O Professor Celso Donizete
Locatel é o típico filho da terra que, vindo de uma família
de agricultores, decidiu aproveitar o acesso aos bancos escolares para
saber um pouco mais sobre a atividade de origem de seus familiares.
Nos últimos dois
anos, ele ficou praticamente “fora do ar”, pesquisando tudo sobre a fruticultura
regional e as relações de trabalho que a cercam. Sua dissertação
de mestrado foi aprovada pela banca examinadora da Unesp de Presidente
Prudente, no dia 29 de abril.
Formado em História
pela Faficle-Jales , ele está na rede oficial de ensino desde 1993,
quando foi contratado pelo CEFAM de Jales, onde permaneceu até 97.
Entre 96 e 97, além do trabalho no CEFAM, Celsinho, como é
carinhosamente tratado entre os colegas de magistério, lecionou
também na Escola Técnica de Jales, ex-Escola Agrícola.
Atualmente, é professor
efetivo na EE Akió Satoru. Celso tem 29 anos e foi ouvido pelo JORNAL
DE JALES no final da tarde de quarta-feira, 10 de maio...(Deonel
Rosa Júnior)
JORNAL DE JALES – De que
tratou a dissertação que lhe valeu o título de mestre?
CELSO - Este trabalho
teve como objetivo central analisar os impactos causados pelo processo
de “modernização da agricultura” brasileira e paulista,
ocorrida a partir da década de 1960, sobre a MRG de Jales, destacando
o desencadeamento das transformações ocorridas na agricultura
e nas relações de trabalho com a expansão da fruticultura
irrigada.
Para desenvolve-lo, considerou-se
o complexo processo contraditório e desigual de desenvolvimento
das forças e relações capitalistas de produção
no Brasil e, buscou-se analisar alguns aspectos do processo de produção
e apropriação do espaço rural da Região de
Jales, ressaltando a dinâmica da agricultura regional e o desenvolvimento
da fruticultura como alternativa aos pequenos proprietários para
se reproduzir enquanto tal.
Assim, foram resgatados
o processo histórico de ocupação da microrregião
e a evolução da estrutura produtiva agrícola, destacando
os reflexos do processo de “modernização da agricultura”,
além de caracterizar e analisar o desenvolvimento da fruticultura
e as transformações observadas na estrutura produtiva e nas
relações de trabalho, a partir da década de 1980,
evidenciando as relações intersetoriais estabelecidas entre
a agricultura e os demais setores e a sujeição da renda da
terra ao capital.
JJ – O que o levou a escolher
um tema de sabor nitidamente regional?
CELSO – A escolha
do tema, em primeiro lugar, foi influenciada pela minha ligação
com a região. Sou “filho da terra”- nasci em Jales e sou filho de
agricultores. Em Segunda lugar, o trabalho sobre a Microrregião
de Jales, destacando o desenvolvimento da fruticultura, foi suscitado pela
particularidade de seu processo econômico em relação
ao conjunto do Estado de São Paulo. Nessa microrregião, não
ocorreu o avanço do grande capital agrário no contexto das
transformações provocadas pelo Complexo Cafeeiro, no momento
de sua ocupação. Também, não se na região
a constituição de conglomerados cooperativos e de agroindústrias,
que são elementos marcantes do dinamismo da “modernização
da agricultura” paulista, principalmente, nas décadas de 1960 e
1970, com a formação do Complexo Agroindustrial.
JJ – Como seu orientador
reagiu à escolha do assunto?
CELSO – A escolha
do assunto que seria pesquisado foi feita antes de definir quem seria o
orientador, por causa da estrutura do Curso de Pós-Graduação
da UNESP de Presidente Prudente. Quando fazemos a inscrição
para o processo seletivo, já temos que apresentar um pré-projeto
de pesquisa, que, normalmente, se transforma no projeto que será
desenvolvido. Assim, quando fui procurar o Prof. Dr. Antonio Nivaldo Hespanhol
para conversarmos sobre orientação, o tema já estava
definido e, como ele desenvolve pesquisa e orienta nas linhas de pesquisa
Desenvolvimento Regional e Estudos Agrários, logo de início
ele aceitou ser meu orientador.
JJ – Podemos considerar
o processo de implantação da fruticultura na região
de Jales como algo diferenciado em relação a outras regiões?
