BENDITA ACEROLA


Uma comunidade trabalha com uma frutinha que se tornou conhecida por ter mais vitamina c do que o limão e a laranja: a acerola. São produtores da Associação Agrícola de Junqueirópolis, em São Paulo. Graças à organização, eles conseguiram adaptar os frutos da terra às necessidades do mercado.
A cor forte e brilhante da frutinha tingiu de vermelho os campos de Junqueirópolis, no oeste paulista. Da região saem três mil toneladas de acerola por ano, dois terços da produção de todo o Estado. Quase a metade sai de pequenos sítios com até 15 hectares. Miúda no tamanho, a acerola provocou uma grande mudança na região.
Até a década de 70, o café era a maior riqueza da região, com treze milhões de pés. A cultura, aos poucos, foi dizimada por causa dos preços ruins e pelas fortes geadas que atingiram o município. Também houve o ataque do nematóide, um verme que ataca a raiz da planta e prejudica bastante o café. Por tudo isso, muita gente deixou Junqueirópolis, como conta o presidente da Associação dos Agricultores Osvaldo Dias.
“O nosso município sofreu bastante com isso. De 27 mil caiu para 14 mil habitantes.
A cidade perdeu quase 50% e isso tudo era da área rural. Na nossa cidade, teve um impacto negativo muito grande e nós produtores também. Quem não quis ir embora teve de buscar novas alternativas. Foi daí que 44 produtores assumiram a responsabilidade de montar um associação” – contou seu Dias.
Ainda hoje o café ajuda a compor a renda das propriedades, mas está longe de ser a principal cultura. Com a crise do café, os agricultores, já organizados na associação, perceberam que seria melhor diversificar as lavouras.
O seu Gumercindo de Souza, que além da acerola tem café e seringueira. Ele explica porquê apostou nessa estratégia. “A gente se previne para que não falte essa renda semanalmente e anualmente. A acerola está indo bem. A nossa média de produção em dois mil pés é de 150 toneladas por ano. No ano, sobra 40%” – calculou.
Os primeiros pés de acerola de Junqueirópolis foram plantados no sítio do seu Sebastião Baldin. “Eu resolvi plantar acerola através do Globo Rural. O programa deu toda a dica e também o endereço para quem quisesse plantar aquela época no Estado de Pernambuco” – justificou.
Na época, em 1984, a Universidade Federal de Pernambuco recebeu mais de cem mil pedidos de sementes de acerola, a partir da reportagem do Globo Rural. A carta do seu Sebastião deve ter chegado tarde, quando as sementes já tinham acabado. Mas ele foi encaminhado para a Casa da Agricultura de Lucélia, outro município da região oeste de São Paulo, onde conseguiu dez mudas bem grandes. “Eu fiquei contente que tudo isso aconteceu, de não vir a semente, porque adiantou meu expediente em um ano. As mudas já vieram formadas. Eu comecei lá trás e saí lá na frente” – disse seu Sebastião.
O plantio de acerola na região só cresceu porque os agricultores se aventuraram na promessa de um empresário que apareceu no município dizendo-se interessado pela fruta, o que estimulou a produção. Ele oferecia um dólar por quilo. Mas logo na primeira safra, no começo dos anos 90, veio a decepção. O empresário tinha sumido e os produtores ficaram sem comprador. E não dava mais para voltar atrás.
Com os pomares formados surgiu um novo problema: a má qualidade dos frutos. Então, começou a busca por uma planta que atendesse melhor aos interesses comerciais. Para dar a volta por cima, a associação agrícola coordenou um trabalho de seleção nos pomares de seus produtores, até encontrarem uma árvore ideal.
A origem dos mais de 75 mil pés de acerola do município foi uma única planta. “A planta é especial porque possui as características exigidas pelo mercado consumidor. Há uma coloração vermelho intenso que quando é submetida à moagem produz um suco de uma cor muito agradável ao consumidor. É um fruto pouco ácido e com bastante teor de vitamina e de açúcar. Ela gira em torno de 1,2 mil miligramas por 100 gramas de polpa” – explicou a agrônoma Adriana Kimura.
A planta selecionada estava nas terras do agricultor Moacyr Olivier. Por isso, a variedade foi batizada com o nome da família: Olivier. “Se não fosse através dessa planta, eu acho que dificilmente continuaríamos o cultivo da acerola em nosso município. Elas dão frutos cedo. Em torno de 70 a 80 começam a florescer. No campo, com cinco ou seis meses de idade já produzem até média de oito quilos de fruto” – contou seu Olivier. Hoje em dia, a associação agrícola administra um viveiro municipal, mantido pela prefeitura. A variedade Olivier é multiplicada através do sistema de estaquia para manter fielmente as características da árvore-mãe. Mas nenhum pé da fruta é plantado sem uma análise de mercado.
“Não adianta plantarmos um produto, mas sem estrutura para recebê-lo e, na seqüência, nem mercado para colocá-lo. É tudo controlado” – falou seu Osvaldo. As novas variedades já começam a ser testadas para que, no futuro, exista maior diversidade genética nos pomares. Outra linha de pesquisa é a irrigação da acerola para fugir dos picos de produção que vêm logo depois das chuvas.
