A FORÇA DO AGRONEGÓCIO

Genira Chagas

O universo do agronegócio representa, hoje, aproximadamente, 21% do total do Produto Interno Bruto (PIB), sendo responsável por 37% dos empregos criados no País e por 41% das nossas exportações. Para administrar números dessa magnitude, há uma demanda crescente por profissionais de alto nível que aprimorem, principalmente, a gestão e o planejamento dos sistemas de produção. Capaz de gerar emprego e renda para um vasto leque de profissionais – do pequeno agricultor ao cientista com pesquisas de alcance internacional –, abarca a soma total das operações de produção e distribuição de insumos e novas tecnologias agrícolas, incluindo a produção propriamente dita, o armazenamento, o transporte, o processamento e a distribuição dos produtos agrícolas e de seus derivados.
O agronegócio brasileiro, que contabiliza a produção da agricultura e da pecuária, e inclui também os resultados das indústrias de insumos e de processamento de produtos de origem animal e vegetal, além da distribuição, tem sido motivo de constantes notícias positivas na mídia, que ressaltam o seu potencial de geração de emprego e de renda. Basta lembrar que, sucessivamente, o País vem batendo recordes na produção de grãos.

Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram produzidos 122,2 milhões de toneladas, 25,7% a mais em relação à safra passada. “É um crescimento fantástico”, comemora o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, docente licenciado do Departamento de Economia Rural da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), da UNESP, campus de Jaboticabal. Tal crescimento não é obra do acaso. Ele está em boa parte atrelado à expansão da ciência e da tecnologia nas universidades, nos anos 1990, e a sua divulgação para os produtores. “Com o apoio fundamental da pesquisa, nossos agricultores estão colocando o Brasil no Primeiro Mundo, com agricultura e pecuária altamente competitivas”, enfatiza Rodrigues.
As universidades públicas paulistas, principalmente a UNESP, com 31 de suas 33 unidades no Interior do Estado de São Paulo, têm um importante papel no desenvolvimento de pesquisas para o agronegócio nacional. Até 2002, a instituição já contava com três cursos de Medicina Veterinária (Araçatuba, Botucatu e Jaboticabal) e dois de Agronomia, em Botucatu e Ilha Solteira, cidades que também abrigam cursos de Zootecnia.
A partir de agosto de 2003, com seu plano de expansão, apoiado pelo Governo do Estado de São Paulo e o Legislativo paulista, dentro dos princípios estabelecidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), foram criadas, no Interior de São Paulo, com seu imenso potencial para o agronegócio, sete novas unidades, além de novos cursos em faculdades já existentes. “Como um dos critérios foi a criação de cursos superiores voltados para as vocações regionais, estabelecemos cursos de Zootecnia em Dracena; Agronomia, em Registro; e cursos voltados para a relação entre a Administração de Empresas e Agronegócios, em Jaboticabal e Tupã”, afirma o reitor da UNESP, José Carlos Souza Trindade.
Para o agrônomo Elias José Simon, diretor executivo da Unidade Diferenciada (UD) da UNESP em Tupã, a importância da inserção de universidades públicas de qualidade em regiões com potencial de crescimento econômico pode ser observada no incremento do desenvolvimento social e cultural do Interior do Estado. “Quando o setor primário vai bem, ele movimenta toda a cadeia produtiva”, esclarece. O curso de Administração de Empresas e Agronegócios de Tupã foi criado justamente para formar profissionais que tenham a consciência de que, como já ocorre nos países mais desenvolvidos, o importante não é apenas produzir. “Há que fazê-lo da forma mais eficiente possível, com tecnologias adequadas, custos baixos e com a qualidade exigida pelo mercado”, avalia Simon.
Os administradores formados em Tupã terão, portanto, na própria região em que estudaram, um campo vasto e diversificado para se exercitarem na formulação de políticas públicas e estratégias privadas. Podem ainda, a partir dessa experiência, atuar em parceria com negociadores em fóruns internacionais da área agrária ou integrar equipes que, junto com biólogos, engenheiros e médicos, avaliam impactos ambientais e concebem alternativas saudáveis e ecologicamente corretas. “Outra possibilidade de atividade profissional está no estudo, com profissionais da área de finanças, de sistemas de desenvolvimento sustentado”, acredita o coordenador. Em Registro, por exemplo, o recém-instalado curso de Agronomia foi estruturado justamente com vistas ao incremento do desenvolvimento sustentado. De acordo com o coordenador executivo João Suzuki, a região do Vale da Ribeira possui, ainda intocados, cerca de 5% do que restou da Mata Atlântica. “Trabalhamos para ensinar aos alunos a conservação dos recursos naturais”, diz. O objetivo é que eles realizem a ponte entre o conhecimento novo estudado e pesquisado na universidade e o jeito tradicional dos agricultores locais lidarem com a terra. “Os estudantes estão sendo treinados para gerar desenvolvimento econômico sem danificar o ambiente”, comenta Suzuki.
A proposta do curso de Agronomia da Unidade Diferenciada de Registro é conhecer amplamente um ecossistema, englobando os seus recursos naturais e o seu potencial agrícola. Esse tipo de ação busca despertar, tanto nos alunos como nos agricultores da região, o chamado “sentimento tropical”. “Isso significa desenvolver a consciência de que a biodiversidade brasileira, considerada a maior do mundo pela combinação de sol o ano inteiro, ampla conversão de gás carbônico, devido à fotossíntese, e água de qualidade, deve ser preservada”, diz o coordenador executivo de Registro. O curso de Tupã também reúne todas as condições para levar à região ensino de qualidade, pesquisa de ponta e serviços de extensão universitária, principalmente para o pequeno agricultor. “O grande número de cooperativas agropecuárias presente na região seguramente se beneficiará da presença da UNESP, no que diz respeito à concretização de parcerias e à promoção de intercâmbio entre os conhecimentos adquiridos na prática profissional e os obtidos nas pesquisas realizadas na Universidade”, acredita Simon.
O padrão de ensino adotado em Registro, centralizado no aluno, segue os modelos do sistema de educação ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas), com origem no similar canadense PBL (Problem Based Learning). “O desafio proposto é o de buscar uma melhor compreensão dos fenômenos naturais dentro de uma estratégia interativa, sem nunca deixar de lado o saber científico”, afirma Suzuki. A aprendizagem se desenvolve progressivamente, com atividades sobre temas criteriosamente escolhidos pela equipe interdisciplinar responsável pelo curso. “É função dessa equipe, também, orientar a aprendizagem dos alunos, num processo de tutoria em que saber trabalhar em grupo é fator fundamental.”
