PROJETO CUSTARIA R$ 2 BILHÕES,
DIZ TÉCNICO

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Projeto de Transposição do Rio São Francisco (1ª etapa)
Autor do primeiro projeto de transposição das águas do Rio São Francisco -uma das alternativas para combater os efeitos da seca no Nordeste-, o engenheiro Swami Villela diz que a obra deverá custar por volta de R$ 2 bilhões.
Projeto de Itamar Franco previa custos de R$ 980 milhões, e o governo atual prevê gastos de R$ 1,5 bilhão. Além dos R$ 2 bilhões do projeto, R$ 1 bilhão será gasto pelos Estados em barragens e canais de interligações com seus rios.
Mesmo assim, não um valor absurdo -o governo gasta R$ 1 bilhão em frentes de trabalho e alimentos para flagelados em um ano de seca.
A transposição do Rio São Francisco abasteceria uma população de 6 milhões de habitantes, além de perenizar 2.100 km de rio secos e irrigar área de 333,2 mil hectares.
Especialista em hidráulica e professor da Faculdade de Engenharia de São Carlos, da USP, Villela acha que o valor elevado não deve ser um obstáculo para sua execução. Para ele, muito mais importantes do que o custo são os benefícios que o projeto levará ao Nordeste.
Do ponto de vista de engenharia, Villela também não vê "nenhum bicho de sete cabeças" na transposição. Para ele, a engenharia brasileira já fez obras mais caras e ousadas, como a hidrelétrica de Itaipu, que custou R$ 16 bilhões, ou mais de cinco transposições.
"Tecnicamente, o projeto é perfeitamente viável, sem problemas", diz Villela, dono de um escritório no Nordeste sobre estudos de hidráulica.
Para o engenheiro, a parte mais complicada do projeto são as bombas que moverão as três estações elevatória da obra.
Ao serem captadas, em Cabrobó (PE), as águas do São Francisco estão a 315 m acima do nível do mar. Bombeadas por estações elevatórias, chegam a Jati (CE) com 475 m, o que representa uma subida de 160 m. A partir daí, por gravidade, despejam no Rio Jaguaribe.
Responsáveis pela maior parte dos R$ 2 bilhões do custo do projeto, pelo menos seis bombas das estações elevatórias terão 35 mil cavalos de potência cada uma. Isso corresponde  a 70 motores de carretas Scania, cada uma com 500 cavalos de potência.
São necessárias pelo menos 18 bombas -as outras 12 de menor potência- para levar as águas do São Francisco para rios secos de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. As seis bombas de maior potência custam cada uma em torno de 10 milhões.
Montadas no local da obra, essas bombas são fabricadas por uma empresa francesa. Por causa de sua elevada potência, há necessidade de linha de alta tensão de energia de até 200 mil volts, ao custo de R$ 100 mil por km. Toda a obra tem 115 km de extensão.

Casos
Para Villela nada disso deve impedir a realização do projeto. Segundo ele, estações elevatórias de maior porte foram feitas em obras de transposição de rios para abastecer regiões árida da Califórnia, nos EUA, tornando aquela região uma das mais férteis do mundo.
O projeto inicial de transposição do São Francisco, que está sendo refeito pelo atual governo, tem capacidade de captar 70 metros cúbicos por segundo.
Experiência semelhante foi feita com transposição de águas do rio Piracicaba (SP) para abastecer parte da cidade de São Paulo.
 
Para geólogo, desvio não é única solução
A transposição do São Francisco não é única solução para a seca do Nordeste. O geólogo José Luiz Albuquerque Filho diz que, além de obras de grande envergadura, como desvio do rio, também existem opções simples, como a perfuração de poços artesianos.
"A transposição atende a uma área. Concordo com a obra, desde que sejam feitos todos os estudos para avaliar o impacto ambiental do projeto", afirma Albuquerque, responsável pela área de geologia ambiental do IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica).
Para ele, só um apurado estudo sobre o impacto ambiental vai responder a todas as dúvidas que existem sobre a transposição. "Como reter  a água sem que ela vá para o mar? Qual a real potencialidade do solo para irrigação?".
Autor do estudo preliminar sobre o impacto ambiental da obra, Jairo Costa, da Fundação para a Conservação da Natureza, diz que não há riscos na redução da água do rio. "A captação da água é modesta. Os 70 m³ por segundo representam só 3% da vazão do rio."
Fernando Rodrigues, secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, afasta outro risco apontado por adversários do projeto -o de que a diminuição das águas pode reduzir de forma significativa a produção de energia nas hidrelétricas da região.
Para Rodrigues, as águas desviadas do São Francisco deixam de produzir apenas 120 dos 11 mil megawatts da capacidade de geração de energia do rio naquela região. "É insignificante", diz.
Para se ter uma idéia do que isso significa, os 11 mil megawatts são suficientes para abastecer com eletricidade uma região de 25 milhões de habitantes -os 120 megawatts dão apenas para uma cidade de 500 mil habitantes.
Califórnia e Israel fizeram transposição
Ao estudar projetos de outros países para enfrentar problemas de secas e desertificação, o engenheiro agrônomo Antonio Evaldo Klar diz não haver outra solução para o Nordeste fora da transposição das águas do São Francisco.
"Qualquer outro projeto será apenas paliativo", afima Klar, que é coordenado do curso de pós-graduação de irrigação e drenagem da Faculdade de Agronomia de Botucatu, da UNESP (Universidade Estadual Paulista).
Klar compara o Nordeste a regiões igualmente áridas, como a Califórnia (EUA) e Israel, onde a escassez de água foi superada com transposição de rios. Se fosse um país, a Califórnia seria o quinto produtor de alimentos do mundo.
A Califórnia tem em média 220 mm de chuvas por ano, menos do que o Nordeste, que tem em torno de 600 mm. Desde 1930, duas transposições foram feitas no Estado - uma ao norte, utilizando os rios São Joaquim e Sacramento; outra ao sul, com o rio Colorado.
"Antes de 1930, a Califórnia padecia dos mesmos problemas de hoje do Nordeste", diz Klar. Com as transposições, a Califórnia ganhou 3.000 km de canais revestidos de concreto, estações elevatórias e dezenas de barragens, que irrigam mais de 500 mil hectares.
Em Israel, onde há regiões em que chove apenas 70 mm por ano, a transposição retira água do lago Tibiríades (Mar da Galiléia), com estações elevatórias bombeando águas a alturas de até 260 metros.
Em 1948, o país tinha 35 mil ha irrigados - hoje tem 285 mil.
Com áreas semelhantes a Sergipe e população em torno de 6 milhões de habitantes, Israel produz 95% dos alimentos que consome, e ainda sobra para exportar - 75 vezes maior, o Nordeste tem área irrigada semelhante a Israel.

Emanuel Neri - Folha de São Paulo - 25 de maio de 1998 - p. 1-10