Manejo
da Irrigação Via
Solo
(Texto
apresentado como trabalho na disciplina de manejo da irrigação
do curso de pós-graduação da UNESP de Ilha Solteira)
Luiz
Sergio Vanzela
Meire
Cristina Nogueira de Andrade
1.
Retenção de Água no Solo
O solo se constitui em
um sistema trifásico, que é formado por uma parte sólida
(minerais, matéria orgânica, etc), uma parte líquida
(solução do solo) e uma parte gasosa (ar do solo). A parte
líquida e gasosa ocupam os espaços livres do solo que são
os poros, que variam em tamanho dividindo-se em macroporos e microporos.
Os macroporos tem um diâmetro maior (superior a 0,1 mm) e por isso
perdem água mais facilmente pela ação da gravidade.
Já os microporos estão dispostos em forma de capilares contínuos
de pequeno comprimento que se dirigem em muitas direções
diferentes, e por terem um diâmetro bem menor (menor que 0,05 mm)
em relação aos macroporos, tem maior capacidade de resistir
a perda de água (figura 1a).
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Figura
1. Esquema didático da capacidade de água disponível
(CAD) (a) e da
distribuição física (b) de um solo. |
Segundo SAAD (1992), a faixa de diâmetro de poros que é responsável
pela retenção e disponibilização de água
para as plantas é de 0,05 a 0,0002 mm, sendo que dos poros menores
que 0,0002 mm as plantas não conseguem retirar água.
Esses
espaços livres conferidos pelos poros do solo, permitem que a água
(da chuva ou irrigação) seja armazenada em uma certa proporção
que varia de acordo com a proporção entre macroporos e microporos,
isto é, quanto maior for a quantidade de microporos maior vai ser
a capacidade deste solo em armazenar água sem que haja perdas por
gravidade e vice-versa.
Desta capacidade total de armazenamento de água no solo, deste total
a parte que as plantas conseguem absorver é conhecida como CAD (capacidade
de água disponível), e é uma importante informação
quando se fala em manejar a irrigação via solo.
A
CAD de um solo é definida por dois limites de umidade. O limite
superior, que é chamado de capacidade de campo (CC), é o
máximo que um solo armazena de água sem que haja perdas por
percolação. Isto ocorre por que neste momento a força
da gravidade exercida para baixo através do peso, entra em equilíbrio
com as forças de capilaridade dos poros, cessando assim a percolação
de água.
No limite inferior da CAD, que é chamado de ponto de murcha permanente
(PMP), o armazenamento é tão pequeno que a planta mesmo gastando
muita energia, não consegue retirar a água dos poros, por
que neste momento a tensão de água no solo é muito
alta (15atm). Quando o solo está com todos os seus poros preenchidos
com água, diz-se que ele está saturado ou na umidade de saturação
(figura 1b).
A CAD pode variar muito de solo para solo e até mesmo dentro do
mesmo tipo de solo (variabilidade espacial), porque existem várias
propriedades físicas que estão diretamente ligados com a
proporção e distribuição de macroporos e microporos.
Essas propriedades físicas são: textura do solo, tipo de
argila, densidade global, estrutura do solo e teor de matéria orgânica.
Solos com textura argilosa apresentam uma maior estruturação
favorecendo a formação de uma maior quantidade de microporos
em relação a macroporos, e por isso sua CAD vai ser maior
que a de solos arenosos. Porém se a densidade global deste mesmo
solo for muito alta, mesmo sendo mais argiloso, pode apresentar uma CAD
menor, o que mostra que todas as propriedades estão relacionadas.
Argilas do tipo 2:1 como as montmorilonitas e vermiculitas (600 a 800m2/g)
tem maior superfície externa que as caulinita e ilitas (50 a 100m2/g),
o que favorece uma maior área de contato com a água, e por
isso conseguem reter mais água por tensão superficial.
E estrutura do solo também influencia a proporção
de macro e microporos. Solos com estrutura granular como é o caso
de muitos latossolos, possuem maior quantidade de macroporos, o que facilita
a infiltração de água. Solos com estrutura em blocos
ou colunar, como é o caso de argissolos, favorecem a formação
de microporosidade, aumentando-se a capacidade de retenção
de água. A matéria orgânica além de apresentar
uma área externa alta (560 a 800m2/g), favorece a formação
de estrutura granular no solo, aumentando a macroporosidade.
A absorção de água pelas raízes da planta ocorre
facilmente quando o solo está com a umidade na capacidade de campo.
A medida que o solo vai secando, a umidade vai diminuir até um certo
ponto, em que a planta vai começar a ter que gastar energia para
conseguir retirar esta água. Este ponto está entre a CC e
o PMP. Entre a CC e este ponto dá-se o nome de água disponível
(AD) e deste ponto até o PMP dá-se o nome de reserva (figura
1b).
