UMA PROVA FURADA 
Cheque de fundo japonês exibido por Itamar
destina-se a um projeto fracassado


 
Há duas semanas, no afã de demostrar que a decretação da moratória não apagou Minas Gerais dos investidores internacionais, o governador Itamar Franco exibiu, todo pimpão, um cheque de 14 milhões de dólares. O dinheiro tinha sido liberado por um fundo japonês, o Overseas Economic Cooperation Fund, OECF, para a continuação das obras do Jaíba, um megaprojeto de irrigação, no norte do Estado. "Esse dinheiro é uma prova de que Minas não está isolada e de que ainda há organismos internacionais que acreditam no potencial do Estado", festejou Itamar. O que o governador não disse foi que a verba se destina a um projeto fracassado. O Jaiba é um dos casos mais exemplares de desperdício de recursos públicos de que se tem notícia no Brasil. Desde que começou a ser implantado, em 1972, já consumiu 400 milhões de dólares, mais os resultados colhidos depois de quase três décadas - e sete governadores - são medíocres.
O Jaíba foi concebido para ser o maior projeto público de irrigação da América Latina. Pelos planos, deveria distribuir terras a 2200 famílias, atrair mais 2000 empresários rurais, produzir 2 milhões de toneladas de frutas e grãos por ano e gerar uma renda anual de quase 1 bilhão de dólares. Hoje, exibe números irrisórios, comparados com as metas originais. Sá a primeira de quatro etapas está com infra-estrutura, embora 80 % dos recursos previstos já tenham sido enterrados lá. O assentamento de cada família na área custou cerca de 300.000 dólares (cerca de 600.000 reais, pela cotação da última sexta-feira ). É um desastre tão grande que, se em vez de fazer o projeto de irrigação o governo tivesse distribuído o dinheiro aos colonos, hoje cada família poderia ter um rendimento mensal de aproximadamente 6.000 reais numa caderneta de poupança. "O Jaíba abriga os colonos mais caros do planeta", diz o especialista em administração pública Reinaldo Maia Muniz.
Sem futuro - O Projeto Jaíba impressiona à primeira vista. São 240 quilômetros de canais, três estações de bombeamento e centenas de pivôs projetados para irrigar as lavouras por microaspersão. A obra de engenharia é imponente, mas os colonos vivem em situação de penúria. Eles receberam glebas de 5 hectares com água pressurizada na porta e as primeiras culturas já plantadas. O prazo para o pagamento da terra é de vinte anos, após cinco de carência. Apesar do negócio de pai para filho cerca de 40 % dos colonos iniciais já deixaram o projeto. Dos que restaram, 90% não tem dinheiro nem mesmo para pagar a conta da água usada na irrigação. A maioria está pendurada em empréstimos bancários, com endividamento médio de 10.000 reais.
Para Reinaldo Muniz, o Jaíba fracassou porque foi concebido por tecnocratas que não levaram em conta o grau de instrução e condição cultural da clientela. "Os assentados não tem conhecimento algum sobre tecnologia de irrigação", diz. Em 1990, o agricultor Dionísio Ferreira dos Santos, 48 anos, trabalhava numa fazenda, onde ganhava um salário mínimo por mês e morava de graça, quando recebeu a notícia de que obteria terra no Jaíba. "Achei que estava chegando ao paraíso", recorda-se. Dionísio plantou arroz e feijão, e não colheu quase nada. Depois tentou cultivar banana, mas o preço da fruta caiu muito, e ele ficou endividado. Hoje, nove anos depois, a família mora no mesmo barraco de lona em que se instalou provisoriamente ao chegar ao projeto. Os cinco filhos homens já foram embora, à procura de emprego em outras regiões. "Eles não viram futuro aqui", lamenta Dionísio.

 
 

POR ÁGUA ABAIXO

O Jaíba nasceu para ser o maior projeto de irrigação da América Latina. Oitenta por cento do investimento previsto já foi feito. Mas 27 anos depois, os resultados são pífios. (Fonte: Distrito de Irrigação de Jaíba)

 

AS METAS ORIGINAIS

O QUE É HOJE

Área cultivada (em hectares)

100.000

8.000

Famílias assentadas

2.200

1.328

Empresários

2.000

20

Produção anual de frutas e grãos (em toneladas)

2 milhões

35.000

Empregos diretos

36.650

4.000

Receita anual (em dólares)

840 milhões

9 milhões

   

José Edward, Veja, 10 de março de 1.999, p. 124-125