CITRICULTURA PAULISTA SEGUE PARA O SUL DO ESTADO

 

Agnaldo Brito

Pomares estão sendo formados em novas áreas em busca de umidade e para evitar contaminação pela Morte Súbita. Numa migração lenta e perene, a citricultura de São Paulo está em deslocamento do Norte para o Sul do Estado. Em jogo, o esforço em manter o agronegócio mais competitivo do País no mercado internacional, que no ano passado movimentou US$ 3,23 bilhões, foi responsável por 1,87% do total da pauta de exportação e 4,47% das vendas internacionais do setor agrícola. A nova geografia da citricultura paulista - Estado é responsável por 95% das exportações de suco de laranja do Brasil - é dese-nhada por uma nova conjuntura. A realocação dos pomares no sentido do Sul não é recente, mas tem se acelerado nos últimos anos em razão da Morte Súbita do Citrus (MSC), doença que prospera no eixo Noroeste/Norte de São Paulo.
Em Botucatu, por exemplo, a produção de laranja para mesa ou indústria cresce. Em 1999, a produção de fruto para indústria da região era de 2.010 milhões de caixas. No ano passado, havia alcançado total de 4,53 milhões de caixas. Para o mercado de laranja de mesa, a produção no mesmo período dobrou, saiu de 860 mil caixas para 1,9 milhão de caixas. Enquanto nas regiões de Barretos e Catanduva o processo é inverso. Em Barretos, uma das maiores regiões produtoras, a produção de laranja para processamento industrial caiu de 45,59 milhões de caixas para 33,1 milhões em igual intervalo. A queda na produção de laranja de mesa foi menor, mas expressiva: de 19,5 milhões, em 1999, para 14,2 milhões no ano passado. Os números fazem parte do banco de dados do Instituto de Econômica Agrícola (IEA).
Não é exatamente a região Sul de São Paulo o fator preponderante para a defesa contra a MSC. A condição de zona livre da doença é encarada inclusive como momentânea. Ninguém parece acreditar que a patologia que ataca o ponto de enxertia não vá chegar ao Sul. O movimento do setor produtivo deflagrado pela MSC encerra uma hegemonia que durou décadas na citricultura de São Paulo: o predomínio do porta-enxerto 'Limão Cravo', considerado por analogia o "Zebu da citricultura". O porta-enxerto é o que formará a raiz da planta. Carrega consigo características econômicas importantes como a precocidade de produção, a resistência a áreas secas, o tamanho do tronco e a produtividade. Na citricultura, o porta-enxerto é o receptor de uma copa de laranja que dará a variedade do fruto, como Hamlin, Pêra, Valência ou Natal. A associação do porta-enxerto com a copa é o fundamento da citricultura comercial de larga escala.
Mais "tolerante" às regiões secas do Estado de São Paulo (exatamente o Norte do Estado), o Limão Cravo é o alvo predominante da MSC. O avanço da doença, que já atingiu um milhão de pés - segundo dados das entidades que representam o setor -, pôs ao setor uma série de alternativas, uma variedade de caminhos que podem alterar a situação do setor em São Paulo. Entre as decisões estão a mudança de local para produção, o uso de alternativas tecnológicas para barrar ou reduzir os efeitos da doença ou mesmo a substituição do porta-enxerto Limão Cravo por outros. O problema nesta decisão está na necessidade de incluir mais um item no custo de produção: a irrigação.
Isso porque as principais alternativas de porta-enxertos para a citricultura do Norte não suportariam o clima seco da região sem prejuízos nos volumes de produção. A vantagem em relação a tolerância à Morte Súbita do Citrus é sem dúvida uma vantagem que pode não ser compensada com a manutenção dos níveis de produção de 2,2 a 2,5 caixas (ou até mais do que isso) por pé.
O movimento dos produtores em direção ao Sul do Estado tem observado este novo componente do custo. Não que a irrigação nunca tenha feito parte da citricultura. No entanto, ela também nunca alcançou os números que tem alcançado agora. Segundo a Forbb, uma das empresas fabricantes de sistemas de irrigação, o crescimento deste mercado tem justificado maciços investimentos em novas plantas industriais.
A área irrigada que alcançava entre 10 e 15 mil hectares dos pomares no fim da década de 1990 hoje já supera os 85 mil hectares. Algo como 12% da área de plantio. "De 3 mil hectares de área irrigada há 5 anos, pulamos para 12,5 mil hectares. E nada indica que esse número ficará nesse patamar. A Morte Súbita não é a única razão, mas tem sido a principal nos últimos tempo", diz Valério Tadeu Laurindo, sócio da Forbb Serviços na área de agricultura.
Os preços das terras ainda em níveis aceitáveis no Sul do Estado têm compensado a implantação de novos pomares nestas áreas, em geral, sem irrigação já que o clima é mais úmido. Com isso, a produção na região sul tem se baseado numa premissa: a diversificação de porta-enxertos nas áreas de produção, algo que no Norte somente será possível com a incorporação do custo de irrigação. É esta conta que os produtores colocam na ponta do lápis.