O seu Shiro Tanino apostou na irrigação em seu único hectare de acerola. Foi no pomar dele que o professor Fernando Tangerino, da Universidade Estadual Paulista, a UNESP de Ilha Solteira, montou um experimento para testar vários sistemas de irrigação. Ele aponta o sistema de gotejamento com um dos que se adaptaram melhor à cultura.
“Nós utilizamos um tubo gotejador espaçado de 50 centímetros entre gotejadores. Esse projeto, com esse espaçamento, pôde formar um bulbo úmido e atender à todas as necessidades de água e de fertilizante da cultura, uma vez que fazemos a fertirrigação, ou seja, a aplicação do fertilizante junto a água de irrigação” – explicou seu Tangerino. “Eu gastei uma base de R$ 1,5 mil para equipar todo esse hectare. E acho que na primeira colheita deu para pagar o investimento” – falou seu Tanino. Mas a irrigação ainda é um sonho para a maioria dos agricultores do município. A maior parte da produção depende exclusivamente do clima, o que faz a colheita na lavoura de seu José Guelf coincidir com o trabalho em outras propriedades.
Cerca de 30 dias depois da chuva os pés de acerola ficam carregados. Na hora da colheita pode ter um problema: faltar mão-de-obra. “Eu precisaria de pelo menos mais dez pessoas para fazer a colheita. Mas tenho apenas quatro pessoas de fora. Nós sempre temos perdas porque a acerola deve ser colhida no dia” – esclareceu seu Guelf. Para diminuir a perda e ajudar na renda da família, a mulher do seu Guelf, dona Nilza, também trabalha na colheita. “Temos de colocar pano no rosto por causa do sol muito quente. O sol pega no rosto. Então, temos de nos proteger. Não é difícil colher acerola. Pelo contrário, é gostoso. Eu colho uma média de 130 quilos. Já colhi até 153, mas hoje não me atrevo a competir comigo mesmo. Eu vou no meu limite. Mas não dá para viver bem. Ela é um bico. Nós temos de ter outra alternativa junto para poder viver” – disse.
Nas lavouras de acerola do município não é difícil encontrar famílias inteiras de trabalhadores rurais enchendo o baldinho para garantir o sustento. “O segredo é colher bem. O cara ser bom de perna e ser bom de mão. Ser bom de mão é o cara ser rápido na hora que vai despejar. O cara colhendo bem tira de R$18,00 a R$ 22,00 por dia. Eu, minha esposa, minha filha e meu filho, nós quatro, já chegamos a colher 11 mil quilos por mês” – contou o trabalhador rural Josias Barbosa.
Na propriedade de seu Osvaldo Dias, a mão-de-obra familiar também engrossa a catação no campo. Seu filho, Júnior, mostrou que é bom de mão na hora da colheita. “Em geral, nós colhemos no ponto, madura, com a mão sempre fofa porque não corremos o risco de amassar as acerolas” – ensinou.
Em tempo de safra, seu Juraci Barros não dá sossego para o burrico. Eu estou levando 45 caixas de acerola para a associação. Mas não é a produção do dia. Tem dia que eu dou até oito viagens. Deu 360 caixas de acerola. O burro agüenta carregar tudo isso. Ele trabalha o dia inteiro carregando acerola” – falou.
O resultado da colheita nos pomares de acerola tem um destino certo: a sede da associação. No final do dia, há muito movimento para descarregar a fruta. A acerola recebida na associação segue por dois caminhos distintos: a fruta fresca vai imediatamente para as fábricas de polpa da região. Outra parte é congelada e armazenada em câmaras frias até a venda para indústrias mais distantes, localizadas na grande São Paulo e nos Estados de Goiás e Pernambuco. “Nós entregamos hoje a R$ 0,45 o quilo da acerola in natura. No congelado entregamos por R$ 0,55. Dá uma diferença de R$ 0,10, que é o custo de armazenamento e de congelamento. Nós retemos 15% do produtor para cobrir o investimento, o financiamento e o custo de manutenção operacional das câmaras frias, que é bastante alto” – falou seu Osvaldo.
Na região a acerola não é importante apenas no campo. Na época da colheita, o dinheiro arrecadado com a fruta também movimenta o comércio da cidade. A união dos agricultores em torno da acerola rendeu outros frutos para suas famílias. Estimuladas pela organização dos maridos, as mulheres também resolveram se juntar. Uma vez por semana, elas levam pães, biscoitos e geléias, inclusive de acerola, para vender na feira da cidade.
Independência. Talvez essa tenha sido a palavra que os agricultores de Junqueirópolis mais vivenciaram desde que a acerola chegou ao município. Uma frutinha que se tornou o símbolo das fronteiras que uma organização bem sucedida pode cruzar. No caso, colorindo a vida de famílias inteiras. Por causa desse trabalho em Junqueirópolis, o Estado de São Paulo é o terceiro maior produtor de acerola do Brasil.




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