Quase todos os dias,
descobrimos outro executivo chefe cobiçoso nos Estados Unidos,
alguém que conspirou com contadores, advogados e banqueiros para
fraudar o público investidor.
Mas, para além dos escândalos, o público deveria
se conscientizar mais sobre a natureza errática dos mercados
financeiros atuais. As taxas de câmbio e os preços dos
mercados de ações apresentam
desvios enormes quanto aos valores de longo prazo em termos de fundamentos,
o que pode causar deslocamentos sérios na economia real -que
envolve empregos, produção e investimento.
E no entanto os analistas financeiros que discutem essas tendências
na imprensa não as vêm avaliando de maneira realista.
Tomem por exemplo o caso do dólar dos Estados Unidos, cujo valor
diante do euro está agora despencando. Da metade dos anos 90
até recentemente, o dólar manteve alta vigorosa diante
das moedas européias em geral. Quando o euro foi lançado,
em janeiro de 1999, era negociado a US$ 1,17. Depois, perdeu valor constantemente
e atingiu a cotação mínima de 83 centavos de
dólar, antes de voltar, nas últimas semanas, praticamente
à paridade com a moeda norte-americana.
Para os economistas acadêmicos, a recente ascensão do euro
não constitui surpresa. As taxas de câmbio das moedas têm
a tendência de retornar às suas médias de longo
prazo, depois de
desvios consideráveis. Assim, a enorme força do dólar
nos últimos anos implicava uma reversão, um dia. Essa
reversão está em curso.
Evidentemente, se duas economias têm índices de inflação
persistentemente diferentes, a taxa de câmbio entre suas moedas
não tenderá a retornar ao seu nível histórico.
Mas os índices de
inflação nos Estados Unidos e na Europa vêm sendo
semelhantes.
É também possível que a taxa de câmbio não
retorne à sua média de longo curso se uma economia for
atingida por uma grande mudança estrutural. Mas essas mudanças
ocorrem com menos
frequência do que as pessoas costumam supor ou alegar. O passado,
se interpretado cuidadosamente, continua portanto a ser um bom guia
para o futuro.
No entanto, quando ouvimos os especialistas em finanças, muitas
vezes parece que a história já não importa. Quando
o dólar começou a subir diante do euro depois de 1999,
os analistas de
investimentos surgiram com uma explicação depois da outra
para explicar que a tendência continuaria.
Eles elogiaram o vigor da economia dos EUA, criticaram a suposta debilidade
da economia européia e alegaram que o euro estava sendo mal administrado.
Para resumir, eles exageraram na
interpretação de movimentos de mercado de curto prazo,
retratando-os como se fossem tendências de prazo mais longo. Infelizmente,
os analistas financeiros quase sempre têm treinamento deficiente
em economia. O trabalho deles é dizer algo inteligente diante
das câmeras de televisão. Eles não trabalham com
os fundamentos, mas com as últimas fofocas e manias.
Evidentemente, se essas manias forem comuns e não durarem, um
investidor inteligente pode lucrar com elas, digamos vendendo dólares
a descoberto nos últimos meses.
Mercados irracionais
Há investidores que se saem bem dessas operações,
mas elas são mais difíceis do que parece. Como advertiu
o economista britânico John Maynard Keynes 75 anos atrás,
"os mercados
podem se manter irracionais por mais tempo do que você consegue
se manter solvente". Em outras palavras, mesmo que você saiba
que o dólar um dia cairá, pode falir antes que prove
que está certo. Basta que as pessoas continuem a acreditar que
o dólar subirá.
Assim, é mais seguro acompanhar a multidão, mesmo que
você acredite que ela está correndo na direção
errada. Pela mesma razão, Keynes comparou o mercado de ações
a um concurso de
beleza em que cada juiz julga não a mais bela concorrente de
acordo com sua opinião, mas de acordo com o que ele considera
que os demais juízes escolherão.
De fato, quando os preços das ações norte-americanas
atingiram patamares astronômicos no final dos anos 90, os especialistas
e os banqueiros de investimento ofereceram uma miríade de explicações
e teorias tolas. Sabemos agora que algumas dessas explicações
eram fraudulentas.
Muitas corretoras tentavam elevar os honorários que os bancos
de investimentos a que estão ligadas faturavam junto a empresas
cujas ações elas empurravam para um público inocente.
Mas em
termos mais gerais, os especialistas simplesmente acompanham a multidão.
À medida que os preços das ações disparavam,
eles inventavam teorias para justificar a alta. Uma análise mais
profunda lhes teria informado, em lugar disso, que a alta seria curta.
Alguns poucos analistas acertaram. O economista Robert Schiller, de
Yale, explicou com clareza por que os preços das ações
norte-americanas cairiam. Martin Wolf, do "Financial Times",
conquistou distinção ao alertar, corretamente, que os
mercados de ações norte-americanos terminariam voltando
para níveis mais
históricos.
Mas os custos econômicos reais impostos pela mentalidade de rebanho
foram elevados. O boom exagerado nas ações norte-americanas
causou excesso de investimento nos EUA e uma
recessão no país quando a bolha do mercado estourou. O
vigor do dólar, da mesma maneira, distorceu as decisões
de investimento, e a mesma espécie de oscilação
exagerada das taxas de câmbio nos mercados emergentes contribuiu
para os ciclos de expansão e compressão na Ásia
e na América Latina durante os últimos cinco anos.