Diversificação acelerada
Por isso, cresce a utilização de novos porta-enxertos para ocupar o lugar do Limão Cravo. Entre as opções começam a entrar em produção árvores derivadas dos porta-enxertos Citrumelo Swingle, Tangerina Cleópatra ou Sunki e o Limão Vokameriano. Dados irrefutáveis sobre esta migração são observados nos viveiros comerciais espalhados pelo Estado, onde são cultivadas as mudas que formarão os novos pomares da citricultura paulista. Em dezembro de 2000, o volume de produção de porta-enxerto tipo Limão Cravo era de 7.719.274 unidades, o equivalente a 74,98% do total produzido no Estado.
Em abril deste ano, a produção de Limão Cravo em viveiro era de 3.347.638, apenas 25,63% do total. A Tangerina Cleópatra, uma das variedades tolerantes a MSC, evoluiu dentro do mesmo período de 1,410 milhão de porta-enxertos para 3,230 milhões, o que significou um aumento na participação de total 13,7% para 24,7% em pouco mais de três anos.
Porta-enxertos como o Citrumelo Swingle e Tangerina Sunki acompanharam a tendência e respondem hoje por mais de 19% do que se planta em São Paulo. A participação do primeiro em 2003 era de 6% e do segundo de inexpressivos 1%. "A diversificação que começa a ocorrer na citricultura paulista neste momento é muito boa", alerta Antonio Ambrosio Amaro, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Historicamente, a participação do Limão Cravo na produção de laranja era predominante, chegava a 85% do pomar paulista.
A Guacho Agropecuária, empresa do Grupo Nova América - empresa com estrutura verticalizada com área de produção e agroindústria para processamento do fruto -, estuda a ampliação da produção de laranja em Santa Cruz do Rio Pardo, região Sul do Estado. Produz hoje 3 milhões de caixas de laranja num pomar diversificado formado por 1,3 milhões de pés, um milhão em produção. A área de produção da Guacho mantém o predomínio do Limão Cravo, 45% do total. Variedade herdada da conversão da área de cana para laranja no início dos anos 1990. Pouco a pouco os demais tipos de porta-enxerto tomam espaço. Segundo Aprígio Tank Júnior, gerente de produção da Guacho, outras variedades começam a ganhar importância como a Tangerina Cleópatra, com 20% dos pés, a Tangerina Sunki, com 15%, a Citrumelo Swingle também com 15% e a Poncirus Trifoliata com 5%.
Mas a diversificação dos porta-enxertos nos pomares não é a única arma contra a Morte Súbita. O Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) tem sugerido aos produtores uma técnica de subenxertia. Funciona da seguinte forma: numa árvore com qualquer uma das opções de copa e desenvolvida sobre o porta-enxerto Limão Cravo, os produtores colocam outras variedades ao lado do tronco. Pode chegar a três ou quatro porta-enxertos, se a árvore for velha, com tronco espesso. A estratégia desta técnica, que começa a ser usada em larga escala nas regiões mais atingidas pela MSC, é a de garantir a produção da árvore mesmo se esta fora atingida pela doença. Para entender como a subenxertia funciona é preciso conhecer primeiro como a doença age.
Uma planta com a MSC apresenta um problema de vedação dos canais que ligam a copa da árvore com o porta-enxerto, exatamente no ponto de fusão das duas partes. As raízes da árvore conseguem absorver os nutrientes do solo e enviar a seiva para toda a planta. Mas após o processo de fotossíntese, várias substâncias importantes descem para a raiz. A doença veda estes canais no ponto de ligação do porta-enxerto, o que provoca o colapso do sistema radicular da planta. Isso leva a planta à morte.

Técnica da subenxertia
A subenxertia cria novos canais da copa da árvore com a raiz. Com isso, mesmo que uma árvore que tenha o Limão Cravo como porta-enxerto original seja atingida pela doença ela não morre, já que toda a circulação da planta fica assegurada pelos demais porta-enxertos. A dúvida é saber qual o efeito que esta estratégia terá em longo prazo. Uma é certa, o aumento do consumo de água nas regiões mais secas. A Guacho, por exemplo, tem adotado a subenxertia em Santa Cruz do Rio Pardo como uma prevenção a MSC. "Ninguém sabe qual será o impacto da Morte Súbita na região Sul, mas a previsão é que ela seja menos agressiva do que no Norte", afirma Tank Júnior. Como o regime de chuvas na região, por volta de 1.400 milímetros por ano, é satisfatório a subenxertia não criará déficit hídrico já que a demanda de água deverá subir. Outra vantagem é a longevidade das árvores criadas a partir do Limão Cravo. "A longevidade do pomar tende a aumentar com a subenxertia baseada em porta-enxertos tolerantes a MSC", diz o gerente de produção da Guacho.

 
Gazeta Mercantil, Finanças & Mercados, Campinas /SP, 14 de Junho de 2004.



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