É NECESSÁRIO
PROVOCAR MUDANÇAS


   

Entrevista com Antonio Manuel dos Santos Silva Reitor da UNESP

O reitor da UNESP, Antonio Manoel dos Santos  Silva, chega à metade de seu mandato, de quatro anos, em meio à pior crise financeira vivida pela Universidade em seus quase 22 anos de existência. Nem por isso evita questões espinhosas, como o anunciado corte de 20% das verbas para a educação, ou se furta a críticas ao governo federal. Nesta entrevista, que concedeu a jornalistas de alguns dos principais veículos de comunicação do País e aos membros da comunidade unespiana que responderam ao convite do Jornal da UNESP, Antonio Manoel, 56 anos, fala ainda da necessidade de se buscar novas fontes de financiamento e da importância de se manter o ensino gratuito. O reitor reconhece também que, embora tenha proporcionado inegáveis avanços rumo à modernidade, a universidade brasileira ainda preserva estruturas arcaicas. 

José Maria Mayrink, repórter do Jornal do Brasil – Quando a UNESP foi criada, em 1976, discutiu-se muito a viabilidade de uma universidade multicâmpus no Estado de São Paulo. Mais de duas décadas depois, qual a avaliação que o senhor faz dessa experiência? 
Antonio Manoel dos Santos Silva – A UNESP é, hoje, reconhecida nacionalmente como uma universidade multicâmpus. Porém ainda não estou muito convencido de que todas as unidades universitárias tenham noção disso. Ainda ouço diretores falarem de suas Unidades como se não fizessem parte da Universidade. O importante é lembrar que a experiência multicâmpus da UNESP é um modelo. Por isso, recebemos visitas e consultas sobre como ela se constituiu no Estado de São Paulo, como sobreviveu e as dificuldades que enfrentou e que enfrenta. Além disso, nossos programas institucionais buscam superar as particularidades regionais. É o caso de muitos programas de pós-graduação, dos Congressos de Iniciação Científica, dos encontros de Coordenadores de Cursos, dos Núcleos de Ensino, que envolvem a Universidade como um todo. 

 José Monserrat Filho, editor do Jornal da Ciência/SBPC – Qual a sua avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso na área de política científica e tecnológica?
 Antonio Manoel – O caminho escolhido pelo Brasil foi o da globalização, entendida como o desenvolvimento da sociedade fundado no eixo do mercado. Essa alternativa é arriscada para a universidade e para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nacional, porque tende a levar a uma subordinação da pesquisa a alguns centros privilegiados de excelência. Se essa tendência se confirmar, as universidades deixarão de ser centros criadores, passando a ser meros centros prestadores de serviços. Há ainda o custo social dessa opção política, que conduz ao desemprego e à desarticulação do desenvolvimento tecnológico, da pesquisa de base e do sistema de ensino. 

Paulo Moreira Leite, editor especial da revista Veja – Qual a medida prioritária da universidade pública para se defender dos cortes anunciados pelo governo federal? 
Antonio Manoel – O governo precisa considerar a Universidade como o lugar fundamental para o desenvolvimento do País; precisa levar em conta que a universidade não pode perder sua vocação de produzir conhecimento e tecnologia, e que seu patrimônio e infra-estrutura devem se voltar para a pesquisa e para o ensino. A melhor alternativa é justamente a tomada de consciência pelo governo de que investimentos na universidade não dão resultado a curto prazo, mas a médio e a longo prazos, e que é muito menor o custo do investimento em ciência e educação superior do que o custo da ignorância. 

Marcos Aidar, coordenador de apuração da TV Globo São Paulo – No que os cortes do governo prejudicam a UNESP? Quais projetos sofrerão com esses cortes? 
Antonio Manoel – O anunciado corte de 20% nas verbas federais para a educação afetará as universidades estaduais, pois o nível desejável de atividade ali desenvolvido se dá graças aos investimentos do governo federal. Se, de fato, houver corte, os programas de pós-graduação nos diversos câmpus da UNESP serão afetados. O mesmo ocorrerá com as pesquisas em desenvolvimento tecnológico, sem contar os cortes nas milhares de bolsas do CNPq para graduandos e pós-graduandos. No entanto, devemos nos contrapor a essas mortes anunciadas. Estamos encaminhando um documento ao Congresso Nacional para mostrar como esses cortes vão afetar as três universidades públicas paulistas. 

