TRÊS ARGUMENTOS
IMPORTADOS E UM DETALHE

João Saad


 

Argumentos importados a favor da empresa e indústria nacionais:

1. Argumento dos europeus no encontro da OMC em Seattle para defender a indústria brasileira. Europeus e americanos insistem em ter atividades agrícolas, apesar de serem menos competitivos do que outros países.
Alegam que a agricultura mantém um "estilo de vida", uma forma de "ocupação do território", uma sabedoria que desapareceria da Europa ou dos EUA, se os países
emergentes pudessem vender soja, suco de laranja, café, arroz, carne ou trigo nos mercados europeu e norte-americano.
Argumentam que a agricultura tem outras "funções". Além de produzir é "multifuncional", segundo europeus e americanos.
O mesmo argumento serve para a indústria brasileira.
Queremos produzir aviões, microcomputadores, softwares, elevadores, calças "rancheiras" (jeans), "camisetas de meia" ("T-shirts") pelas mesmas razões.
Queremos produzir quase tudo, ou, pelo menos, experimentar.
Queremos para o trabalho e a produção a mesma liberdade e diversidade que queremos para arte e literatura.
Ninguém pensa em acabar com a Academia Brasileira de Letras devido ao fato de a francesa ser melhor ou ter "mercado" maior. Queremos tocar piano, dançar, pintar,
esculpir, fazer instalações, teatro e cinema.
A indústria é multifuncional.

2. Argumento do Greenpeace: a diversidade precisa ser protegida.
O mercado, apesar de descentralizado, pode ser tão "uniformizador" quanto a pior das burocracias. O automóvel impõe um estilo de vida mesmo para quem gostaria de ir trabalhar a pé ou de ônibus, pois torna as ruas barulhentas e as calçadas estreitas. 
O hambúrguer expulsa o churrasquinho. O cinema americano sufoca o cinema francês. O cinema estrangeiro sufoca o cinema nacional. Queremos proteger o cinema brasileiro, como os franceses querem proteger o cinema francês. É bom
para franceses, brasileiros e americanos. A empresa nacional precisa de apoio, como o cinema francês.

3. Constituição americana: empresas nacionais precisam de "afirmative action".
A empresa nacional é discriminada por ser nacional. Você compraria aspirina mais barata produzida em Bangladesh? Água mineral do Paraguai (que tem muita água de boa qualidade no Pantanal) ou da França (onde falta água)? Tilenol da Suíça ou da Tailândia? Você conhece os bons vinhos do Rio Grande do Sul? Esse é o verdadeiro "custo Brasil" - o custo da instabilidade política que gera leis e controles não confiáveis. O custo de um mercado onde os pobres compram produtos de baixa qualidade porque não têm peso político ou econômico suficiente para controlar e
avaliar os produtos, e os ricos importam produtos novos e de boa qualidade.
Precisamos apoiar a empresa nacional como a Constituição americana protege negros, latinos e mulheres. Porque são minorias e discriminadas. Falta um detalhe importante sobre investimentos externos.

4. Investimentos estrangeiros trazem dólares para o país, o que é muito bom, diziam os economistas do governo, querendo acalmar a especulação contra o câmbio, nos
tristes tempos do câmbio fixo.
Não é verdade.
O investimento externo não traz dólares mais "calmos" ou mais "bonzinhos" do que os dólares financeiros. Traz dólares, e dólares são dólares -verdes e líquidos podem
ir para onde os seus donos quiserem.
Agora, com US$ 30 bilhões de investimentos externos, economistas fora do governo estão preocupados com a pressão sobre o balanço de pagamentos do país, pois as
empresas têm que mandar lucros para o exterior.
Não é verdade.
Quem contrata um empréstimo no exterior - e promete pagar US$ 100 em 30 de julho de 2003 para o banco emprestador no exterior - tem obrigação de comprar dólares, a obrigação de mandá-los para o exterior e pagar o compromisso. Empréstimos criam obrigações com datas marcadas e valores fixados.
Quem monta uma fábrica da Coca-Cola no Brasil não tem mais obrigação nem mais direito de mandar dólares para o exterior do que qualquer outra empresa ou
cidadão. Se tiver lucro, pode mandar ou não.
Se não tiver lucros e quiser mandar dólares para o exterior, também pode. Manda ou não manda em função do câmbio, juros e das perspectivas do país.
Investimentos estrangeiros não evitam nem causam crises cambiais.