O cientista político americano Fred Greenstein, 72 anos, diretor do
centro de pesquisas em lideranças políticas da Universidade Princeton,
é um dos maiores especialistas no mundo da psicologia do poder. No último
de seus cinco livros sobre o assunto, The Presidential Difference: Leadership
Style from FDR to Clinton (Diferenças Presidenciais: a Liderança de
Roosevelt a Clinton), Greenstein disseca as qualidades e o estilo de
onze ex-governantes dos Estados Unidos.
Em sua pesquisa, ele mostra que a liderança é uma qualidade de nascença.
Alguns líderes, no entanto, só apresentam essa vocação quando enfrentam
uma situação-limite. Greenstein gosta de citar o exemplo do ex-prefeito
de Nova York Rudolph Giuliani, considerado uma figura sem carisma até
os ataques terroristas ao World Trade Center. Depois do episódio, Giuliani
revelou-se um líder forte e popular.
Nesta entrevista, Greenstein fala sobre os líderes mais marcantes da
história, como Winston Churchill e Nelson Mandela, e diz que governantes
populistas como Getúlio Vargas teriam pouco espaço nos dias de hoje.
Veja – Liderança é qualidade de nascença?
Greenstein – Sim, a liderança é um aspecto da personalidade, uma característica
que alguns indivíduos têm e outros não. Isso não quer dizer que essa
qualidade vá aparecer desde cedo. Existem os líderes que chamo de óbvios
porque na infância ou na juventude já se colocavam à frente do grupo
de pessoas com quem se relacionavam. Eles apresentam características
da liderança muito evidentes, como Franklin Roosevelt, por exemplo.
Moisés foi um líder bíblico com uma vocação clara, assim como o general
romano Júlio César. Os estudos sobre o assunto mostram, no entanto,
que homens que jamais se destacaram na liderança podem se tornar grandes
líderes quando o ambiente ou o contexto histórico em que vivem são favoráveis
a isso. Se não fosse a oportunidade, eles poderiam passar sua existência
sem desenvolver essa qualidade com que nasceram, mas da qual não tinham
sequer consciência.
Veja – Então qualquer pessoa pode descobrir que
tem vocação para ser líder de uma hora para outra?
Greenstein – Há pessoas que são mais apagadas, sem sal, ou que aparecem
como figuras antipáticas e arrogantes. Aí, de repente, num ponto da
vida, se vêem forçadas a enfrentar uma situação-limite, uma crise de
altas proporções, e se revelam líderes brilhantes. Digo que as situações
críticas são um teste à liderança. Olhe o caso de Rudolph Giuliani.
Ele era prefeito de Nova York quando desabaram as torres do World Trade
Center. Antes dos ataques, Giuliani era controverso na cidade, tido
como um político hostil e agressivo, sem popularidade. No fim do mandato,
ele viu-se com a responsabilidade de organizar um caos e virou outro
tipo de governante: enérgico, focado, bom de discurso, popular – genuínas
características da liderança que ele próprio nunca tinha sido capaz
de identificar.
Veja – É possível governar sem ser líder?
Greenstein – Por definição, governantes estão oficialmente em posição
de liderança. Essa é a definição dos dicionários de ciências políticas,
mas na prática do poder a maioria deles toma muito poucas iniciativas.
O tipo mais comum de governante é aquele que reage aos fatos, e não
o que cria novas situações, planeja estratégias e consegue enxergar
um passo adiante. Ou seja: a maioria dos que ocupam cargos de líder
não atua como tal. Os líderes de fato, muito mais raros, são bem recompensados.
Conseguem manter-se no poder durante mais tempo que os outros e a história
lhes confere o status de modelos desejáveis, em alguns casos símbolos
de correntes políticas que se perpetuam. Dois líderes do tipo forte
foram Nelson Mandela e Winston Churchill, e dois entre os menos expressivos
foram George Bush (pai do atual presidente americano) e John Major,
ex-primeiro-ministro britânico.
Veja – Quais são as características que diferenciam
esses líderes que o senhor citou?
Greenstein – Há muitos tipos de líder, e gosto de destacar três. A primeira
categoria é dos líderes que marcam diferença por ser grandes estrategistas,
objetivos e com visão de futuro. O legado deles é o método. O segundo
tipo tem forte poder intelectual, mergulha com intensidade nas questões
teóricas, disseca e diagnostica problemas como ninguém. São líderes
que deixam idéias originais, com marca própria. E um terceiro tipo chamo
de líderes inspiradores. Eles entendem as demandas do povo, suas paixões,
conseguem associar-se emocionalmente às pessoas. Os maiores líderes
da história têm força porque reúnem método, intelecto e a habilidade
de tocar no sentimento de seus liderados.