No manejo da irrigação é interessante que a planta
não gaste energia para realizar a absorção, evitando
assim possíveis quedas na produtividade. Sendo assim, deve-se procurar
manter a umidade do solo sempre acima do ponto onde não há
gasto de energia, isto é, na água disponível.
2.
Tensiômetro
O tensiômetro é uma aparelho que como o próprio nome
já diz, mede a tensão de água ou potencial matricial
do solo, que pode ser convertido para umidade do solo. Sendo assim, podemos
com o auxílio deste aparelho determinar a umidade atual e conseqüentemente
o armazenamento de água no solo.
Existem vários tipos de tensiômetros (tensímetro digital,
tensímetro de ponteiro, de mercúrio, etc). Para construir
um tensiômetro de mercúrio são necessários:
uma mangueira espaguete (aproximadamente um diâmetro interno de 1,25
mm e externo de 3,0 mm), um tubo de PVC (diâmetro interno de 30 mm),
uma estaca de madeira, uma cápsula porosa de cerâmica, uma
cubeta com mercúrio e uma rolha (figura 2). Para montar basta fixar
o espaguete na lateral de uma das extremidades do tubo e a cápsula
porosa na abertura da outra extremidade.
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Figura
2. Esquema de montagem do tensiômetro.
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O tensiômetro deve
ser instalado na área e na profundidade de abrangência do
sistema radicular da cultura (na linha de plantio ou próximo ao
tronco da planta). Após instalar o tensiômetro no solo, deve-se
preencher todo o tubo de PVC com água e retirar todo o ar do sistema
pela extremidade aberta com o auxílio de uma piceta.
O princípio de funcionamento baseia-se na altura da coluna de mercúrio
medida no espaguete. Se o solo está seco o tubo perde água
para o solo através da cápsula porosa, fazendo com que a
coluna de mercúrio se eleve. Agora se o solo está muito úmido,
entra água no tubo pela cápsula, promovendo a redução
da altura da coluna de mercúrio.
3.
Aplicação do Manejo
Para se ler a umidade no solo através do tensiômetro, é
necessário determinar a curva de retenção ou curva
característica de água no solo. A curva característica
e a CAD do solo podem ser determinados com o auxílio de programas
computacionais (como o SWRC), através de dados obtidos da relação
entre a umidade retida pelo solo em uma certa pressão exercida pela
membrana de Richards.
Com a curva característica pronta, basta determinar o potencial
matricial e depois com o auxílio do gráfico ou do modelo
matemático escolhido, acha-se a umidade atual do solo e conseqüentemente
o armazenamento. Conhecendo-se a CAD e o armazenamento atual de água
no solo, determina-se a necessidade ou não de irrigação.
Exemplo Prático
-
Soja:
No ciclo da cultura da soja, as fases mais críticas são na
germinação-emergência e floração-enchimento
dos grãos. Na germinação, tanto o déficit como
o excesso de água (a umidade do solo deve estar entre 50% e 85%
da água disponível) são prejudiciais á uma
boa uniformidade na emergência de plantas.
A soja atinge o máximo de exigência hídrica na floração
e enchimento dos grãos (7 a 8 mm/dia). O estresse hídrico
neste período pode ocasionar problemas fisiológicos graves
que ocasionam queda prematura de folhas e conseqüente redução
de produtividade.
A
necessidade de água durante todo o ciclo para um rendimento máximo
varia de 450 a 800 mm, dependendo do clima, manejo da cultura e da variedade
empregada.
De acordo com a FAO (1994), os coeficientes de cultura (kc) para o calculo
da evapotranspiração na soja são: fase inicial (0,3),
desenvolvimento da cultura (0,7), período intermediário (1,0),
final do ciclo (0,7) e colheita (0,4).
No manejo da irrigação via solo é importante conhecer
a profundidade do sistema radicular para definir a camada de solo a ser
considerada. No caso da soja, a profundidade efetiva do sistema radicular
varia de 40 a 50 cm.
-
Solo:A. Análise de Retenção
de Água no Solo
O
solo da propriedade apresentou a seguinte análise física
pela membrana de Richards, na profundidade de 40 cm:
Com os resultados obtidos, podemos verificar que na capacidade de campo
(pressão de 0,1 atm ou 100 cca) a umidade volumétrica é
de 16,37% ou 0,1637 cm3 de água/cm3 de solo, e que a umidade no
ponto de murcha permanente (pressão de 15 atm ou 15000 cca) é
de 7,53 ou 0,0753 cm3 de água/cm3 de solo.
B.
Determinação da Curva Característica de Água
no Solo
Após
processar os dados de retenção de água no programa
computacional SWRC (Figura 3a) e escolher o modelo matemático para
realizar os cálculos de umidade, o programa elabora a curva característica
(figura 3b).
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Figura
3. Programa RSWC que determina a curva característica do
solo.
