ACUADO, GOVERNO VOLTA A CEDER A RURALISTAS

 

Humberto Medina

Pressionado pelos ruralistas, que ontem trouxeram confusão ao trânsito de Brasília com um "tratoraço", o governo cedeu mais um pouco nas negociações para concessão de novos créditos e prorrogação de dívidas do setor agrícola. As medidas, anunciadas à tarde, foram consideradas insuficientes pelos produtores e uma nova reunião chegou a ser marcada para o início da noite.
No final da tarde, porém, com a radicalização do movimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não receber os ruralistas. Nova reunião foi marcada para a manhã de hoje, no Ministério da Agricultura, apenas com os ministros Roberto Rodrigues (Agricultura) e Antônio Palocci (Fazenda).
Lideranças ruralistas chegaram no final de semana a Brasília, onde organizam, desde terça-feira, um "tratoraço" na Esplanada dos Ministérios. A manifestação provocou confusão no trânsito da área, onde fica o Palácio do Planalto, local de trabalho do presidente da República, o Congresso Nacional, o STF (Supremo Tribunal Federal) e os ministérios.
A principal medida anunciada ontem pelo governo -linha de crédito de R$ 3 bilhões, repassada pelo BNDES, para financiar dívidas com fornecedores de insumos- ainda não estava totalmente acertada. Os recursos são do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e, para serem usados na linha de crédito anunciada, precisam da aprovação do conselho curador do fundo.
O valor liberado ontem ficou abaixo dos R$ 5 bilhões pedidos pelos ruralistas. A linha de crédito só será usada se a indústria fornecedora de insumos aceitar pagar parte do custo do refinanciamento. O BNDES emprestará o dinheiro cobrando cerca de 14,5% (TJLP mais 4%). O produtor, porém, só pagará juros de 8,75%.
A diferença no custo do empréstimo terá de ser paga pelos credores dos produtores rurais. O governo ficou de conversar com a indústria para convencê-la a aceitar o acordo.
O anúncio das medidas foi feito pelo ministro Rodrigues. Ele justificou o pacote ao explicar que houve uma "crise de renda dramática" na agricultura. As causas da crise, segundo o ministro, são: aumento dos custos de produção, redução dos preços dos produtos (arroz, milho, trigo, soja e algodão), desvalorização do dólar em relação ao real (produtores compraram insumos com dólar a R$ 3 e estão vendendo produtos com dólar a R$ 2,5) e a seca.
Além do empréstimo do BNDES, o governo anunciou a intenção de reavaliar os bens que foram dados como garantias na renegociação de dívidas antigas. O objetivo é liberar os bens para serem usados pelos agricultores em novos empréstimos.

Exigências
Hoje, os ruralistas vão tentar que o governo ceda em dois pontos considerados por eles importantes. Um deles, no entanto, conta com a objeção direta do Ministério da Fazenda: o aumento do preço mínimo da saca de 50 quilos de arroz. Os produtores querem que o preço suba de R$ 23 para R$ 25. A Fazenda argumenta, por sua vez, que a medida teria impacto inflacionário.
Outro foco de divergência entre governo e ruralistas é o pedido dos agricultores de suspensão da execução das dívidas antigas que foram renegociadas -estimadas em R$ 300 milhões. O governo criou um grupo de trabalho para analisar a prorrogação das dívidas para os agricultores que estavam em dia até dezembro de 2004.
Os agricultores querem que, enquanto o grupo de trabalho não apresente uma proposta, a dívida não seja cobrada. Para o governo, a legislação não permite isso.
Os ruralistas também querem adiar para 2006 o pagamento das parcelas que vencem entre julho e setembro dos empréstimos tomados para custeio da safra 2004/ 2005. O governo argumenta que, se aceitar, não terá dinheiro para financiar a safra 2005/2006.


'TRATORAÇO' ACABA COM PROTESTO NO CONGRESSO
Fernando Itokazu
A coordenação do "tratoraço", que reuniu 18 mil produtores ontem em Brasília, segundo a Polícia Militar, não conseguiu manter o controle dos manifestantes. Os organizadores estimaram em 20 mil o número de participantes.
O "tratoraço" propriamente dito, que iria percorrer as duas vias da Esplanada dos Ministérios, se transformou em uma manifestação diante do Congresso.
"Tínhamos autorização para trafegar na Esplanada, mas houve um desentendimento qualquer e alguém resolveu descer com o trator até aqui", declarou o presidente do sindicato rural de Santa Maria (RS), Eroni Paniz, que negociou as condições do "tratoraço" com o comando da PM.
A aglomeração começou por volta das 17h. Os tratores foram estacionados no gramado, e os produtores gritavam em coro "Queremos solução".
Depois de cerca de 20 minutos de agitação, uma comissão de senadores, formada por Heloísa Helena (PSOL-AL), Eduardo Suplicy (PT-SP), Sérgio Guerra (PSDB-PE) e Jonas Pinheiro (PFL-MT), além do deputado Babá (PSOL-PA), informou aos manifestantes que iria ao Planalto tentar negociar mais benefícios, mas não conseguiram nada.
Diferentemente de anteontem, quando vários agricultores entraram no espelho d'água do local, ontem poucos se aventuraram.
Apesar de alguns manifestantes mais exaltados, o comandante da operação da PM, o tenente-coronel Antônio José Cerqueira, afirmou que não houve nenhuma ocorrência grave. "Não houve nenhum confronto, nenhuma reclamação de agressão e nenhum dano ao patrimônio público", disse.
Para Cerqueira, o movimento estava organizado até por volta das 14h, quando alguns atos isolados causaram pequenos tumultos. Carros de autoridades chegaram a ser apedrejados numa das vias de acesso à Esplanada dos Ministérios.
Pela manhã, os agricultores fizeram uma passeata e protesto em frente ao Palácio do Planalto. Entre as 7h30 e as 10h, manifestantes impediram o acesso ao Ministério da Fazenda, o que voltou a ser feito novamente à tarde.
Segundo o comando da PM, que trabalhou com 900 homens, o principal problema ontem foi o trânsito na área dos ministérios, já que em vários momentos as vias foram bloqueadas.

 


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