Veja – Carisma não é condição necessária à liderança?
Greenstein – Essa idéia é bastante propagada, mas a realidade é que
falta carisma a muitas pessoas que ocupam a cadeira de líder. John Major
era motivo de piada nos círculos do poder porque dava sono nos interlocutores
e, no entanto, virou primeiro-ministro inglês. É possível passar uma
temporada no poder, em postos importantes inclusive, sem ter o carisma
como qualidade. De modo geral, esses políticos deixam os holofotes e
são rapidamente esquecidos. Já os líderes carismáticos são mais fortes
e poderosos porque têm a habilidade de deixar as pessoas a sua volta
hipnotizadas, prontas para segui-los e para se sacrificar em nome de
objetivos que sentem ser também os delas. O carisma é um aspecto do
poder que ajuda a distinguir um líder da melhor estirpe de um político
comum.
Veja – O poder no século XXI ficou mais sofisticado?
Greenstein – Sem dúvida. A começar pelo aspecto puramente visual. Sempre
quando assisto aos documentários sobre os grandes líderes populistas
do passado, como Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas, parecem fora de
moda, de tempo e espaço. Eles conseguiram estabelecer um eficiente elo
emocional com o povo, mas seu gestual é hoje pouco persuasivo, difícil
de convencer. Sinto que estou vendo uma peça de atores canastrões, com
diálogos rasteiros e sem profundidade. Esse tipo de discurso pouco elaborado
está em extinção. Hoje, quanto mais avançada é a democracia em um país,
menos o seu povo se deixa seduzir por argumentações superficiais e pouco
elaboradas.
Veja – O diploma escolar ajuda?
Greenstein – Estudo não é pré-requisito para a boa liderança, como o
são o método, a inteligência ou a sensibilidade. Claro que é positivo.
Quem estuda adquire mecanismos para organizar melhor as idéias e evidentemente
aumenta o repertório de referências históricas e culturais. É um patrimônio
pessoal importante, mas não imprescindível. Até porque é possível preencher
as lacunas deixadas pela falta do estudo formal com leitura ou mesmo
com uma boa rede de informação. O que não dá é ensinar alguém a ter
magnetismo ou inteligência para liderar.
Veja – Entraram novas habilidades no conjunto
de pré-requisitos que um líder precisa reunir?
Greenstein – Sim. O tipo de inteligência que um líder deve ter hoje
é muito mais analítica, porque o mundo está mais complexo, cheio de
variáveis, interligado por relações políticas e econômicas. Então não
basta concentrar informação e juntar a com b. Hoje um líder acorda todo
dia diante de centenas de possibilidades e precisa estar preparado para
tomar suas decisões com extrema solidez emocional. Nas democracias modernas,
habilidade política é um pré-requisito absolutamente essencial. Um líder
não sobrevive sem isso.
Veja – É mais difícil ser um líder democrático
ou um ditador?
Greenstein – Um líder democrático, claro. O líder democrático não só
lida com o processo decisório, mas também precisa convencer pessoas
com interesses antagônicos de que suas metas são factíveis e desejáveis.
Isso exige talento para a liderança. Com os ditadores a coisa é diferente,
porque a eles só é colocada a primeira parte do problema, que é decidir.
O resto é feito na base de ordens, o que demanda muito menos habilidade
política. Há ditadores como Fidel Castro e os governantes no continente
africano que, apesar de sua longa temporada no poder, não conseguiriam
ser eficientes líderes em nações democráticas. O mesmo se aplica a Hitler
e Mussolini, que ganharam espaço num tempo e lugar da história.
Veja – Em seus estudos, o senhor se refere à importância
da presença física de um líder. A aparência conta muito?
Greenstein – O que faz diferença é ter uma presença forte. A beleza
e o charme são atributos que podem vir associados a isso e funcionar
bem. O caso de John F. Kennedy é um clássico exemplo de como a mistura
pode ser bem-sucedida. Na eleição que disputou com Richard Nixon, em
1960, quem ouvia os dois debatendo no rádio achava Nixon muito mais
convincente. Aí veio o debate na televisão, e um Kennedy bonitão e seguro
contrastou com um Nixon cinzento, recém-saído do hospital e com a aparência
debilitada. Gosto de frisar os vários exemplos em que a beleza não entra
em questão e só o que conta é a solidez da imagem. A história é farta
em casos de políticos feios e atarracados que quando apareciam em público
tinham uma presença tão forte que o público não conseguia desgrudar
os olhos deles.
Veja – Quem o senhor citaria?