CELSO – Sim. A substituição
da cafeicultura, considerada uma cultura tradicional, que era desenvolvida,
predominantemente, em pequenas propriedades com base no trabalho familiar,
pela fruticultura, com destaque especial à viticultura, que não
necessita de grandes áreas para a sua prática, vem contribuindo
para a manutenção da estrutura fundiária. Esse processo
de substituição de culturas tradicionais por outras que empregam
técnicas mais modernas , como a laranja e a cana-de-açúcar,
e por pastagens, no Estado de São Paulo, é marcado por grandes
transformações na estrutura fundiária, pela diminuição
do trabalho familiar e aumento do trabalho assalariado. Este fato aponta
para uma inserção da região de maneira diferente no
processo de “modernização da agricultura” brasileira,
que, na região, vem se desenvolvendo com a recriação
e manutenção de relações de trabalho - parceria
e trabalho familiar, respectivamente - comuns à fase anterior
à “modernização” e com a presença marcante
do minifúndio.
JJ – Qual é o peso
da fruticultura na economia da região?
CELSO – A fruticultura
é hoje o segmento mais importante da agropecuária regional.
A título de comparação, podemos citar a pecuária
que, mesmo ocupando cerca de 74,25% da área dos estabelecimentos
da região, esta atividade não é a de maior importância
econômica, pois ela representa apenas 37,20% do valor da produção
agropecuária da Região de Jales em 1996, além de ser
uma das atividades do setor que menos gera empregos. Por outro lado, a
fruticultura, além de ser a atividade que mais tem gerado emprego,
corresponde a quase a metade do valor de produção da agricultura
regional. Só para reforçar a importância da fruticultura
nas municípios de Jales, Palmeira d’Oeste e Urânia, onde a
viticultura se desenvolveu de forma mais expressiva, a redução
da mão-de-obra ocupado no campo, entre 1985 e 1996, foi de 15,77%,
22,20% e 27,63%, respectivamente, enquanto que nos municípios onde
a produção de uva tem pouca expressividade, como em Dolcinópolis
e Santa Albertina a redução foi de 60,99% e de 45,17%, respectivamente.
JJ – Enquanto atividade
econômica e considerada as peculiaridades e a demanda dos mercados
nacional e internacional, a fruticultura da região tem futuro?
CELSO – Claro que
tem. Demanda de mercado existe, tanto nacional quanto internacional, o
que está faltando são mecanismos de ganho de competitividade
para que esta atividade alcance mais expressividade na economia regional.
Para isso, seria necessário interesse real do poder público
em desenvolver o setor agrícola da região.
Tendo em vista que o ponto
de estrangulamento da fruticultura regional está no processo de
comercialização, bastaria a implementação de
um programa para reverter esse quadro. Para tanto, tem-se que destruir
alguns mitos em relação à pequena produção,
referentes à visão equivocada de que ela contrapõe-se
aos empreendimentos comerciais e que, esses últimos são muito
mais eficientes que os demais, fato que não corresponde à
realidade, como se pôde constatar nesse trabalho. Nesse sentido,
a idéia oposta, de que a saída para o pequeno produtor seria
a articulação ao agribusiness também tem que ser abandonada.
Há que se romper
com a concepção de que a pequena produção é
inviável por não fazer parte do agribusiness e que, por isso,
ela tende a ser marginalizada no processo produtivo, por não despertar
interesse empresarial. Por outro lado, é indispensável reforçar
a idéia de que pequenos produtores organizados de forma cooperativa,
quando orientados para o mercado, conseguem atingir maior rentabilidade.
Dadas as características
agrícolas da região e as dificuldades enfrentadas pelos produtores
rurais, faz-se necessário desenvolver projetos para promover a competitividade
desses pequenos empreendimentos, visando aumentar a retenção
de renda no setor agrícola e, também, o bem-estar social
no campo.
Para isso, caberia ao setor
público, ao invés de desenvolver grandes projetos, como a
construção de um canal de irrigação, adotar
ações que promovam, não só o desenvolvimento
econômico da região, mas também o bem-estar social,
o que pode ser viabilizado através da elaboração de
um Plano Diretor Agrícola Municipal.
A fruticultura é
uma atividade que se mostra adequada à produção em
pequena escala e já está bem disseminada na região,
indicando que produzir não é o problema enfrentado
pelos pequenos agricultores, mas sim a comercialização da
produção.