Ngan Andre Bui Van, pesquisador do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet), unidade complementar da UNESP, câmpus de Bauru – Qual o futuro da UNESP em função do enxugamento da folha de pagamento?
Antonio Manoel – Há dois tipos de enxugamento. Um seria resultante de uma queda brutal da arrecadação, que comprometeria até mesmo recursos para manutenção e pagamento de pessoal, levando necessariamente a Universidade a repensar todas as suas atividades. Como essa opção não está no horizonte, podemos considerar uma segunda forma de enxugamento; significa um redimensionamento da organização interna, do pessoal e da carreira em função da maior eficiência e da melhoria da qualidade de trabalho. Esse tipo de economia, aliás, traria benefícios para o ensino e a pesquisa, pois a UNESP poderia aproveitar melhor os recursos que possui.

José Ângelo Santilli, editor do jornal O Imparcial, de Araraquara, SP, e ex-aluno da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – O programa de informatização da UNESP parece não ter contribuído para reduzir os gastos com as atividades-meio em detrimento das atividades-fim. Não estaria na hora de realizar uma reforma administrativa que priorizasse o ensino e a pesquisa?
Antonio Manoel – O programa de informatização da Universidade não está terminado, e é preciso levar em conta que a modernização da administração, que a informática propicia, não ocorre de um dia para o outro. As pessoas têm que ser treinadas, há necessidade de se fortalecer uma cultura de informática. Isso já está acontecendo. Na verdade, uma reforma acadêmico-administrativa que dê prioridade ao ensino e à pesquisa inclui, preliminarmente, uma revisão dos estatutos da Universidade. O Conselho Universitário acabou de aprovar essa revisão. 

Fernando Rossetti, repórter de educação da Folha de S. Paulo – A Conferência Mundial sobre Ensino Superior da Unesco, realizada no início de outubro passado, em Paris, mostrou que, no século XXI, as universidades terão de buscar novas fontes de recursos. Como a UNESP pretende ampliar suas fontes de financiamento?
Antonio Manoel – Há três maneiras de fazer isso. Uma é reorganizando a captação de recursos pelas fundações centrais da Universidade e pelas fundações criadas pelas unidades universitárias. Outra é usar a rede de fundações locais e, graças à informática, ampliar certos serviços, tornando-os estaduais. Em terceiro lugar, pensando a longo prazo, a UNESP precisa estreitar sua cooperação com as empresas privadas, ajudando a educar e a preparar futuros empreendedores.

Flávio Dieguez, editor sênior da revista Superinteressante – A ciência brasileira vive uma situação paradoxal. Há vários anos se observa uma ligeira redução nas verbas para a pesquisa e há uma defasagem nos salários dos pesquisadores. No entanto, tem havido um crescimento significativo da produção científica nacional. Como explicar essa contradição?
Antonio Manoel – Não há contradição. Houve, sim, uma queda de investimentos públicos em pesquisa no final do governo Sarney e no início do breve período Collor, mas em seguida começou uma recuperação. Nos últimos anos, a produção científica nacional cresceu devido à melhor qualificação dos pesquisadores pelos cursos de pós-graduação e à internacionalização das informações. 

José Monserrat Filho, editor do Jornal da Ciência/SBPC – O que fazer para descentralizar a excessiva concentração da atividade de pesquisa científica e tecnológica em alguns poucos centros do País?
Antonio Manoel – Uma alternativa é a criação, em todos os Estados, de fundações de amparo à pesquisa nos moldes da Fapesp, aqui em São Paulo, e que essas fundações de fato funcionem. As agências financiadoras centrais também poderiam ampliar o incentivo a pesquisas regionais. 

