OBRA FEDERAL AMENIZARIA
EFEITOS DA SECA

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Nordeste: A transposição do rio São Francisco pode mudar o perfil econômico da região e criar 1,2milhão de empregos  


Castigado pela seca que devasta o nordeste, o município de Felipe Guerra, no oeste do Rio Grande do Norte, perdeu nos últimos dois anos quase 2.000 de seus 7.000 habitantes. Famílias inteiras fogem da cidade em busca de emprego em Natal ou São Paulo. 
A miséria de Felipe Guerra, agravada na última quinta-feira com uma ameaça de invasão da prefeitura local por flagelados, poderia dar lugar a um cenário melhor, se o governo federal tivesse executado o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
As margens do rio Apodi, Felipe Guerra seria 1 dos 140 municípios do nordeste banhados pelas águas do São Francisco. Com a transposição do rio Apodi, hoje reduzido a pequenas poças de lama, ficaria permanentemente cheio, e o município produziria as 90 toneladas mensais de arroz normais em épocas de chuvas regulares.
Concluído no final do governo Itamar Franco, em 94, o projeto de transposição repousa desde então nas gavetas do governo federal. Agora, quando a seca volta a castigar o nordeste, o presidente Fernando Henrique Cardoso promete refazer o projeto e iniciar a obra no próximo ano

Rio artificial
A transposição é uma espécie de braço artificial de rio que levará águas do São Francisco para os rios secos do nordeste.
Captadas em Cabrobó (PE), as águas percorrem 115 km até Jati (CE), desaguando no rio Jaguaribe. Pelo Canal do trabalhador, em Aracati, as águas podem chegar a Fortaleza. Com canais de concreto e estações elevatórias, a transposição tem um segundo trecho de 120 km entre Aurora (CE) e Major Sales (RN).
A partir dali, o rio São Francisco chega aos rios Piranhas-Açu e Apodi (RN). Antes disso, suas águas já passaram pela Paraíba e Pernambuco.
Orçado em 94 inicialmente em R$ 980 milhões, a transposição tem um preço considerado baixo se comparado a outros gastos do governo federal.
Até 2015, por exemplo, as forças Armadas vão gastar R$ 4 bilhões em seu projeto de reaparelhamento. O governo usou R$ 21 bilhões para salvar bancos em dificuldades financeiras.
Na última grande seca da região, em 1993, por exemplo, o governo gastou pelo menos R$ 1bilhão em frentes de trabalho, pequenas obras e alimentação para a multidão de famintos do Nordeste.
Com a transposição, pelo menos 6 milhões de habitantes da região serão abastecidos com as águas do São Francisco.
Outro dado positivo é a criação de 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos nos 333,2 mil hectares de tera irrigada. Com água, a agroindústria mudará o atual perfil econômico do Nordeste.
Do ponto de vista ambiental, tanto aliados quanto adversários do projeto concordam que os 70m
3 de água por segundo que serão retirados do rio São Francisco representa apenas 3% dos mil metros cúbicos de vazão por segundo do rio.
O único impacto da transposição poderia ocorrer na geração de energia das Hidrelétricas que estão localizadas após o trecho em que parte das águas do São Francisco serão interceptadas.

Vontade política
O governo de Fernando Henrique Cardoso sofre críticas de ex-integrantes da administração Itamar Franco por ter mantido o projeto engavetado. "A visão do governo Fernando Henrique é que a fronteira do Brasil termina em Minas Gerais", diz Abelírio Vasconcelos da Rocha, secretário de Irrigação do governo Itamar.
"De Minas para cima não existe mais Brasil. Existe um peso morto que o governo carrega nas costas", afirma Rocha, que hoje preside a Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte.
Rocha trabalhou no governo federal com o ex-ministro Aluizio Alves, da Integração Regional, idealizadores do projeto.
Para Rocha, falta "vontade política" para FHC executar a transposição. Além disso, diz, há pressões de políticos, como o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), cujo Estado não se benificia diretamente com o projeto. "Fernando Henrique se dobra à vontade de Antonio Carlos", declara.
A Folha tentou ouvir ACM a respeito das declarações de Rocha, entrando em contato com sua assessoria na última sexta-feira. Até ontem, o senador não havia retornado as ligações.

 
Municípios na área de influência do projeto
Eixo hídrico

Núcleos urbanos que poderão ser beneficiados com abastecimento

Estados

Constantes do projeto original

Novos municípios (desmembramentos)

Total

Distantes até 10 km 
do eixo hídrico

RN

27

2

29

39

PB

17

1

18

26

CE**

42

10

52

63

PE

14

2

16

10

Totais

100

15

115

138


 
Äreas Totais passíveis de irrigação
Em ha

Estados

Com recursos hídricos atuais

Com recursos hidricos atuais e novas barragens

Com recursos hídricos atuais. Novas barragens e 1ª etapa da transposição

PE

*

*

48.000

CE

48.940

96.100

136.500

PB

19.549

23.714

48.614

RN

34.894

64.866

101.112

Total

103.383

184.680

334.226

(*) Dados não disponíveis
(**) Inclusive a cidade de Fortaleza-CE e entorno
(***) Já estão concluídas
(****) Previsão de 1994
Fonte Comissão Executiva do Semi-Arido Nordestino (Cesan)

 
Äguas abastecerão trecho de 2.100 km de rios secos
As águas da tarnsposição do São Francisco percorrerão um trecho de 2.100 km de rio. A maior parte desse percurso é formada por rios que ficam secos durante o períodos de estiagem do Nordeste.
Para atingir os rios, o projeto temde vencer desafios da natureza.
A começar pelo trecho de 115 km de aclive entre Cabrobó (PE), onde as águas são captadas, e Jati (CE). Nesse trecho, as águas terão que subir um total de 160 metros por canais de concreto e estações elevatórias e de bombeamento.
Ao serem interceptadas, em Cabrobó (PE), as águas do São Francisco estão a 315 metros acima do nível do mar. Quando essas mesmas águas chegarem a Jati (CE), estarão a 475 metros acima do nível do mar. A partir daí, começa o trecho de declive.
O primeiro rio a receber águas do São Francisco é odos Porcos, no Ceará, passando depois pelo Salgado e em seguida pelo Jaguaribe, considerado o maior rio seco do mundo, 615 km de extensão. O segundo trecho de transposição, entre Aurora (CE) e Major Sales (RN), é menos complicado.
Ali praticamente não há subidas que dificultem a engenharia do projeto. A água que passa por esse trecho desaguará no rio Apodi e depois no rio Mossoró (RN). De transposição sairão águas para o rio Piranhas-Açu, também em solo potiguar.
os rios da Paraíba receberão suas águas a partir de Jati, no Ceará. A partir dali será feito um canal que levará as águas para os rios Piancó e Paraíba, que deságua no mar, perto de João Pessoa. O trecho pernambuco é formado por canais que irão até a barragem de Poço da Cruz, abastecendo rios menores.

Benefício
Se o projeto fosse executado como está, o Ceará seria o Estado que mais se beneficiaria com as águas do São Francisco, recebendo 25m
3 por segundo dos 70m3 captados. Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte ficariam cada um com 15m3 por segundo das águas.
De acordo com o projeto, cada Estado faria suas obras de canais para a utilização das águas do São Francisco. Abelírio Rocha, encarregado do projeto,diz que os Estados gastarão em torno de outros R$ 1 bilhão com essas obras.
No momento, alguns Estados estão fazendo barragens que integram o  projeto de transposição. Uma delas é a Castanhão, no Ceará, orçada em R$ 150 milhões e que está sendo feita com verbas federais. O governo do Rio Grande do Norte está construindo com dinheiro próprio a barragem de Santa Cruz, que custará R$ 40 milhões.
Ao todo, 13 barragens de pequeno e médio portes integrarão o projeto- as da Paraíba e as Pernambuco já estão prontas. Todas elas servirão para regularizar o fluxo dos rios- isso significa que, em anos de chuva, a captação de águas do São Francisco será menor.

Emanuel Neri, Folha de São Paulo, 11/05/98, p.1-6