ÁGUA OU PETRÓLEO:
O QUE VALE MAIS?

Fernando Braz Tangerino Hernandez
Luis Augusto da Silva Domingues


Relacionar fatos como a Guerra do Iraque com o reservatório mundial de água doce pode parecer, no momento, insanidade, porém, diferentes causas podem levar às mesmas insanidades. Sabe-se hoje que, apesar de ser um bem renovável, a água também pode ser finita.
Vivemos em um planeta onde o número de habitantes cresce assustadoramente. Em 1800 éramos 1 bilhão de pessoas e já no ano 2000 atingíamos o sexto bilhão. Ao prometer quatro refeições por dia a todos os brasileiros, será que nosso presidente sabe que, se todas a pessoas do mundo tivessem três alimentações balanceadas todos os dias, a água que temos disponível não seria suficiente para produzir alimento para todos?
Ao atingirmos oito bilhões de habitantes em 2030, segundo estimativas, necessitaremos aumentar a produção de alimentos em mais de 50%. Isso representa um impacto imensurável, uma vez que 70% de toda água consumida no mundo vai para a agricultura. Acredita-se que, para a produção dos alimentos que consumimos diariamente, são necessários 400 litros de água/pessoa.
É difícil acreditar que ainda não tenhamos vislumbrado a importância da água que, de tão presente em nosso dia a dia, não nos imaginamos viver sem ela. Assim, como uma locomotiva, a água, quando bem utilizada, é responsável pelo transporte do desenvolvimento, porém, se mal, pode levar a estados de calamidade geral. Em um mundo capitalista, esquecemos que a água tem como objetivo básico hidratar e alimentar seres humanos, pois necessitamos dela para a manutenção de nossas funções vitais.
Porém, não é difícil notar que a água nem sempre escoa para suprir necessidades, mas muitas vezes para atender interesses. Uma visita ao Imperial Valley, mais precisamente, na divisa dos estados americanos do Arizona e California e em seguida à Represa Presa Los Hermanos, na cidade de Mexicalli, no México, pode informar perfeitamente o significado de dizer que “a água é finita”.
Na Califórnia encontramos a gigantesca obra do All American Canal, cruzando o deserto e derivando grande parte da água do rio Colorado daquela região (320 mil m3 de água por ano). Apresenta dimensões gigantescas, 130 km de extensão, 100 metros de largura por 6 de profundidade, fornecendo água ao Imperial e Coachella Valley (Califórnia) e Yuma (Arizona), permitindo a irrigação de 280.000 hectares e também garantindo a sobrevivência de mais nove cidades em pleno deserto.
Ao cruzarmos a fronteira com o México, uma cena marcante: o rio Colorado simplesmente seca. E isso a uns 400 km antes de encontrar o Oceano, ou seja, esta água nunca é reposta.
Problemas como este não são novidades em países desenvolvidos como os Estados Unidos, que pesquisam, há muitos anos, alternativas para a conservação de água e o estudo de novas prováveis fontes. Como exemplo, basta buscar a origem de parte da água que abastece Los Angeles e San Diego, vinda de mais de 900 quilômetros de distância e proveniente do derretimento das geleiras.
No caso do México, é visível o impacto devastador que a falta de água causou na região, principalmente na agricultura. Plantações sofrendo com a falta de água, ou águas salinas, forçam o governo local a investir em pesquisas que indiquem meios alternativos de produção com pouca água, isso para uma região que é cortada pelo rio Colorado, onde a água não deveria ser um problema.
E a Guerra do Golfo, será que é por petróleo ou este esconde outro bem precioso: a água? A Mesopotâmina, berço da civilização e da agricultura, entre os rios Tigre e Eufrates, esconde uma área em que, em duas décadas, 85% das suas terras antes úmidas, simplesmente viraram deserto. Em terras brasileiras, o problema freqüentemente nem é a falta, mas às vezes o excesso de água, porém de água em condições não apropriadas para o consumo. Problema? Claro, estão se esgotando as nossas fontes de água doce limpa, o que já impede a sobrevivência da população e o desenvolvimento de certas regiões. Por quê isso? Descaso, muitas vezes, da população que polui de maneira descontrolada, e ausência de prioridades políticas quanto à questão de saneamento básico e tratamento de efluentes urbanos e industriais.
De acordo com a UNESCO, uma pessoa dever ter, no mínimo, para sua sobrevivência, 50 litros de água limpa por dia, porém sabemos que isto nem sempre acontece. Pior, enquanto uns nada têm, outros esbanjam, praticando o desperdício.
Questiona-se a condução do principal programa do atual governo, o “Fome Zero”, mas, como se pode estar nutrido se, ao mesmo tempo, se está desidratado? Será que o “SEDE ZERO” não deveria ter igual tratamento, para garantir o mínimo de água e de saúde necessário para a sobrevivência?
E a guerra do Iraque, como fazer uma analogia com o problema da água? Sabemos que o Brasil possui em seu território uma das maiores reservas de água doce superficial do mundo e seria muito bom se toda a classe política, bem como a sociedade civil organizada, começasse a pensá-la com alvo de possível cobiça, e a se engajar em ações de conscientização do seu uso adequado. Que tal então começarmos a acreditar que: “Água: sabendo usar, não vai faltar!”
 

Fernando Braz Tangerino Hernandez, Engenheiro Agrônomo pela UNESP Jaboticabal, Doutor em Irrigação pela ESALQ-USP e Professor da Área de Hidráulica e Irrigação da UNESP Ilha Solteira.
Luis Augusto S. Domingues, Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Agronomia na UNESP Ilha Solteira.
Jornal A Cidade, Ribeirão Preto, 15 de julho de 2003, página 3A.



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