Paulo Moreira Leite, editor especial da revista Veja – Como estancar a fuga de cérebros da universidade pública para as escolas privadas?
Antonio Manoel – Não está ocorrendo fuga de cérebros. O que vem acontecendo é que as universidades privadas estão aproveitando a corrida às aposentadorias de professores das universidades públicas, motivada pela nova lei da previdência. Buscam assim atrair lideranças capazes de formar novos quadros e captar recursos junto às agências de fomento. Cabe às universidades públicas criar programas próprios, internos e especiais, para manter seus principais docentes e pesquisadores. 

Marta San Juan França, editora de Ciência e Tecnologia da revista Época – Como a burocracia para a importação de equipamentos e material de laboratório atrapalha as universidades? 
Antonio Manoel – O problema não é externo à universidade, mas interno. Se ela estiver em ordem com o governo federal e dispuser de um setor de importação que seja atuante e eficiente, o prazo fica em torno de 45 dias. 

Leonardo Mourão, redator-chefe da revista Nova Escola – Em julho deste ano, um professor da UNESP apresentou, na reunião anual da SBPC, em Natal, um conjunto de malas com diversos experimentos para facilitar o ensino de ciências nas escolas. Que planos tem a UNESP de desenvolver materiais para serem usados no ensino fundamental? Qual a prioridade que os cursos de licenciatura têm na UNESP?
Antonio Manoel – Pesquisadores da UNESP desenvolvem trabalhos para facilitar o ensino nas escolas, mas a Universidade não tem um programa específico, com recursos próprios, para isso. Quanto aos cursos de licenciatura, são prioridade em nossa gestão. Minha experiência como Pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa e como vice-reitor me levou a concluir que a universidade pública precisa interferir para que o ensino fundamental e médio tenha melhor qualidade. O problema é que a universidade se voltou demais para a formação de mestres e doutores, valorizando em demasia o pesquisador em detrimento do professor. Estamos tentando solucionar esse problema.

Nei Gonçalves Dias, apresentador do Notícias do Dia, no SBT – O que o senhor acha de se cobrar uma mensalidade razoável do aluno que pode pagar a universidade pública? Não é o momento de se discutir a questão com realismo, quebrando tabus?
Antonio Manoel – Devemos discutir a questão com realismo até para desvendar se há tabu. Julgo que a educação, em todos os níveis, é um direito social e, portanto, o Estado deve ser responsável pelo ensino gratuito para todas as classes sociais. Por convicção social e política, sou contra o ensino pago até nas universidades privadas, que, a meu ver, estão mercantilizando um direito humano. Desde a pré-escola até o ensino mais avançado, ninguém deve pagar, seja o mais pobre ou o mais abastado.

Ricardo Bonalume Neto, repórter da Folha de S. Paulo – As universidades públicas costumam ser acusadas de darem ensino de graça para pessoas que podem pagar. O vestibular tem sido criticado porque promoveria essa distorção, deixando os alunos carentes de fora. A universidade deve mudar isso, recebendo mais alunos com provavelmente pior formação, mas de outras classes sociais?
Antonio Manoel – A universidade é o lugar dos melhores, não de todos. Sua tradição é justamente a de um ensino mais aprofundado, voltado para a pesquisa. Daí surgiriam formados que entrariam na sociedade exercendo cargos de liderança política, empresarial ou profissional. O fato é que não seria necessário que todos freqüentassem a universidade se houvesse escolas de ensino médio que formassem profissionais competitivos em termos de mercado. O lado perverso, portanto, não está no vestibular, que escolhe os melhores, mas sim no fato de que nem todos possam estar preparados para entrar na universidade pela falta de um melhor ensino fundamental e médio. 

