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Seca já influencia a qualidade de alimentos e preocupa produtores
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A seca que assola o Sudeste vai além dos pesadelos domésticos para os quase 27 milhões de habitantes das 133 cidades do Estado de São Paulo que enfrentam problemas diretos por conta da escassez de água. Na região de Bauru - que possui cerca de 1 milhão de habitantes -, o presidente do Sindicato Rural do Estado e vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), Maurício Lima Verde, já estima que resulte em perdas na ordem de até 35% na safra de laranja, café e cana-de-açúcar, para 2015.
Essas são as três principais culturas da região - considerando Bauru e mais 17 municípios entre os limites de São Manuel a Tupã -, que, segundo o sindicato, representam 70% do movimento no setor.
O cenário é reforçado, porém, com ressalvas, pelo engenheiro agrônomo da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) Regional Bauru, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, Luís César Demarchi.
Ele pondera que não há um levantamento específico do órgão sobre às possíveis perdas nas lavouras, mas estima que o fenômeno climático observado, principalmente no último mês, trouxe prejuízos a alguns produtores, com destaque para os de cana.
Paralelo a isso, o que se observa ainda é a queda na qualidade em alguns tipos de alimentos hortifrútis já disponibilizados no mercado. O reflexo, contudo, também é explicado pela entressafra de algumas culturas, como, por exemplo, a do limão, que tem confundido consumidores na hora da compra por conta do alto preço (leia mais abaixo).
Panorama
A alta temperatura e a falta d´água deixaram o solo seco. Tudo o que nasceu não cresceu por falta de chuva na agricultura permanente. "Na verdade, toda a atividade agropecuária ficou comprometida". A avaliação é feita por Maurício Lima Verde.
"Em 20 anos, nunca houve um período tão ruim no campo. A laranja e o café começaram a florada em setembro, mas precisavam da chuva de outubro pra vingar. A cana também não se desenvolveu. Nos últimos 20 meses, 40 usinas quebraram no Estado todo", completa o sindicalista, que contabilizou acumulado de chuva em 840 milímetros em Bauru neste ano, quando a expectativa era superior a 1.200 milímetros.
"Em pleno mês de plantio, estão todos parados. O pessoal investiu, comprou semente, adubo, insumos, mas será difícil recuperar tudo. Se começar a chover agora, alguns poderão até recuperar, mas o prejuízo milionário causado pela seca desde o início do ano já foi consumado", complementa.
De acordo com ele, outras culturas da região de Bauru, como o milho e o amendoim, cravaram perdas de até 100% no primeiro plantio. A expectativa é de que, agora, com as chuvas, elas possam ser replantadas em novembro.
Retomada?
Por falar em retomada, considerando que a época das chuvas se estende até abril, Demarchi também pondera que há possibilidade de que as culturas do café e da laranja também recuperem parte do prejuízo nas próximas floradas.
"Houve o abortamento por falta de água, mas nada que uma nova florada, ainda em tempo, não possa reverter. Ainda é cedo para estimar perdas. Só registramos o mês de outubro como atípico no ano agrícola", defende o engenheiro agrônomo da Cati.
E a irrigação?
Até mesmo os produtores que utilizam sistema de irrigação no campo estariam enfrentando problemas. "Muitos rios assorearam e minas secaram", avalia Demarchi.
A realidade ganhou peso e até estudo no departamento de hidráulica e irrigação da Unesp de Ilha Solteira. "O nível do Tietê está baixíssimo e inviabilizou a hidrovia. Quem usava o rio para irrigação também está com dificuldade. Para que haja irrigação na agricultura, o nível da água deve estar a pelo menos, 6,5 metros do eixo da bomba de captação. E o pior é que duas ou três chuvas não vão resolver o problema", reforça o engenheiro agrônomo Fernando Braz Tangerino Hernandez, que faz parte do corpo de docentes da Unesp de Ilha Solteira.
Seca e entressafra `azedam´ os preços de produtos
Além do preço, o que não tem agradado muito os consumidores é a aparência de alguns alimentos como, por exemplo, os cítricos e as hortaliças em feiras e supermercados da cidade.
As altas temperaturas e a falta de chuvas colaboram para a má formação dos vegetais.
Permissionário na Companhia de Entrepostos e Armazéns do Estado de São Paulo (Ceagesp) de Bauru, Marcelo Luiz Vitório é dono de um box de frutas cítricas há 20 anos. "A seca neste ano castigou muito a safra das laranjas lima, pera e também do limão. Teve um dia desta semana que eu comprei 30 caixas de laranja e só aproveitei quatro".
De R$ 3,00, o preço do quilo limão saltou para R$ 6,00 nas últimas semanas, em supermercados de Bauru. O motivo? Para grande parte dos consumidores, assim como para a professora Danielli Santos, de 32 anos, que se assustou na hora da compra, a alta está diretamente relacionada à seca. "Vou comprar porque preciso muito", analisa a consumidora.
O preço do cítrico, porém, garantem especialistas ligados ao setor, deve-se, na verdade, ao período de entressafra. "Mesmo que estivesse chovendo, o limão estaria escasso. Estamos no período de entressafra. Outubro, aliás, foi o mês de entressafra de quase todas as culturas", aponta o engenheiro agrônomo da Cati Luís Cesar Demarchi.
Além do limão, outras espécies, como o abacate, também sofreram com o alto preço decorrente da entressafra. Alexandre Fátimo, gestor de compras de hortifrúti de uma rede de supermercados em Bauru, reitera que, realmente, a seca ainda não afeta o bolso dos consumidores.
"A seca vivida em outubro ainda não refletiu no preço final ao consumidor nos supermercados. Talvez, isso aconteça ao final de novembro ou início de dezembro e atinja principalmente os legumes. No final do ano, o consumo aumenta e, como a produção não foi tão alta, pode ser falte", fecha questão.
Cana tem `quebra´ e deve viver retrocesso já na próxima safra
A seca prolongada também gerou atraso no desenvolvimento da cana-de-açúcar, fato que deve provocar tempo de entressafra maior na cultura, segundo avalia o engenheiro agrônomo Luís César Demarchi. A safra, que começaria em março de 2015, provavelmente será iniciada em abril, o que deve refletir diretamente no preço do etanol no mercado. "A cana não `morreu´ com a seca, mas teve seu crescimento retardado em aproximadamente um mês".
Ele pontua ainda que a falta de políticas públicas voltadas às atividades sucroalcoleiras majoram o problema. "O álcool está sendo comercializado a um preço abaixo do que deveria. Os insumos subiram, a mão de obra subiu, mas o setor vive uma estagnação."
Vale ressaltar que, neste ano, justamente por conta da falta de chuvas, grande parte das usinas de cana no Interior do Estado encerrou suas atividades em agosto, ao invés de dezembro, conforme ocorre normalmente dentro do calendário agrícola.
Um relatório divulgado pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) reforça a expectativa negativa no setor e aponta quebra de até 11,7% na safra de 2015 em relação à safra passada. Segundo a Unica, a expectativa é que o processamento de cana seja de 324,43 milhões de toneladas neste ano, cerca de 43 milhões de toneladas a menos que a produção 2013/2014.
UDOP, 10 de novembro de 2014.
Jornal Cidade, 11 de novembro de 2014.
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