JALES EM 2002 - DESENVOLVIMENTO
É JOGO DURO

Antonio Carlos de Souza

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 Algumas propostas para o desenvolvimento econômico da região de Jales, assim como da maioria dos municípios agrícolas do extremo oeste paulista, têm sido formuladas com um certo grau de irresponsabilidade e não levam em conta a história, o clima, o solo e a cultura da região.
Uma destas propostas presupõe uma certa obra de engenharia, uma camal de irrigação para desviar águas das barragens para fins agrícolas. Estas águas, hoje utilizadas para geração de energia, passariam então pelas áreas de pastagens localizadas às margens paulistas do Rio Grande solucionando o problema de estiagens, e funcionando como indutor de investimentos em culturas irrigadas. A obra, segundo alguns dados de consultorias, envolveria direta e indiretamente 22 municípios, 112 mil hectares de terras, e uma área potencial selecionada para irrigação de 52 mil hectares.
O investimento é grandioso e envolve a cifra de 160 milhões de dólares ou mais de 320 milhões de reais.
O Brasil, só agora está saindo de uma séria crise na geração de energia elétrica, insuficiente para atender a demanda necessária ao crescimento do país. Alguns estudos da década de 90, apontavam a viabilidade de projetos para novas hidrelétricas no país concentradas nas regiões Sul e Sudeste. Até 1997 havia a intenção de se investir R$ 916,4 milhões, em 29 projetos, assim distribuídos regionalmente: Sudeste, 54% do total dos investimentos (495,4 milhões). Na região Sul 11,36%, no Nordeste, 8,8% e no Centro Oeste, os 8% restantes.
Os investimentos na área de energia não aconteceram, e é muito pouco provável que quase o mesmo nível de recursos públicos seja destinado a um projeto agropecuário do porte pretendido pela engenharia do grande canal. Na hipótese de um investimento provado, o retorno e a maturação do projeto deverão ser extremamente atraentes para investidores e produtores.
Projetos agrícolas dificilmente prescindem de recursos públicos, precisamente pelo tempo de maturação do projeto e retorno dos investimentos.
Se o projeto fosse tecnicamente viável, seria extremamente complexo priorizá-lo, uma vez que por si só, necessitaria de recursos internacionais.
A escassez de água já é uma realidade e já está em curso a legislação que regulamentará o uso e cobrança do precioso insumo.
Outro detalhe é a necessidade de adequação fundiária para que o máximo de produtores possam auferir benefícios de um perímetro irrigado. Não há a menor chance de se promover reestruturação fundiária às margens do Rio Grande, que já está com sua reforma agrária pronta há 30 anos, realizada de forma muito competente pela própria inciativa privada da região e apoio técnico do governo do Estado. O predomínio ainda é de pequenas propriedades que aos trancos e barrancos têm sobrevivido e reinventado sua agricultura com criatividade.
Todos estamos de acordo quanto à necessidade de investimentos na área agrícola. Estamos de acordo com a necessidade de se promover a irrigação nesta região, face às frequentes etiagens, baixa umidade, e irregularidade das chuvas. Tais fatores, para os irrigantes chega a ser até uma vantagem que influi positivamente na melhoria da qualidade da produção.
O que não estamos de acordo é com a possível aplicação de recursos e dinheiro públicos em projetos que possam deixar qualquer dúvida quanto ao seu sucesso.
Os recursos hídricos formados pelos cursos d'água contribuintes da bacia do Rio Grande estão à disposição e são pouco utilizados. Com poucos investimentos nas propriedades, principalmete naquelas onde os produtores têm interesse nas novas tecnologias, a melhor pedida é utlilizar os recursos próprios, elaborar um bom estudo de mercado, e ficar bem longe do banco, a não ser que as linhas de financiamento sejam extremamente vantajosas.
Induzir produtores a dívidas por décadas, a empréstimos impagáveis é extremamente perigoso nesta altura do campeonato. Não é sensato criar uma ilusão sob pretexto de acalentar "um sonho", uma "grande realização", que, de repente, pode estar se transformando em uma esfinge que vai se materializar e devorar o patrimônio dos nossos incautos agricultores da alta-araraquarense.
Se estamos dispostos a participar de um bom combate, um jogo decisivo para o desenvolvimento regional, precisamos saber todos no que estamos envolvidos. Que jogo é esse? É contra o atraso, o subdesenvolvimento, o desemprego, a pobreza? Megaprojetos podem se transformar em um jogo duro. Basta ler os jornais dos últimos cem anos.
Existem outras alternativas viáveis, e o crescimento da fruticultura nesta região já está provocando algumas mudanças no perfil de renda dos produtores. Muito mais viável seria então aplicar toda esta "grana" em projetos de pequenas agroindustriais que pudessem promover o processamento da matéria-prima, benefício, classificação e embalagem da produção local. Aí sim, estaremos combinando geração de emprego, crescimento industrial, diversificação de investimentos. Está mais que provado - agricultura só não dá. O agricultor que não tirar proveito dos demais elos da cadeia produtiva está morto ou à caminho da estagnação. Receber parte dos dividendos do comércio e da indústria, do chamado agronegócio é a única saída. Precisamos todos juntos, agricultores, imprensa, lideranças políticas, começar a bater nesta tecla até que ela comece a ressoar afinada.
Projetos de investimento envolvendo muitas pessoas precisam levar em conta o fato de que elas levam muito tempo para construir um patrimônio. Uma atitude sensata, e muito importante, que pertence ao conjunto das boas práticas democráticas, é perguntar aos envolvidos e interessados se eles desejam e querem tal e qual benefício, se estão dispostos a pagar, quanto pagariam, e como poderiam pagar. É uma técnica simples conhecida como planejamento participativo.

Antonio Carlos de Souza - Engenheiro Agrônomo/CATI - Campinas, ex-delegado agrícola de Jales

 Jornal de Jales, 13 de janeiro de 2002, nº 1932, p. 1-2



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