O objetivo final de todo este processo em Registro é atingir a chamada agricultura alternativa de baixo custo, que busca conseguir produtos de boa qualidade a preços menores e que promovam a integração do homem com a natureza. “A aprendizagem, nesse processo, é contínua, e o ensino, a pesquisa e a extensão ocorrem simultaneamente”, afirma o coordenador da Unidade. Em Dracena, a implantação do curso de Zootecnia também está vinculada à necessidade de estudos direcionados para o incremento da pecuária de leite e de corte, motor econômico da região. O coordenador executivo José Antonio Marques salienta a importância de ampliar a competitividade dos produtos. “Essa tarefa só se consegue com pesquisas”, diz. Por se localizar numa área de prevalência de reflorestamento, a UNESP instalou, no município de Itapeva, o curso de Engenharia Industrial Madeireira, um dos poucos existentes no País. Segundo seu coordenador executivo, o engenheiro florestal Paulo Torres Fenner, a região já possui um pólo industrial madeireiro. “Só o município tem cerca de 50 indústrias”. Além de qualificar mão-de-obra para atuar nesse mercado, a instalação da UNESP prevê a dinamização do setor. Em novembro passado, por exemplo, a unidade promoveu o primeiro ciclo de palestras sobre Engenharia Industrial Madeireira. “Reunimos acadêmicos, empresários, políticos e estudantes com o objetivo de gerar novas parcerias e negócios”, aponta Fenner.
Nas unidades já consolidadas da UNESP também existem numerosos trabalhos voltados para todos os setores produtivos, tais como manejo e adubação do solo, controle de pragas e de doenças, melhoramento de variedades, manejo animal, alimentação, irrigação, entre outros, que geram benefícios sociais diretos, para aqueles que integram o agronegócio, e indiretos, para a comunidade em que eles se inserem. “Nossos cursos voltados diretamente para o agronegócio e outros, como os de Engenharia Ambiental, em Rio Claro e em Sorocaba/Iperó, também enfatizam que um pré-requisito para o efetivo desenvolvimento sustentado é que a produção agropecuária seja feita de forma limpa”, salienta o coordenador executivo da UD de Tupã. “É imprescindível a preservação das matas ciliares e dos recursos hídricos para a garantia da produção futura”, completa.
O melhoramento genético da goiabeira é um dos exemplos de estudos importantes para a fruticultura do País. Até 1976, quando o agrônomo Fernando Mendes Pereira, do Departamento de Produção Vegetal da FCAV iniciou a pesquisa, praticamente não havia material genético de qualidade destinado à produção de goiabas. Com o programa de melhoramento genético, surgiu o cultivar Paluma, atualmente o mais plantado, com mais de três milhões de mudas no campo. “Esse número representa 70% das goiabeiras nacionais”, esclarece Pereira.
As características da fruta justificam a preferência. Segundo o pesquisador, a goiaba do cultivar Paluma tem excelente teor de açúcar, possui acidez equilibrada e a cor vermelha bem pronunciada. O tamanho do fruto também estimulou sua venda para consumo ao natural. “Com a ajuda da irrigação, elas podem ser produzidas durante todo o ano e geram uma goiabada de melhor qualidade, porque ela é feita a partir da fruta fresca”, diz Pereira. Trabalho importante para a pecuária de corte é realizado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), campus de Botucatu. A unidade mantém uma criação modelo de gado da raça nelore, na qual desenvolve a pesquisa que visa a seleção de touros melhoradores, ou seja, com bom desempenho reprodutivo e de ganho de peso. Na Fazenda de Ensino e Extensão da UNESP, em São Manuel (Botucatu), as fêmeas da raça nelore também são melhoradas geneticamente, visando a precocidade sexual. “Com estes estudos, o tempo para a primeira cria diminuiu de três para dois anos”, diz o zootecnista João Ratti, da FMVZ, responsável pela criação.
Anualmente, a UNESP repassa para o setor produtivo os exemplares desses animais melhorados geneticamente. “Existe uma defasagem de touros reprodutores na pecuária de corte no País. A médio e longo prazos esses touros serão importantes para o melhoramento genético do plantel nacional”, afirma Ratti. Ainda em Botucatu, na Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), no Departamento de Produção Vegetal, Setor de Defesa Fitossanitária, funciona, desde 1986, o Módulo de Cogumelos. Segundo sua subcoordenadora, a bióloga Marli Teixeira de Almeida Minhoni, trata-se de um projeto já consolidado, cujos objetivos são a pesquisa e a extensão. Referência no País, o Módulo de Cogumelos possui equipamentos sofisticados, inclusive câmaras específicas para cultivo de cogumelos importadas da Holanda.
De acordo com a bióloga Marli, o produtor, de modo geral, não realiza o ciclo completo da produção de cogumelos, devido aos custos elevados. “Produzimos o micélio (“as sementes”) e, com ele, repassamos tecnologia para a iniciativa privada e outros centros de pesquisa”, diz. Na FCA são desenvolvidas “sementes” de diversas espécies, entre eles o Shiitake, o Agaricus blazei e o Agaricus bisporus, o popular champignon. Além disso, produtores da região e de outros Estados realizam cursos e consultas na FCA.
Em parceria com empresas e com a Associação Brasileira de Estrutiocultura (criação de avestruzes), o Departamento de Apoio à Produção e Saúde Animal, do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Odontologia da UNESP, campus de Araçatuba, por sua vez, oferece assistência a 52 pequenos e médios criadores da região e de outros Estados. Os estudos realizados na Unidade envolvem manejo, nutrição e melhoramento genético. “Precisamos tornar o preço da carne de avestruz mais competitivo”, informa o zootecnista Manoel Garcia Neto, coordenador do projeto. A Faculdade também oferece para os criadores, a possibilidade da incubação dos ovos. Na incubadora da UNESP nascem cerca de 700 filhotes por mês, ao custo de R$ 5,00 por ovo. Segundo Garcia Neto, o destino dos animais adultos é o abate ou a reprodução. “Nosso procedimento tem a credibilidade dos produtores”, conta.
Além dos cursos superiores mencionados, a UNESP conta com o Colégio Técnico Agrícola, em Jaboticabal, responsável pela formação de profissionais que levam o conhecimento para dentro das propriedades rurais, por meio da prática de atividades de extensão no mundo rural. “Não há País que supere suas dificuldades econômicas sem investir em ciência e tecnologia”, argumenta o reitor José Carlos Souza Trindade. “A contribuição do agronegócio na sustentabilidade da economia nacional é um fato e a UNESP se orgulha de participar ativamente desse processo.”

