EMPREGOS: SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS GANHA ADEPTOS

Renato Essenfelder

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SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS - Nova "filtragem" cobra mais do que técnica
Que é importante ter um bom currículo, recheado com as melhores faculdades e cursos, aliado a virtudes pessoais, como liderança e flexibilidade, a maioria dos candidatos a emprego já sabe. A diferença que um novo método de recursos humanos está adotando é justamente na hora de mensurar essas capacidades. A chamada seleção por competências, nova "onda" do RH nacional, persegue o mérito de trazer métodos objetivos para medir de fato quem é líder, quem é ousado, quem é criativo e quem é flexível entre centenas de candidatos.
Trocando em miúdos, esse tipo de seleção avalia, por meio de testes psicológicos, questionários, entrevistas pessoais e dinâmicas de grupo, características invisíveis do profissional -aquelas que não aparecem no currículo e que, muitas vezes, nem a própria pessoa sabe que possui. "O método compara o indivíduo a um iceberg.
O conhecimento dele é a ponta visível, as habilidades aparecem no nível intermediário, e as motivações ficam lá embaixo. São aspectos que se formam na infância, como o caráter e o comportamento", conta a supervisora de recursos humanos da Unimed, Rosana Baloti. Perfil ideal Na prática, funciona assim: quando um cargo fica vago na empresa, consultores identificam o perfil ideal de pessoa para ocupar aquele posto.
Definem, portanto, se o profissional deve ser sociável, criativo, líder nato, carismático, flexível, "mandão", resistente a pressões ou outras coisas. Estabelecida a meta, o RH elabora testes específicos para medir tais competências e passa a procurá-las nos candidatos à vaga. "É a nova tendência dos processos de recrutamento e seleção", constata a consultora Carla Fabiana dos Santos, do Grupo Catho. "Antes, se o profissional fosse competente tecnicamente, já possuía os requisitos necessários para encontrar um bom emprego.
No mercado de trabalho de hoje, profissionais de todos os níveis têm sido demitidos porque não possuem comportamento que se ajuste à empresa", completa. A gerente regional da consultoria Adecco, Adriana Andrade, lembra ainda que não é só a seleção que está sendo feita com base em competências. O recurso está sendo também usado "para checar se os funcionários estão aptos para promoção, aumento salarial e remanejamento de cargo".
Para quem pensa que esse é só mais um modismo de RH, o presidente da Manager, Ricardo de Almeida Xavier, contrapõe: "Nem toda moda é modismo. A percepção de que as competências contam muito surgiu nos últimos tempos, quando as empresas passaram a enfrentar novos desafios, e deverá ser incorporada". Ou seja, "veio para ficar".

Técnica surgiu de militares na Segunda Guerra
Em tempos de guerra no Iraque, é no mínimo curioso constatar que a nova estratégia das empresas para selecionar profissionais aqui no Brasil foi baseada em técnicas militares para a formação de pelotões de elite. Apesar de ter virado "febre" há menos de um ano no Brasil, o recurso surgiu após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando capitães norte-americanos se perguntaram por que certos grupos de soldados voltavam com sucesso de missões quase impossíveis, enquanto outros fracassavam em tarefas mais simples.
Físicos, psicólogos, psiquiatras e médicos em geral foram convocados para responder à questão e proporcionar a criação de "pelotões perfeitos". Daí surgiu a seleção por competências. Eles chegaram à conclusão de que uma boa equipe deveria ser bem balanceada no nível comportamental.

Experiência passada é a chave de teste
Descobrir atributos que nem mesmo o próprio candidato conhece em si não é tarefa fácil para os examinadores de uma seleção por competências. Para auxiliá-los, existem baterias de testes psicológicos, como Wartegg, PI e exames grafológicos, dinâmicas de grupo específicas e outros.
O recurso mais simples e mais utilizado, contudo, ainda é a entrevista olho no olho. A diferença é que os recrutadores procuram examinar o passado dos candidatos para descobrir, com base em atitudes anteriores, como eles costumam se comportar.
Perguntas comuns em uma seleção por competências que busque "criatividade" nos candidatos, por exemplo, são: "Fale sobre uma situação imprevista que você já teve de administrar" e "cite uma situação em que você teve de solucionar um problema sem ter muitos recursos à mão".
Outras questões procuram "iniciativa": "Relate alguma mudança que você planejou implementar no seu trabalho, mas não obteve permissão da chefia" ou "descreva uma situação em que você assumiu a responsabilidade por uma tarefa que não fazia parte de suas atribuições normais".
A consultora Alessandra Luchini Perez, da Career Center, diz que o selecionador usa essas questões para "encontrar as motivações, as reações e os comportamentos [do candidato] diante de situações ou decisões críticas". "Esse tipo de seleção parte do princípio de que a melhor maneira de prever o comportamento futuro é conhecer o comportamento passado."
Frederico Eigenheer, da consultoria de recursos humanos Eigenheer, completa que "o objetivo dessa abordagem é somar os resultados já atingidos pelo profissional [passado] com o potencial dele [futuro] para obter uma equação de avaliação permanente de seu desempenho".

Estratégia é mais utilizada para as vagas executivas
Nem todos os cargos justificam a mão-de-obra necessária para elaborar uma seleção por competências. Em alguns casos, basta que o profissional detenha conhecimentos técnicos afiados para que a função seja bem exercida.
É assim com telefonistas, secretárias e técnicos de informática, por exemplo. Embora seja interessante alocar pessoas sociáveis, divertidas, ousadas ou criativas para tais cargos, esse tipo de posto é normalmente preenchido por meio da tradicional análise de currículo seguida por entrevista.
No caso das funções consideradas estratégicas em uma organização, a história muda de figura. "Quanto mais os cargos crescem na pirâmide hierárquica, mais nós precisamos daquela parte submersa das pessoas [os detalhes comportamentais]", conta a supervisora de RH da Unimed, Rosana Baloti.
A empresa adota a seleção por competências desde agosto de 2002 para executivos. A gerente de uma unidade da rede George V de flats residenciais Patrícia Amaral de Oliveira, 29, elogia o método. Submetida a uma entrevista por competências há um mês, foi contratada por se encaixar no perfil procurado nos profissionais do mesmo escalão. "Para mim foi tudo um pouco novo, pois desde 1996 não participava de processos seletivos", conta. "Mapeamos o perfil da vaga e o do candidato. Fica melhor para nós e para o funcionário", diz o diretor da rede, Roberto Pereira.
Competência jovem Quem está iniciando a carreira não está livre, contudo, da possibilidade de se deparar com uma análise de virtudes pela frente. Segundo a consultora do Grupo Foco Carolina Amaral, às vezes o método é até mais interessante de ser utilizado nos mais jovens. "No caso da seleção de estagiários e de trainees, por exemplo, valorizam-se mais as competências, já que a experiência profissional será construída posteriormente."
Foi o caso de Hyun Jung Cho, 25, que já passou por dois exames de estágio segundo o novo modelo. "Faz toda a diferença conversar com uma psicóloga", avalia.

"Trapaceiros" são desmascarados pelo nervosismo
A tentação de inventar histórias na hora em que o entrevistador pergunta sobre situações em que o candidato conseguiu superar seus limites ou resolver problemas de terceiros é grande, porém não engana consultores.
O motivo é simples. À medida que o entrevistador vai exigindo riqueza de detalhes nas respostas e repassando várias vezes cada ponto da questão, o candidato - já naturalmente nervoso com o encontro cara a cara - geralmente acaba se traindo. "Dá para perceber se a pessoa está inventando, seja pelo tom de voz, seja pelo jeito de falar", reconhece a estagiária de psicologia Carolina Carioba, 23, que já passou por seleção por competências. "Não basta dizer "eu sou esforçado", o examinador quer situações, exemplos, histórias", completa.
Caroline Pereira, 18, candidata a recepcionista da Ajinomoto, também foi submetida à sabatina. "Perguntaram tudo, experiências profissionais e pessoais."

Superficialidade pode ser ponto fraco
Bom, mas longe de ser perfeito. É assim que muitos consultores avaliam o método de seleção por competências. Segundo eles, se a empresa errar ao definir o perfil da vaga em aberto, ou então se o entrevistador não tiver sensibilidade para avaliar as características interiores do candidato, tudo pode ir por água abaixo. "É necessário ter bom senso antes de qualquer coisa. Vejo empresas complicarem os processos de contratação e se preocuparem pouco com o desenvolvimento de talentos internos, planos de carreira e motivação, por exemplo", diz o consultor Francisco Britto, da BW Gestão de Talentos.
De acordo com ele, o afã de realizar essas seleções pode provocar superficialidade nas análises. "Chega a parecer uma previsão de horóscopo no jornal, ou seja, genérica e superficial", opina. Para o presidente da Manager, Ricardo de Almeida Xavier, o risco reside no excesso de subjetivismo, o que atrapalha "a identificação criteriosa e a avaliação profissional adequada dos perfis".
Carolina Amaral, do Grupo Foco, complementa que "esse tipo de seleção é prejudicial se as competências não estiverem bem definidas pela empresa ou se as perguntas forem mal elaboradas".

CAÇA ÀS COMPETÊNCIAS
Veja algumas das virtudes comportamentais mais comuns procuradas pelos recrutadores nos candidatos

Liderança - A pessoa é naturalmente capaz de gerenciar equipes, identificando quem deve ocupar qual posição, cobrando resultados rápidos, direcionando esforços para objetivos definidos

Inter-relacionamento - É a capacidade de promover debates voltados à resolução de conflitos, de levar em conta vários pontos de vista ao mesmo tempo e de se portar bem em diferentes situações sociais

Orientação para resutados - As empresas não querem saber de gênios ou de filósofos se eles não possuem essa competência, que é a de transformar em cifras o que estava apenas no papel

Iniciativa - Mãos à obra. A velha máxima do "não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje" é o coração dessa habilidade, que representa também a capacidade de correr riscos

Foco no cliente - Para o funcionário com esse dom, o cliente não é só aquele que "tem razão", mas também o centro da vida profissional. Aqui, os processos da empresa são pensados sob a ótica do consumidor

Criatividade - Chega do mesmo. Em um ambiente de alta competitividade, saber diferenciar determinado produto ou serviço é fundamental. A idéia é ser inovador

Atuação estratégica - Em tempos de paz ou de guerra, esses "generais" são preciosos para as empresas. Eles tem visão de conjunto e pensam longe. O objetivo é garantir lucros seguros no futuro

Capacidade de decisão - "E agora, o que que eu faço com isso? "Quem pensa assim, não sabe o que fazer ou como fazer, carece de capacidade de decisão. O importante nessa competência é agir rapidamente

 Folha de São Paulo, 30 de março de 2003, p. E8.



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