A produção
da região, mesmo apresentando problemas de escala, já tem
um produto diferenciado, de boa qualidade e que, facilmente, poderia ser
estendido a todos os produtores, o sistema de denominação
de origem, que é um fator que facilita a aceitação
do produto no mercado. Assim, a maior carência da fruticultura regional
reside na ausência de uma estrutura de distribuição
eficiente, já que a comercialização tem se apresentado
como o maior obstáculo para o desenvolvimento desse segmento e reprodução
de seus produtores. A criação de um sistema de classificação,
embalagem e resfriamento das frutas, além de uma infra-estrutura
de transporte, aumentaria a competitividade desses produtores e, conseqüentemente,
diminuiria a drenagem da renda da terra para fora do setor agrícola,
promovendo a melhoria das condições de vida no campo, além
de impulsionar o desenvolvimento econômico regional.
JJ – Sob o ponto de vista
das relações de trabalho, o que distingue a fruticultura
regional?
CELSO – De forma
geral, a agricultura da região distingue-se das demais, do Estado
de São Paulo, que passaram por um processo de modernização,
por apresentar o predomínio absoluto da mão-de-obra familiar.
Os dados resultantes do trabalho de campo mostram que os fruticultores
da Região de Jales encontram-se inseridos num certo espaço
social amplo, que está delineado, num extremo, pela forma social
de produção familiar e, no outro, pela produção
empresarial, o que conduz em níveis de desenvolvimento social diferenciados
entre esses produtores.
Em relação
à composição da mão-de-obra pode-se identificar
quatro situações distintas: os estabelecimentos onde a composição
da mão-de-obra é familiar pura, representam 37,36% do total
dos estabelecimentos, os que o trabalho familiar é complementado
com trabalho assalariado temporário perfazem 29,67% dos estabelecimentos,
os em que o trabalho familiar é combinado com trabalho permanente,
corresponde a 13,18% dos estabelecimentos e uma outra situação
encontra-se combinando trabalho familiar, temporário e permanente
que é observada em 19,78% dos estabelecimentos pesquisados. Assim,
pôde-se constar que cerca de 80% da mão-de-obra empregada
nessa atividade, é trabalho familiar.
JJ – Pelo estudo que foi
feito, há possibilidade concreta do parceiro se tornar proprietário?
CELSO – Não.
Dadas as características desta relação de trabalho
o parceiro jamais conseguirá acumular recursos suficientes para
se tronar proprietário.
Entre os fruticultores entrevistados,
verificou-se que 82,41% são proprietários das terras que
cultivam, 4,36% possuem o controle parcial ou misto das terras. Ainda tem
o parceiro, representando 13,17% do total dos fruticultores, que possui
controle apenas sobre alguns meios de produção e nenhum sobre
a terra, condição da qual dificilmente conseguirá
sair.
JJ – O fruticultor da
região de Jales melhorou de vida ou regrediu economicamente?
CELSO – Com
a análise dos resultados obtidos com o trabalho de campo, pode-se
inferir que o desenvolvimento da fruticultura na Região de Jales
contribuiu para uma maior tecnificação do setor agrícola,
assim como para maior associação do produtor ao capital,
intensificando-se as relações intersetoriais da agricultura
regional com os demais setores da economia. Também, como se verificou,
essa maior relação intersetorial gera maior sujeição
da renda da terra ao capital.
Mesmo havendo essa sujeição
da renda da terra ao capital, verificou-se que o desenvolvimento da fruticultura
tem propiciado melhores condições para a reprodução
dos pequenos produtores e, ainda, uma melhoria nas condições
sociais e de trabalho.
JJ – O canal de Irrigação
é solução para os problemas da fruticultura da região?
CELSO – Não.
Diante de um programa dessas dimensões, há que se fazer algumas
considerações em relação a sua real necessidade,
aos impactos sociais com sua implementação e à forma
pela qual ele vem sendo capturado pelo discurso da classe dominante local.
É inegável
que, em alguns bairros rurais, como o Córrego do Jataí e
no Córrego Barra Bonita, em virtude do grande número de unidades
de produção dedicando-se à fruticultura irrigada,
os recursos hídricos de superfície encontram-se no seu nível
máximo de exploração.