Assim, o que deveria ser feito? É evidente que os principais
bancos de investimento deveriam se tornar mais sérios quanto
ao treinamento e licenciamento de seus analistas, a fim de prover conhecimento
em lugar de asneiras, nos pronunciamentos públicos deles. A imprensa
responsável deveria averiguar as tendências econômicas
com espírito mais crítico, em lugar de ceder à
opinião
de massa. E os economistas acadêmicos deveriam demonstrar mais
firmeza na explicação de como os preços dos mercados
financeiros refletem os valores econômicos fundamentais, mesmo
que isso não seja necessariamente verdadeiro no curto prazo.
Por fim, regulamentação mais severa dos mercados financeiros
talvez pudesse retardar parte dos fluxos de dinheiro quente que
exageram as contrações e as expansões. Infelizmente,
Keynes enfatizou essas mesmas deficiências muito tempo atrás,
de modo que não devemos esperar mudanças miraculosas de
comportamento agora. Investidor, acautele-se!
O mundo em transe
Crises atingem todas as regiões
Nos EUA
Às dúvidas sobre a recuperação econômica
do país junta-se agora mais um escândalo financeiro. Apesar
de abalar inicialmente os papéis das empresas de telecomunicações,
a queda da WorldCom põe em xeque a visão de que os ajustes
nas Bolsas de Valores já tenha ocorrido. Para parte dos observadores
da economia norte-americana, o valor das ações precisa
cair mais para se ajustar à realidade das empresas. Uma queda
ainda maior das ações deixará os consumidores norte-americanos
"mais pobres", levantará dúvidas sobre a solidez
das empresas e bancos e poderá dificultar ainda mais a recuperação
econômica.
Na Europa
Também atingidos pela onda de quedas das ações
de empresas de telecomunicações, os países europeus
continuam oscilando entre a recuperação econômica
e uma quase estagnação. No último trimestre do
ano passado, o PIB (Produto Interno Bruto) da zona do euro caiu 0,3%.
No primeiro trimestre deste ano, houve crescimento modesto de 0,2%.
Parte do crescimento, no entanto, foi puxada pela recuperação
das exportações da região, que para continuar,
depende de uma melhora do desempenho econômico dos EUA e da econômia
internacional. A alta do euro em relação ao dólar
pode também tornar os produtos europeus menos competitivos, já
que eles ficam mais caros em dólar, e contrubuir para reduzir
as exportações da região.
Brasil e América Latina
A maior aversão ao risco faz com que investidores evitem os papéis
e títulos de empresas e governos de países emergentes,
como o Brasil. A América Latina, onde a crise torna-se cada vez
mais generalizada, já vinha perdendo recursos para os países
asiáticos, que têm indicadores econômicos melhores
do que os países latino-americanos. No caso do Brasil, a proximidade
das eleições torna os investidores ainda mais cautelosos,
já que os analistas avaliam que pode haver mudanças na
condução da política econômica do governo.
O Uruguai e os demais países do Mercosul já foram afetados
pela crise do país vizinho mas, com uma desconfiança cada
vez maior dos investidores, já se admite que o Brasil pode ficar
vulnerável ao contágio.
No Japão
No primeiro trimestre deste ano, a economia japonesa deu o primeiro
sinal de recuperação. O PIB do país cresceu 1,4%,
o que era visto como indicador de que o Japão poderia sair da
estagnação que já dura dez anos. A recuperação,
no entanto, ocorreu principalmente por causa do aumento das exportações
do país, que, no período, tiveram a maior alta em 21 anos.
O mercado interno, que corresponde a 55% da economia japonesa, continua
fraco. Com a queda do dólar tanto em relação ao
euro quanto ao iene, cresce o receio de que a recuperação
baseada nas exportações possa não continuar. O
governo também não conseguiu resolver um dos principais
problemas da economia japonesa: o sistema financeiro do país
continua virtualmente falido.
Dança de moedas
Com dúvidas a respeito do desempenho econômico norte-americano
-nesta semana chegou-se a falar em calote da dívida pública
do país-, o dólar caiu em relação ao iene
e ao euro. A queda da moeda norte-americana pode mudar os resultados
comerciais das três maiores regiões do mundo. No Japão,
a valorização do iene preocupa porque a fraca recuperação
atingida pelo país no primeiro trimestre foi baseada em exportações.
N Europa, a alta da moeda local pode ajudar o Banco Cetral a controlar
a inflação -produtos estrangeiros mais baratos em euro
inibem altas de preços-, mas também tornam os produtos
europeus mais caros em relação aos produtos similares
de seus concorrentes norte-americanos.
Fuga do risco
O desempenho ruim das grandes economias afeta o resultado de empresas.
A falência da Enron havia criado o chamado "enronits":
o receio de que as empresas escondiam o mau desempenho financeiro em
balanços fraudados. O caso do WorldCom pode fazer com que os
investidores se tornem ainda mais cautelosos, aumentando o que os economistas
chamam de aversão ao risco. A fuga do dinheiro para investimentos
considerados de menor risco ocorre desde o ano passado, quando o fluxo
de dinheiro para papéis de empresas e governos de países
emergentes já havia caído. Os sinais são de que
a aversão deve ficar ainda maior.
Jeffrey Sachs é diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional
da Universidade Harvard (EUA).
Tradução
de Paulo Migliacci
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