Uma
greve geral dos professores alguns anos atrás teve uma conseqüência
interessante. Reintroduziu, para milhares de estudantes, o valor esquecido
das bibliotecas. Os melhores alunos readquiriram uma competência essencial
para o mundo moderno – voltaram a aprender sozinhos, como antigamente.
Muitos descobriram que alguns professores nem fazem tanta falta assim.
Descobriram também que nas bibliotecas estão os livros originais, as
obras que seus professores usavam para dar as aulas, os grandes clássicos,
os autores que fizeram suas ciências famosas.
Muitos professores se limitam a elaborar resumos malfeitos dos grandes
livros. Quantas vezes você já assistiu a uma aula em que o professor
parecia estar lendo o material? Seria bem mais motivador e eficiente
deixar que os próprios alunos lessem os livros.
Os professores serviriam para tirar as dúvidas, que fatalmente surgiriam.
Hoje, muitas bibliotecas vivem vazias. Pergunte a seu filho quantos
livros ele tomou emprestado da biblioteca neste ano. Alguns nem saberão
onde ela fica. Talvez devêssemos pensar em construir mais bibliotecas
antes de contratar mais professores. Um professor universitário, ganhando
4.000 reais por mês ao longo de trinta anos (mais os cerca de vinte
da aposentadoria), permitiria ao Estado comprar em torno de 130.000
livros, o suficiente para criar 130 bibliotecas. Seiscentos professores
poderiam financiar 5.000 bibliotecas de 10.000 livros cada uma, uma
por município do país. Universidades são, por definição, elitistas,
para a alegria dos cursinhos. Bibliotecas são democráticas, aceitam
todas as classes sociais e etnias. Aceitam curiosos de todas as idades,
sete dias por semana, doze meses por ano. Bibliotecas permitem ao aluno
depender menos do professor e o ajudam a confiar mais em si. Nunca esqueço
minha primeira visita a uma grande biblioteca, e a sensação de pegar
nas mãos um livro escrito pelo próprio Einstein, e logo em seguida o
de cálculo de Newton. Na época, eu queria ser físico nuclear. Infelizmente,
livros nunca entram em greve para alertar sobre o total abandono em
que se encontram nem protestam contra a enorme falta de bibliotecas
no Brasil.
Visitei no ano passado uma escola secundária de Phillips Exeter, numa
cidade americana de 30.000 habitantes, no desconhecido Estado de New
Hampshire. Os alunos me mostraram com orgulho a biblioteca da escola,
de NOVE andares, com mais de 145.000 obras. A Biblioteca Mário de Andrade,
da cidade de São Paulo, tem 350.000. A bibliotecária americana ganhava
mais do que alguns dos professores, ao contrário do que ocorre no Brasil,
o que demonstra o enorme valor que se dá às bibliotecas nos Estados
Unidos. Não quero parecer injusto com os milhares de professores que
incentivam os alunos a ler livros e a freqüentar bibliotecas. Nem quero
que sejam substituídos, pois são na realidade facilitadores do aprendizado,
motivam e estimulam os alunos a estudar, como acontece com a maioria
dos professores do primário e do colegial. Mas estes estão ficando cada
vez mais raros, a ponto de se tornarem assunto de filme, como ocorre
em Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams. Na próxima aula
em que seu professor fizer o resumo de um livro só, ou lhe entregar
uma apostila mal escrita, levante-se discretamente e vá direto para
a biblioteca. Pegue um livro original de qualquer área, sente-se numa
cadeira confortável e leia, como se fazia 500 anos atrás. Você terá
um relato apaixonado, aguçado, com os melhores argumentos possíveis,
de um brilhante pensador. Você vai ler alguém que tinha de convencer
toda a humanidade a mudar uma forma de pensar. Um autor destemido e
corajoso que estava colocando sua reputação, e muitas vezes seu pescoço,
em risco. Alguém que estava escrevendo apaixonadamente para convencer
uma pessoa bastante especial: você.
Stephen
Kanitz foi professor universitário por trinta anos
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