Regina Neves, editora adjunta da Gazeta Mercantil – A universidade e os institutos de pesquisa informam que a produção científica brasileira é grande e de qualidade. Por que é pequena a transferência desse conhecimento para asindústrias nacionais?
Antonio Manoel – A cooperação entre empresa e universidade começou a melhorar nos últimos anos, e o melhor caminho parece estar na criação de elos entre a universidade e as micro ou pequenas empresas. É importante, todavia, que o pesquisador e a universidade saibam dar o devido valor ao trabalho que realizam em conjunto com a iniciativa privada. Não podemos nos satisfazer com o recebimento de um microcomputador ou com o pagamento de um estagiário em troca de um produto desenvolvido na universidade e que vai render milhões de dólares à empresa que o comercializar. Também é injusto que o docente receba ganhos e não repasse parte deles para a universidade, que lhe forneceu equipamento, instalações e tempo para a sua pesquisa. Por isso, a UNESP está se organizando para conseguir o registro de suas invenções em forma de patentes. 

Luiz Carlos Pavani, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, câmpus de Jaboticabal – Há áreas em que a demanda atual da sociedade é crescente, e a universidade tem o dever de oferecer condições razoáveis de infra-estrutura para suprir essa demanda. O senhor tem alguma estratégia para levantar as carências de infra-estrutura na UNESP e, pelo menos a médio prazo, resolvê-las?
Antonio Manoel – As carências relativas a obras e equipamentos didáticos já foram levantadas, e existe uma estratégia, que ultrapassa minha gestão, para sanar esses problemas. O esforço tem-se voltado para normalizar a situação no ensino de graduação, principalmente em
        termos de construção e reforma de salas de aula e de laboratórios didáticos. Também
        estamos buscando a modernização de equipamentos, o que será feito, até o fim da minha gestão, com o auxílio da Fundunesp e da Vunesp. Em relação a equipamentos científicos, estamos em contato com o governo federal no sentido de viabilizar um crédito para a UNESP que possibilitaria essa modernização. 

Antonio Padilha Feltrin, professor da Faculdade de Engenharia da UNESP, câmpus de Ilha Solteira – O que o reitor pensa sobre mudar a Reitoria do espigão da avenida Paulista para o Interior? Que tal Rio Claro?
Antonio Manoel – Essa questão já apareceu no Conselho Universitário, quando foi discutida a descentralização acadêmica, e se optou por deixar a Reitoria em São Paulo pelas vantagens de comunicação, visibilidade e presença política que a Capital oferece. Outro fato que levou o Conselho Universitário a essa opção é o alto custo dessa mudança, sem levar em conta que cada câmpus se acha a melhor sede possível. Pessoalmente, no entanto, sou contra a Reitoria estar sediada em São Paulo.

Marcio Adriano Consorte, chefe de seção substituto do Instituto de Biociências do câmpus de Botucatu – Quando serão corrigidas as distorções havidas por ocasião do enquadramento geral dos servidores técnico-administrativos da UNESP?
Antonio Manoel – Existe uma comissão especialmente formada para discutir essas distorções e buscar corrigi-las. Ela recebeu diversos casos para análise e deve se pronunciar até 31 de dezembro.

José Roberto Ferreira, assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da UNESP – A sociedade, em termos gerais, vem se modificando com rapidez, enquanto a universidade, que em princípio deveria ficar na ponta desse processo, parece estar acomodada. A universidade está se tornando antiga?
Antonio Manoel – Dentro da crise institucional e de legitimidade pela qual a universidade está passando, é preciso reconhecer que ela ficou antiga em diversos aspectos. Ela proporcionou o avanço rumo à modernidade, mas não se reformulou internamente, preservando estruturas arcaicas. Felizmente, docentes e servidores estão refletindo sobre isso. Trata-se de um ótimo sinal, porque mostra que, na UNESP, há pessoas preocupadas com a sobrevivência da universidade e com a sua inserção no mundo moderno. Esse tipo de indagação levará seguramente a uma mudança da atual mentalidade. Mas não basta aguardar, também é necessário provocar mudanças. As propostas de reforma administrativa e do trabalho docente em tempo integral, por exemplo, estão gerando discussão por toda a UNESP. São fatos perturbadores, que afastam a inércia, nos animam e cavam um fosso para aqueles que não desejam se aperfeiçoar ou que temem perder seu lugar no momento em que as atuais estruturas forem reformadas.

Jornal da UNESP - n. 131 - Dezembro/98 - pgs. 10 e 11