DICA - "SOBREVIVENDO NA ERA 2001"

Voltar


 
 Dica da semana

Há dez anos, o diploma era tudo. Hoje não é, mas parece que a ficha não caiu para os jovens. Por isso, as empresas estão penando para encontrar o trainee ideal. Repete-se à exaustão que o mundo mudou, que as empresas mudaram e que a concorrência mudou. O mundo exige cada vez mais das
empresas e as empresas exigem cada vez mais das pessoas. Só os melhores sobrevivem - e ser o melhor hoje é muuuito mais do que ser o melhor antes.
Ser competente é apenas um dado elementar de uma fórmula que inclui estar atualizado, trabalhar em equipe e por aí afora. É preciso falar duas, três línguas para se afinar com as exigências de um mercado onde há pouco lugar para os "mais-ou-menos". Grande notícia, em tese, para os
jovens. Sem vícios do passado, eles desde cedo aprendem a navegar em mares revoltos, ao contrário dos profissionais mais experimentados. Em alto-mar, os veteranos estão precisando reaprender o que sabiam para não naufragar. Enquanto isso, os recém-formados, bi ou trilíngües, informatizados e plugados no século XXI, estariam nadando de braçada na nova onda.
Bem, isso é o que deveria ser. Mas esse é mais um daqueles casos em que, na prática, a teoria é outra. Há algo de estranho acontecendo hoje nos departamentos de seleção das companhias brasileiras: ao contrário do que seria normal supor, muitas empresas estão penando para recrutar os
jovens recém-formados de que precisam. Por quê? Porque, na média, eles estão muito aquém do esperado. Alguns são bons, mas muitos são francamente ruins - e outros nem chegam a isso. Não era assim o panorama até cinco anos atrás. Desde então, a qualidade dos diplomados passou a
se deteriorar e, de dois ou três anos para cá, o problema tornou-se rotina. A questão, ao que parece, não está exatamente no que os alunos aprenderam ou deixaram de aprender na faculdade (embora o que eles sabem ou deixam de saber conte muito). Está em algo que poderia ser chamado de
"nó cultural" e é uma soma de vários fatores - desde a falta de hábito de leitura até uma certa apatia em relação à vida. Isso sem contar o fato de que pouquíssimos realmente entendem as novas exigências do mercado.
Como um processo de seleção é uma coisa tensa e estafante, tempos atrás Sofia, para quebrar o gelo de uma reunião inicial, resolveu presentear 4000 recém-formados com trufas. Deixou-as no assento das cadeiras da sala, acompanhadas de um bilhete simpático de boas-vindas. A maioria não
entendeu. Alguns jogaram as trufas no chão, outros empurram-nas para o canto do assento, uns chegaram a sentar em cima. "Eles não souberam interpretar o significado do meu gesto", diz Sofia. "A explicação para isso está numa mistura de apatia com o fato de não saber lidar com
ambientes tensos, nos quais se deve agir sob pressão." Ressalte-se que essas são pessoas que, quatro anos antes, passaram pela dura prova do vestibular. São, portanto, os mais preparados.
Essa questão interessa absolutamente a todo mundo. Aos pais, que investem pesado na educação dos filhos. Aos filhos, que precisam construir o seu futuro. Às escolas e faculdades, que têm por obrigação formar bons profissionais. Às empresas, que precisam de profissionais para tocar os negócios e superar a concorrência. Ao governo, que precisa de gente que ajude a tornar o Brasil um país de economia mais próspera.
É óbvio que há estudantes muito bons em quase todas as escolas de administração brasileiras, principalmente nas de primeira linha. Gente que tem tudo o que se espera deles e até mais. Também é claro que as empresas não se tornaram um deserto de jovens talentos. Há muitos recém-formados que brilham desde o primeiro dia e que se tornam uma aposta certa para as companhias. Pessoas que surpreendem, inventivas e determinadas. A Rhodia, por exemplo, jura que não tem do que reclamar de seus trainees. "Sinto até que estão melhorando", diz Vilien Soares, gerente de recursos humanos da Rhodia Brasil.
Há várias hipóteses para tentar explicar esse fenômeno, todas insuficientes, todas complementares. A primeira especula que os brasileiros estão se formando muito cedo. Entram na faculdade com 17
anos e se diplomam com 21 ou 22 anos. Nessa idade, por ausência de maturidade e experiência, é humanamente muito difícil que possam preencher os requisitos exigidos pelas empresas. Uma outra corrente diz que as aspirações dos jovens mudaram. Nos anos 80, ser workaholic estava na moda. Nos anos 90, o que se quer é qualidade de vida. Os filhos não querem mais se esfalfar como seus pais, só pensar no trabalho, dar duro de manhã cedo até tarde da noite, mesmo nos finais de semana.
Existe uma vertente que acrescenta a possibilidade de que as melhores cabeças entre os recém-formados nas faculdades brasileiras estejam retardando sua entrada no mercado de trabalho.
Foram, por exemplo, fazer MBA ou pós-graduação no exterior. Outros jovens brilhantes teriam
simplesmente desistido de fazer carreiras convencionais nas empresas. Preferiram ir trabalhar nas mesas de operações de bancos de investimento, onde podem ganhar mais em menos tempo. Há ainda mais uma teoria que associa o baixo nível ao que chamam de cultura da televisão.
É das "tiazinhas", dos programas de auditório e dos telejornais de meia hora que os jovens extraem quase todas as suas informações. Com isso, o repertório cultural e a maneira de encarar o mundo ficam superficiais como um videoclipe. As hipóteses, enfim, são muitas, mas todas convergem
para um mesmo ponto: há algo de muito estranho acontecendo na nova geração. E isso é mais que triste. É preocupante. Para todo mundo.

 Fonte: Você S.A




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA