A PRODUÇÃO DO CAFÉ NACIONAL COM JUROS

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O programa de retenção do café é absolutamente inoportuno. Em primeiro lugar, por esquecer que décadas de intervenção (retenção/controle de oferta) levaram à redução da participação brasileira no mercado mundial, pois geraram estímulos de preços artificialmente altos que beneficiaram outros países. 
Houve também expressiva melhoria da produtividade obtida através do cultivo adensado, do desenvolvimento de variedades, da procura de áreas mais aptas e, algumas vezes, adequadas ao uso de irrigação. Como resultado, apenas nesta década o ganho de produtividade média por área no Brasil superou 50%. 
Com a desvalorização do real em 1999 podemos afirmar, com segurança, que o Brasil é, depois do Vietnã, o mais competitivo dos produtores de café, considerando-se, é claro, países que possuem alguma escala de produção. Segundo estudo realizado pelo Instituto de Economia Agrícola é possível produzir café em São Paulo, em sistemas de produção adensados, com custos que variam entre US$ 0,39 e US$ 0,55 por libra peso. 
No que se refere à qualidade, o emprego de técnicas de pós-colheita mais adequadas aliadas a um esforço de marketing tem permitido a colocação do produto com status de café de qualidade no exterior em volumes crescentes. 
Ademais, o Brasil tem grande capacidade de oferta. Os levantamentos da Embrapa revelam um grande volume de novos plantios no país, o que eleva a capacidade de oferta brasileira para mais de 40 milhões de sacas/ano. Lembre-se que a safra 2000/01 será menor que 30 milhões de sacas somente devido à ocorrência de seca intensa. A retenção, portanto, para ter efeito, não poderá ser episódica. Haverá recursos para tanto? 
Contamos com custos de produção competitivos, capacidade de oferta e estamos no meio de um processo de reestruturação produtiva que vem nos permitindo avançar na profissionalização do setor e na melhoria da qualidade e imagem do produto. Parece-nos mais adequada, nesse cenário, uma reação no sentido de colocar o produto agressivamente no exterior. Tal como no passado, cabe-nos uma escolha entre a proteção (especialmente a agentes endividados) no curto prazo e problemas de excedentes em seguida ou o ajuste competitivo por parte de quem pode fazê-lo. Como no passado, a política do guarda-chuva só beneficiará nossos concorrentes. 
A redução da taxa Selic para 17,5% surpreendeu a maioria das pessoas. Acredito que a discussão da questão deve ser feita separando dois pontos: a direção do movimento e sua intensidade. 
A queda dos juros foi correta, pois vivemos o momento mais favorável da economia brasileira desde o início do ano. A inflação segue surpreendendo favoravelmente todos os analistas; as estimativas de “core inflation” feitas na MB Associados mostram que o IPCA nos cinco primeiros meses andou a uma velocidade anualizada de apenas 3%. A atividade econômica desacelerou em maio, projetando um crescimento da ordem de 3% para este ano; é certo que não existe nenhuma pressão sobre a capacidade produtiva. Os resultados fiscais continuam muito bons e as exportações vão crescendo com muita firmeza, especialmente pela capacidade da indústria brasileira de vender mais para mercados desenvolvidos e outros destinos que não o Mercosul, onde a crise de 1999 ainda implica em baixos volumes de importação. 
Na área externa muitas coisas melhoraram em relação ao período mais recente: as empresas brasileiras colocaram, a custos mais razoáveis, quase 2 bilhões de US$ nas últimas semanas; o Tesouro emitiu papéis em euro com “spreads” menores e as cotações do C- Bond melhoraram mesmo antes do episódio da inadvertida publicação no “Diário Oficial” de eventual operação de troca de dívida. Também se acumulam evidências de uma desaceleração na economia americana, elevando as possibilidades do famoso “pouso suave” do grande avião. A manutenção das taxas americanas no patamar atual reflete esta avaliação, sem que isso impeça eventuais elevações futuras. Apenas o preço do petróleo continua mal comportado, atazanando importadores como o Brasil. 
Com essa situação a baixa dos juros, além de bem-vinda, era lógica. O que fica em aberto é a discussão da intensidade da queda. Para muitos, ela refletiria uma mudança de modelo de operação do Bacen; para mim, reflete apenas uma estratégia de como fazer um movimento inevitável. A calma dos mercados talvez reflita este ponto de vista. 
José Roberto Mendonça de Barros, economista, com pós-doutorado pela Universidade de Yale, é professor da FEA-USP e sócio-diretor da MB Associados, escreve regularmente para Valor. E-mail: mba.admin@uol.com.br

José Roberto Mendonça de Barros, Valor Econômico, 03 de julho de 2.000, p.A13.