Portanto, é
notório que, da forma como se usa os recursos hídricos, hoje,
na região, o seu potencial de expansão não é
muito grande, haja vista a técnica de irrigação que
é usada. A irrigação por aspersão é
a mais utilizada na região, porém apresenta, como limitação,
a influência dos fatores climáticos na distribuição
de água, o favorecimento do desenvolvimento de algumas doenças;
o risco de selamento da superfície do solo, entre outros. Cumpre
lembrar que existem outros sistemas de irrigação, como a
irrigação localizada, que se mostra mais eficiente e muito
mais econômica em relação ao uso da água.
Não se pretende desprezar
a importância da implementação de programas integrados
entre os diferentes níveis do Governo, visando incentivar o desenvolvimento
regional através da expansão da fruticultura irrigada.
O que é questionável
é a construção de um canal de irrigação
da dimensão do que está projetado, para atender a demanda
efetiva de água para o desenvolvimento da agricultura irrigada na
região, haja vista que, nem todo o potencial da água de superfície
está sendo explorado, tanto em relação a terras que
são drenadas pelos inúmeros ribeirões que existem
na região, quanto pela ineficiência demonstrada pelo sistema
de irrigação adotado, diante de outros mais adequados.
As lideranças regionais
não estão levando em consideração a multiplicidade
de aspectos que envolve a implantação de um projeto dessa
envergadura, como por exemplo, demanda do mercado, disponibilidade de recursos
financeiros e humanos, adaptação do produtor à nova
realidade e os impactos ecológicos e sociais que serão gerados
caso ocorra a implantação integral do programa.
Mesmo que todos esses elementos
sejam levados em consideração, ainda existe um outro conjunto
de ordem cultural que não pode ser ignorado. Hoje, a região
apresenta um quadro em que há o predomínio de produtores
desinformados e com uma visão tradicional da agricultura em função
das experiências vividas por estes enquanto produtores, além
de desestimulados diante das dificuldades apresentadas pela atividade agrícola.
Assim, coloca-se mais um elemento dificultador para a implantação
com sucesso desse empreendimento nos moldes pretendidos.
Os projetos de agricultura
irrigada no Nordeste vêm sendo tomados como exemplo por diferentes
segmentos da sociedade na região, sem levar em consideração
os impactos sociais negativos causados por esse megaempreendimento executado
pelo poder público.
Talvez o modelo de desenvolvimento
da agricultura irrigada do Nordeste, que apresenta bons resultados econômicos,
mas péssimos resultados sociais, não seja o melhor a ser
seguido pela Região de Jales, até porque a irrigação
em pequena escala se implantada com um custo efetivo menor, pode apresentar
maiores retornos de investimentos do que os projetos em grande escala.
A implantação
de um grande projeto de irrigação, a exemplo do desenvolvido
no Submédio São Francisco, poderá atrair empresas
agropecuárias e investimentos, que necessitarão de concessões,
de privilégios como isenções de impostos e infra-estrutura
básica, além de mão-de-obra barata. Essas empresas,
através de sua influência, poderão se apoderar dos
privilégios concedidos pelo setor público e pouco contribuir
para melhorar a condição social da população
da região.
Assim, o que se pode inferir,
em relação ao projeto de construção do canal
de irrigação na Região de Jales, é que, caso
ele seja implementado com base no modelo de projetos de irrigação
desenvolvidos no Nordeste, este poderá contribuir para a territorialização
e reprodução ampliada do grande capital, por um lado e, por
outro, conduzir o processo de expropriação dos produtores
familiares.
JJ – Finalmente, deu-lhe
satisfação esmiuçar um tema que é de interesse
dos pessoas da região onde você mora?
CELSO – A satisfação
foi e está sendo muito grande. Tratar de um tema como este, utilizando-se
de uma metodologia científica para investigar uma realidade da qual
faço parte, é muito gratificante. A realização
desse trabalho vai me trazer mais satisfação se, de alguma
forma, ele contribuir para o desenvolvimento de algum projeto para o setor
agrícola regional. Tenho consciência de que este é
um trabalho acadêmico, que pode divergir da opinião de muita
gente, mas que foi desenvolvido não para defender interesses, mas
para se aproximar o máximo possível da realidade, mantendo
o rigor científico.
Entrevista
da Semana, Jornal de Jales, 14 de maio de 2000, no. 1.847, p.1.5.
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