A agricultura irrigada, nos últimos anos, vem sendo considerada a vilã do desperdício
de água e da contaminação dos recursos hídricos, sendo essa crítica oriunda
de alguns segmentos da sociedade e de alguns órgãos de governo ligados à agropecuária,
à ciência e tecnologia e ao meio ambiente. Isso pode ser parcialmente verídico, em sistemas
irrigados onde a água e a cultura estiverem sendo manejadas de forma incorreta ou por falta de tecnologia
disponível na unidade produtora.
Em países onde a agricultura é evoluída, o uso da irrigação é considerado
como solução para produção de alimentos e não como problema. Em países
como os Estados Unidos, a Índia, a China, a Espanha, Israel e outros, a irrigação é
utilizada com alta intensidade, utilizando a maior parte dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos
na produção de alimentos e muito pouca água doce vai para os mares. É uma pena que
no Brasil grande parte da água doce é lançada no oceano.
A preservação da fauna e da flora, a utilização de florestas como meio de seqüestro
de carbono e a preservação de outros recursos naturais indicam que se deve reduzir ao mínimo
a abertura de novas áreas para fins de produção agrícola. Por outro lado, a necessidade
de aumentar a produção de alimentos fica restrita ao aumento de produtividade por área e a
forma mais racional de se alcançar esse objetivo é através do aumento da área racionalmente
irrigada e com isso passar de uma para duas ou mais culturas por ano na mesma área, além da possibilidade
do aumento de produtividade em relação à cultivos de sequeiro.
É importante lembrar que o governo investiu um grande volume de recursos na implantação e
financiamento de grandes projetos de irrigação em todo o país, colocando assim, água
à disponibilidade do produtor irrigante, muitas vezes sem tradição até mesmo em agricultura.
Apesar desse quadro, o governo não investiu e não vem investindo, com intensidade recomendável,
na geração e transferência de tecnologias visando melhorar a economicidade e sustentabilidade
dos sistemas irrigados.
Outro ponto relevante a ser considerado é a irrigação como principal fator de desenvolvimento
e às vezes até de sobrevivência na região semi-árida do país, onde os
principais pólos de desenvolvimento estão associados a áreas irrigadas. O não uso da
irrigação, no interior da Região Nordeste, é o principal incentivo à perpetuação
da pobreza no meio rural, uma vez que a precipitação é geralmente bem menor do que a necessidade
de água das culturas.
Uma das principais causas do desperdício de água, da contaminação dos recursos hídricos
e do insucesso de muitos projetos de irrigação, tem sido a falta de um manejo adequado da água,
principalmente com relação a quanto e quando irrigar . Em regiões áridas e semi-áridas
o uso indevido da irrigação pode levar também a salinização do solo. De modo
geral, o agricultor tem baseado em sua própria experiência para programar as irrigações,
e alguns fatores têm contribuído para a não adoção de alguma estratégia,
tecnicamente recomendada, de manejo de irrigação, podendo-se destacar, dentre eles:
a)- os dados necessários para um manejo adequado de irrigação são específicos
para cada área e, às vezes, de difícil obtenção;
b)- alto custo e deficiência generalizada de equipamentos de controle de umidade do solo, fatores da planta
e atmosfera;
c)- estratégias de manejo de irrigação, trabalhosas e/ou de baixa precisão;
d)- falta de conhecimento e/ou de assistência técnica.
e)- outros. Com isso tem havido uma tendência de aplicação de excesso de água na maioria
das áreas irrigadas.
Assumindo-se que através de um grande programa de conscientização sobre o uso racional da
água na irrigação e de geração, ajuste e transferência de tecnologias,
se consiga reduzir em média 1mm/dia a água aplicada nas áreas irrigadas, isso equivaleria
a 10m3/ha/dia. Em 3.000.000ha, hoje sob irrigação, no Brasil, corresponderia numa economia de 30.000.000m3/dia.
Assumindo que se irriga em média apenas durante 180 dias/ano, a economia total seria de 5.400.000.000m3/ano.
Considerando que o consumo de água em Belo Horizonte (3.000.000 hab) é de 12m3/s ou 1.036.800m3/dia,
em um ano se consomem 378.432.000m3 de água. Isso significa que a economia de 5.400.000.000m3/ano daria
para suprir 14 cidades do porte de Belo Horizonte por ano ou 42.000.000hab/ano, aproximadamente 1/4 da população
brasileira.
Se considerar algo em torno de 5mm/dia a média de consumo de água na irrigação, com
eficiência de 65% se consumiriam 7.7mm/dia ou 77m3/ha dia; em um ano (180 dias) se consumiriam 13.860m3/ha/ano,
portanto, essa economia de 1mm/dia ou 5.400.000.000m3/ano citada anteriormente, daria para irrigar outros 389.610ha
ou aproximadamente 4 Projetos Jaiba (quando 100% implantado). Apesar de tudo, muitos órgãos responsáveis
pela aplicação de recursos na geração e transferência de tecnologias, insistem
que as principais linhas de trabalho, visando preservar os recursos hídricos, são através
de práticas de manejo e conservação de solo e água em condições de microbacias.
Três pontos deveriam ser considerados:
1. Os trabalhos de conservação de solo e água através do manejo de microbacias são
importantíssimos e devem ter o devido apoio de nossos dirigentes. Contudo, em grandes bacias, com sistemas
integrados de grandes barragens, esses trabalhos não podem ser considerados como uma forma eficiente de
preservar o excesso de água de chuvas, uma vez que esse será preservado no sistema de barragens da
bacia principal.
No entanto, esses trabalhos são eficientes na preservação ou aumento das nascentes na microbacia
ou retenção da água na propriedade.
2. O manejo de microbacias terá grande importância na preservação dos recursos hídricos
se associado a uma utilização racional da água, principalmente na irrigação
que é o maior consumidor desse recurso.
3. O desperdício de água e o controle da contaminação dos recursos hídricos,
muitas vezes, não podem ser feitos nas microbacias e sim através de práticas culturais e uso
da água de forma racional, na parcela irrigada.
Esse documento tem o objetivo de evidenciar o enfoque, de que, um manejo racional da irrigação poderá
trazer benefícios à sociedade brasileira, como forma de preservar nossos recursos hídricos.
Contudo, não se pode esquecer que a racionalização da irrigação, através
de um manejo tecnicamente orientado, trará um outro benefício tão ou mais importante do que
a economia de água, que é reduzir a contaminação desses recursos hídricos por
químicos lixiviados, devido ao excesso de água em uma irrigação mal manejada. Outro
aspecto importantíssimo ligado a área irrigada é o desenvolvimento, ajuste e transferência
de tecnologias nas diversas práticas culturais, principalmente com relação à produção
de grãos em condição irrigada, que é diferente de agricultura de sequeiro mais água,
atualmente bastante em uso.
Jornal de Jales, 22 de abril 2001, 1.2.
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