O Governo do PT recebeu uma herança bendita e colhe os louros de uma
safra agrícola recorde (120 milhões de toneladas de grãos, segundo o
Ministro Roberto Rodrigues), sem que quase nada tivesse sido plantado
neste ano. É safra cujo plantio, com exceção da “safrinha” de milho,
ocorreu em 2002. Os números do campo impressionam. A agropecuária já
responde por 27% do PIB, cria 37% dos empregos e é responsável por 40%
das exportações brasileiras. Além disso, é o único setor que gera superávit
(mais de 20 bilhões de dólares) na nossa balança comercial. Não fosse
o agronegócio, o País estaria em situação crítica.
O que está
por trás desse extraordinário sucesso? A nosso ver, quatro fatores.
O primeiro
é a securitização das dívidas. Em 1996, iniciou-se a repactuação, por
prazos que superam 20 anos, das dívidas de mais de 300 mil agricultores,
dívidas estas herdadas do período de superinflação, quando os indexadores
econômicos corrigiram os débitos dos contratos com os bancos em percentuais
muito acima da variação dos valores recebidos pela venda da produção,
gerando um descasamento que tornava impagáveis os empréstimos.
O segundo fator é a pesquisa agrícola. Não é de hoje que ela vem dando
extraordinário suporte à produção. Sem a pesquisa, não haveria variedades
adaptadas às nossas condições, nem a agricultura de precisão, nem teríamos
conseguido incorporar as terras dos cerrados e estaríamos com a fronteira
agrícola esgotada. Cerrados que transformam o Brasil hoje na mais vigorosa
agricultura tropical do planeta.
O terceiro fator é o programa Moderfrota. A agricultura brasileira registrou
nos últimos anos um notável crescimento, não somente na produção por
hectare, mas também na área cultivada por homem, para o que contribuiu
decisivamente o programa Moderfrota, linha de financiamento do BNDES
criada para que os produtores, com juros subsidiados entre 9,75% e 12,5%
ao ano e prazos de pagamento entre 5 e 6 anos, pudessem adquirir tratores,
implementos, colheitadeiras, cultivadores e equipamentos para secagem
e beneficiamento de grãos. De março de 2000 a dezembro de 2002, foram
aplicados R$5,6 bilhões para financiar a aquisição de quase 50 mil tratores
e mais de 12 mil colheitadeiras.
Quarto fator: a relativa tranqüilidade de que os agricultores não teriam
suas terras invadidas ou desapropriadas com base em critérios meramente
políticos, o que só foi conseguido em parte, graças: a) a vigoroso esforço
de assentar famílias sem terra; b) à edição de medida provisória, transformada
em lei, que impede por 2 anos a desapropriação de áreas invadidas e
exclui os invasores, que eram cadastrados, de assentamentos em outras
áreas; c) ao cabal cumprimento das decisões judiciais para reintegração
de posse de áreas.
A reforma agrária feita sem alarde no governo anterior foi o mais ambicioso
plano de distribuição de terras já executado de forma democrática em
todo o mundo. O governo FHC destinou R$ 13,2 bilhões para retalhar quase
20 milhões de hectares, área maior que o Uruguai, e neles assentou 588.000
famílias. Quase 2 milhões de brasileiros receberam terras, entre 1995
e 2002.
Se boa parte dos assentados ainda não prosperou, foi porque só assentar
não é suficiente: faltou crédito (nem mesmo os vultosos R$ 14,5 bilhões
em 7 anos de PRONAF foram suficientes), faltaram recursos técnicos para
cultivar o solo de maneira produtiva e também faltou, em muitos casos,
vocação para a vida e o árduo trabalho no campo.
De toda forma, o governo FHC mostrou: a) que é possível iniciar e promover
no País ampla reforma agrária, sem desrespeitar as leis, superando os
longos entraves burocráticos que começam com as vistorias e vão até
a imissão na posse de uma área para nela proceder ao assentamento de
famílias; b) que não são excludentes (ao contrário, podem e devem coexistir)
políticas de apoio ao agronegócio e à agricultura familiar; c) que existe
uma crucial diferença entre uma efetiva e desejável reforma agrária
(que agrega e promove) e um mero processo de invasões (que desagregam
e desestimulam a produção).
O que mudou no Governo Lula? Em primeiro lugar, o governo parou de assentar.
A meta inicial do Governo do PT era assentar 37 mil famílias neste ano,
mas o Orçamento só dispõe de R$250 milhões, suficientes para assentar
27 mil. Meio ano já se passou, e o Governo praticamente assentou ninguém.
Somente iniciou a desapropriação de 197 mil hectares de terras, nas
quais, quando concluídos os processos, poderão ser assentadas apenas
6 mil famílias. Em segundo lugar, o Governo criou tácitos estímulos
às invasões de terras, ao sinalizar que nada fará para impedi-las, ou
seja, não aplicará as leis atinentes à matéria. Com isso, desaparecem
as ações políticas para levar segurança, assegurar o exercício da justiça
e dar estabilidade ao campo, a fim de que possa em paz e continuar a
produzir. Em seu lugar, intensificam-se as invasões e inaugura-se uma
escalada de crescente desobediência civil, desrespeito ao Estado de
Direito, de afronta e enfrentamento, para desmoralizar as autoridades
e, o que é pior, as próprias instituições.
Nenhum Governo tem condições de impedir completamente as invasões, mas
pode e deve desestimulá-las, acelerando os assentamentos, aprimorando
as condições de vida dos que já foram assentados e zelando pelo cumprimento
das leis e das decisões judiciais.
A presente omissão ou ausência de consistente política fundiária pode
redundar em tremendo retrocesso e colocar a perder um processo de desenvolvimento
social que já está transformando o Brasil num dos principais celeiros
de um mundo que tem fome.
*Antonio Carlos Mendes
Thame, Deputado Federal (PSDB/SP), é professor (licenciado) do Departamento
de Economia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” / USP
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