Greenstein – Winston Churchill é um bom exemplo. Estava longe de ter
uma aparência hollywoodiana, mas para os ingleses sua imagem transmitia
tenacidade, determinação. Na França do século XIX, quem olhasse para
Napoleão jamais diria que aquele homem fisicamente inexpressivo adquiriria
uma aparência tão forte e marcante no exercício do poder. A boa aparência
pode ajudar, como mostra o exemplo de Kennedy, mas o que mais conta
é a postura diante dos liderados, o que nos revelam os casos de Churchill
e Napoleão. Acho que os homens que hoje fazem marketing político estão
centrados demais na aparência. Aprimoraram suas técnicas de manipulação
da imagem, mas estão tão animados com suas descobertas que ainda não
se deram conta de que os exageros podem atrapalhar.
Veja – Como?
Greenstein – A interferência pode resultar em uma imagem artificial
e o efeito ser negativo. Durante os oito anos em que Hillary Clinton
desempenhou o papel de primeira-dama dos Estados Unidos, foi muito criticada,
e uma das razões para isso era sua notória preocupação com a aparência,
identificada como um traço de superficialidade. Toda semana Hillary
vinha a público com um novo penteado. Atualmente, como senadora, ela
aprendeu a se desvencilhar desse glamour. Mantém uma imagem só e, por
ironia, foi desse jeito que ficou mais apresentável. O excesso de intervenção
na imagem natural pode produzir um desagradável efeito bumerangue, que
se volta contra o próprio político. Isso acontece porque o público já
está educado o suficiente para detectar a insinceridade. No exercício
do poder, o político se refina e aprende a equilibrar essas coisas.
Veja – Quais são as características que os bons
líderes têm em comum?
Greenstein – Por definição, bons líderes são pessoas diferentes da média.
Eles têm mais determinação que os outros. São mais eloqüentes que os
outros. Sua presença é tão marcante que ficam na memória das pessoas.
O gestual ajuda. Bons líderes costumam ter gestos largos e até teatrais.
Usam as palavras com precisão cirúrgica, sabendo aonde querem chegar
com um discurso. Gosto de sublinhar que a determinação não está associada
necessariamente à permanente agressividade de postura. É bom lembrar
que o trunfo de alguns líderes, como Kennedy, foi saber sorrir para
seus liderados. Nenhum líder do primeiro time, no entanto, passou pelo
poder sem precisar atuar de modo agressivo inúmeras vezes. Por isso
a liderança não é para qualquer um, é um dom.
Veja – Até que ponto uma pessoa pode desenvolver
algumas dessas características que o senhor citou?
Greenstein – É possível ensinar uma pessoa a organizar um trabalho de
equipe e a educar seu olhar para aspectos fundamentais da chefia, como
técnicas para estimular funcionários e aumentar a produtividade. Gente
especializada pode também dar conselhos a políticos para que desenvolvam
uma comunicação mais eficiente. E só. Quem prometer mais estará mentindo.
Não acredito em palestras que garantem produzir grandes líderes com
teorias mágicas. Elas viraram febre e ganharam popularidade porque as
pessoas se sentem cobradas a agir como líderes no ambiente moderno de
trabalho. E o pior é que esses cursos propagam estereótipos de liderança
que não correspondem à realidade.
Veja – Quais estereótipos?
Greenstein – Propagou-se a idéia de que líder de verdade é o falante,
piadista, competitivo e, de novo, o tipo agressivo. Os estudos nos melhores
centros especializados do mundo mostram que o líder com a postura mais
doce e tranqüila pode ser tão eficiente quanto o outro. Em meu último
livro, descrevo a personalidade de onze presidentes americanos, e um
deles, Dwight Eisenhower, que assumiu a Presidência aos 62 anos de idade,
era visto como um avô afetuoso. No ambiente de trabalho esses não costumam
ter vez. Pessoas de postura mais fechada são freqüentemente barradas
na porta de entrada das grandes empresas. Embora os estudos demonstrem
que esses possam ser líderes mais eficientes, acabam derrubados pelo
estereótipo.
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"O
tipo mais comum de governante é aquele que apenas reage aos fatos.
A maioria dos políticos que ocupam a cadeira de líder não atua
como tal."
"Por
definição, bons líderes são pessoas diferentes da média. Eles
têm mais determinação que os outros. São mais eloqüentes que os
outros. Sua presença é tão marcante que ficam na memória das pessoas.
O gestual ajuda. Bons líderes costumam ter gestos largos e até
teatrais. Usam as palavras com precisão cirúrgica, sabendo aonde
querem chegar com um discurso." |
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