ÁGUA: ALERTA MÁXIMO!

 


Os dias de carnaval advertem que a quaresma está à vista. Como marinheiros atentos ao destino da nave, nosso olhar não se detém nas imediações, mas se volta para o farol mais distante, que aponta os rumos a seguir. Bem entendida, esta é a função do carnaval: alertar para as manobras mais importantes. Se imbicarmos certo pela quaresma, o caminho do porto estará assegurado.
Com a quaresma, chega a Campanha da Fraternidade. Desta vez, ela nos apresenta um tema de evidente interesse para todos. "Água, fonte de vida". Nada mais oportuno do que trazer para nossa reflexão a questão da água, com todas as implicações que ela traz consigo.
Está na hora de dar-nos conta que a água faz a diferença entre os planetas. No momento em que se busca, ansiosamente, comprovar resquícios de água em marte ou em outras paragens do sistema solar, salta aos olhos a presença da água sobre a face da terra, a sua decisiva importância para as condições em nosso planeta.
Bem vinda, portanto, a quaresma, com sua campanha sobre a água. As campanhas da Fraternidade já têm a tradição de criar uma plataforma comum entre a igreja e sociedade, ponto de encontro entre a fé e a vida, uma convergência de causas entre espiritualidade e cidadania, entre teologia e ciência, entre oração e política, entre mística e ação social.
Mas neste ano a coincidência de interesses não podia ser mais completa e mais adequada. A questão da água, além de abrangente e fecunda, se tornou urgente e dramática. O novo milênio detecta cedo que a água será sua preocupação maior e sua angústia mais premente. O planeta está pedindo água!
A ciência nos diz que durante quinhentos milhões de anos a situação das águas na terra permaneceu estável, com seu ciclo constante de renovação. Só ultimamente começaram a perder sua capacidade de regeneração, pelo alto grau de poluição e pelo drástico aumento do seu consumo. Daí a necessidade de uma tempestiva mudança em nossos hábitos e de uma guinada em nossa mentalidade.
Fomos habituados à naturalidade da água. Por ser incumbência da natureza, pensamos que podíamos nos eximir de seu cuidado. Fomos habituados ao descaso e à irresponsabilidade para com a situação da água.
Finalmente, começamos a nos dar conta que a água é dom precioso, escasso, limitado, e sujeito aos desmandos da ação humana irresponsável. Basta constatar o alto grau de poluição dos rios e a contaminação das nascentes.
Na questão da água, que a Campanha da Fraternidade levanta, uma advertência se torna mais urgente: por sua estreita ligação com a vida, água precisa ser resguardada como patrimônio comum, como direito de todos, como bem social que não pode ser apropriado para exploração mercantilista. A água não pode ser privatizada.
A pior contaminação da água seria confiá-la à volúpia do lucro. E urgente subtraí-la aos ditames do liberalismo. Pois ele seria capaz de levar ao pé da letra a máxima que inspira seu ideário econômico: "Fiat questus et pereat mundus" - "haja lucro, e pereça o mundo". A crise da água se constitui na advertência mais real da fatalidade desta postura. A exploração predatória dos recursos naturais pode levar este mundo à sua falência como sistema de vida.
O poder público não pode nunca se eximir de suas responsabilidades com a água. Ele precisa garantir sua preservação para disponibilizá-la, em primeiro lugar, para as necessidades vitais da população.
A Campanha da Fraternidade nos convoca, portanto, para cerrar fileiras em defesa da água. Assim fazendo, nos colocamos na verdade em defesa da vida.

D. Demétrio Valentini - Bispo da Diocese de Jales - SP

 
Jornal da Ilha, Ilha Solteira, Ano VIII, nº 683, 21 de Fevereiro de 2004, p. A-02.



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