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Neste caso o modelo matemático
escolhido foi o de van Genuchten (1980), que é expresso por:
0a
= umidade atual (cm3.cm-3);
0r = umidade residual (cm3.cm-3);
0s = umidade de saturação (cm3.cm-3);
Ym = potencial matricial (cca);
alfa , m e n = coeficientes gerados pelo modelo.
Depois
de processado os dados, o programa determina os coeficientes alfa , m e
n, e as umidades de saturação e residual. Para esta amostra
de solo os dados calculados foram:
alfa
= 0,0489
m
= 0,4372
n
= 1,1978
0s
= 0,309 cm3.cm-3
0r
= 0,075 cm3.cm-3 |
Pelo modelo de van Genuchten,
calcula-se as umidades na capacidade de campo e ponto de murcha permanente:
YmCC(módulo)
= 100 cca /0CC = 0,275 cm3.cm-3 / CAD
YmPMP(módulo)
= 15000 cca /0PMP = 0,100 cm3.cm-3 |
Depois
determina-se a CAD, pela seguinte expressão:
CAD =
(CC - PMP).Z
CAD =
(0,275 - 0,100).400
CAD =
70 mm |
CAD - capacidade de água disponível (mm);
CC - umidade volumétrica na capacidade de campo (cm3/cm3);
PMP - umidade volumétrica no ponto de murcha permanente (cm3/cm3);
Z - profundidade efetiva do sistema radicular (mm).
Considerando uma reserva de água de 60%, a água disponível
(AD) é calculada por:
AD =
CAD - R
AD =
70 - 42
AD =
28 mm |
AD - água disponível (mm)
CAD - capacidade de água disponível (mm)
Res - reserva de água disponível (60%CAD = 42 mm);
C.
Determinação
do Armazenamento de Água no Solo
Com todos os valores da expressão de Genuchten conhecidos, e através
do potencial matricial atual, pode-se chegar ao armazenamento de água
no solo. Para determinar o potencial matricial do solo, é necessário
medir a altura da coluna de mercúrio (H da figura 2), e depois calcular
pela seguinte expressão:
Ym
- Módulo do potencial matricial do solo (cca);
H - Altura da coluna de mercúrio (cm);
h1 - Distância do nível de mercúrio da cubeta até
a superfície do solo (cm);
h2 - Distancia da superfície do solo até o centro da cápsula
porosa (cm).
Neste solo o tensiômetro
foi instalado de uma forma que a distância do nível de mercúrio
da cubeta até a superfície do solo foi de 15 cm (h1) e a
distancia da superfície do solo até o centro da cápsula
porosa foi de 40 cm (h2). A altura da coluna de mercúrio medida
em um certo momento foi de 18,5 cm, logo o potencial matricial foi de:
Yma
= 12,6.18,5 - 15 - 40
Yma
= 178,1 cca |
Com o potencial matricial
determinado calculou-se a umidade volumétrica pela expressão
de van Genuchten:
Este resultado nos mostra que a umidade atual está abaixo da capacidade
de campo (0,275 cm3.cm-3). Para passar este valor para armazenamento atual,
utiliza-se a seguinte expressão:
Aa
= (0a - 0PMP).Z
Aa
= (0,254- 0,100).400 = 61,6 mm |
Aa - armazenamento de
água no solo (mm)
0a - Umidade volumétrica atual (cm3.cm-3);
0PMP - Umidade volumétrica no ponto de murcha permanente (cm3.cm-3);
Z - Profundidade efetiva do sistema radicular (mm) (soja = 400 mm);
O
resultado nos indica que a água disponível atual no solo
é de 61,6 mm.
A
necessidade de irrigação é a quantidade necessária
para elevar o armazenamento até a capacidade campo, e é calculado
da seguinte forma:
NI
= (0CC - 0a).Z
NI
= (0,275 – 0,254).400
NI
= 8,4 mm |
NI:
Para corrigir a umidade deste solo para a CC, deve-se aplicar 8,4 mm de
água na irrigação.
4.
Referências Bibliográficas
HERNANDEZ,
F. B. T. Manejo da irrigação. Disponível em: http://www.agr.feis.unesp.br/irrigacao.html.
Acesso: 2002.
SAAD,
A. M. Uso do tensiômetro de faixas em pivô central. Disponível
em: http://www.agr.feis.unesp.br/irrigacao.html. Acesso: 2002.
EMBRAPA
SOJA. Recomendações técnicas para a cultura da soja
na região central do Brasil. Londrina: EMBRAPA SOJA. 1999. 226p.
SILVA,
C. R.; SOUZA, Z. M. Manejo das culturas para o aumento da eficiência
do uso da água. Ilha Solteira, 1998. Trabalho de Graduação
(Graduação em Agronomia) - Faculdade de Engenharia de Ilha
Solteira, Universidade Estadual Paulista.
BERNARDO,
S. Manual de Irrigação. 5.ed. Viçosa: Imprensa
Universitária, 596p. 1989.
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