Os campeões da terra
G
raças aos estudos realizados em seu campus, a Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, de Jaboticabal, recebeu, em novembro último, o Prêmio Top de Agronegócio 2004 – Os campeões da terra”, concedido pelo Instituto de Estudos e Pesquisa da Qualidade (IQ). A unidade se destacou por realizar pesquisas relevantes para a economia, tanto para o melhoramento e desenvolvimento de produtos para exportação como para o consumo interno. Durante um ano, a unidade poderá usar o selo concedido pelo IQ, instituto de pesquisa privado voltado para a elaboração de estudos de mercado, que atende diferentes setores da economia. Entre as atividades do IQ, estão o lançamento de produtos, processos e de inovação tecnológica que representem estímulo à aproximação entre o mercado produtor e as instituições que realizam as pesquisas.
“A premiação mostra a posição de destaque que ocupamos no contexto do agronegócio brasileiro”, afirma o diretor da FCAV, o agrônomo Roberval Daiton Vieira. Ele lembra que uma das principais pesquisas do campus foi divulgada em julho de 2002, quando nasceu a bezerra da raça nelore Penta, primeiro mamífero da América Latina concebido a partir da clonagem da célula de um animal adulto. “Essa pesquisa tem como objetivo o aprimoramento da técnica e o melhoramento genético animal”, conclui.

 
Jornal Unesp, Ano XVIII, nº 184, Dezembro de 2003, p. 8 e 9.



UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA