados à inflação passada e pelo aumento do preço dos combustíveis.
Nesse momento, houve uma verdadeira crise histérica por parte de vários ministros importantes, que vieram a público ameaçando usar um arsenal de medidas-limites caso a inflação disparasse. O cidadão consumidor assistiu a tudo com a tranquilidade dos justos. A inflação teve um repique por alguns meses e voltou a seu leito normal nos últimos meses do ano. Nenhuma corrida histérica ao consumo, nenhuma reivindicação oportunista dos sindicatos para aumento de salários. Evidente sinal de maturidade de uma sociedade que, depois de mais de 15 anos de inflação acelerada, reconhece que, sem estabilidade da moeda, não há futuro.
A segunda mensagem fundamental que os brasileiros mandaram neste ano às lideranças políticas, no governo e na oposição, foi que entendem e aceitam a necessidade, para que a estabilidade monetária continue, de um equilíbrio nos orçamentos públicos. Melhor exemplo desse novo entendimento foi o fracasso de uma revoada de prefeitos a Brasília para tentar mudar o texto da Lei de Responsabilidade Fiscal. A percepção de deputados e senadores de que seus eleitores queriam o fim da bagunça nos gastos das prefeituras foi mais forte que o espírito de corpo entre políticos que alternam mandatos federais e municipais em suas cidades. É por opção do povo que o Brasil termina 2000 com uma legislação orçamentária mais moderna e que permite um grande otimismo sobre a estabilização estrutural de nossa situação fiscal.
Lições fundamentais de comportamento que precisam ser lidas com sabedoria pelo governo e pela oposição. Do lado do governo, ele precisa entender que pode ser um pouco mais ousado, ou menos covarde, para usar uma palavra mais forte, na condução da política econômica. Já a oposição deve reconhecer que tem de se preparar para administrar uma economia de mercado, que é a cara do brasileiro nesta virada de milênio. Nada de aventuras propostas por seus economistas que seguem um fundamentalismo econômico tão retrógrado e pernicioso como o de nossos liberais extremados.
Do lado negativo, gostaria de citar duas lições que 2000 nos deixa. Primeiro, é que mais uma vez a política econômica do governo foi definida em função do caixa. A administração da economia de um país deve equilibrar, com sabedoria e coragem, questões conjunturais com medidas estruturais de importância em um horizonte de tempo mais longo. O governo não fez isso, empurrando com a barriga reformas importantes, como a tributária, por medo de enfrentar pressões sobre sua arrecadação. Os mercados brasileiros mais importantes continuam sujeitos a uma institucionalidade de economia fechada que tivemos por várias décadas. Como disse o economista Pérsio Arida em recente entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o governo precisa tomar a iniciativa de uma série de reformas microeconômicas que façam com que nossos mercados possam funcionar com racionalidade econômica e eficiência.
A mais clara demonstração dessa orientação pelo caixa, como nos velhos armazéns do português da esquina, é o relatório divulgado pela Receita Federal sobre a renúncia fiscal no Brasil. Um texto lamentável do ponto de vista técnico e que tem como único objetivo criar na opinião pública a idéia de que a nossa sociedade é movida a subsídio público, tanto na economia como na ação social.
O segundo ponto negativo que gostaria de ressaltar é que o Brasil termina 2000 ainda muito vulnerável nas suas relações financeiras com o exterior. Apesar de termos reduzido um pouco o nosso déficit em conta corrente, quando considerada a rolagem anual da dívida externa, a necessidade de captação de recursos nos mercados internacionais de crédito ainda é muito grande. E quem diz isso também é o Fundo Monetário Internacional, que não corre o risco, como eu, de ser considerado pirado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan.
Mas, apesar de tudo, o ano que se encerra foi positivo para a nossa economia. Dependemos agora de fatores externos, principalmente nos Estados Unidos, a fim de que 2001 sirva para consolidar ainda mais uma economia estável, em busca de uma eficiência sistêmica que garanta um período mais longo de prosperidade para a sociedade brasileira.

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Folha de São Paulo, 29 de dezembro de 2000