ROBERT WONG

O FUZIL DE OURO

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Um tiro certeiro deste caçador de talentos pode fazer um executivo ganhar mais de 1 milhão de reais por ano
O consultor Robert Wong, 52 anos, é um dos mais destacados caçadores de talentos no Brasil, ou headhunter, em inglês, como se costuma usar no mercado. Grandes companhias contratam seus
serviços para selecionar executivos de primeiríssimo escalão, cujos salários anuais podem passar de 1 milhão de reais. Ele dirige na América Latina a Korn/Ferry International, consultoria americana
que é líder mundial nesse segmento, e tem entre seus clientes 43% das empresas listadas entre as 500 mais da revista Fortune. Wong atende nomes como Telefônica, BCP, Nortel, AT&T, HSBC,
Unibanco, BankBoston, Votorantim e StarMedia. Pela tarefa de caçar talentos, a Korn/Ferry cobra um terço do salário anual do executivo contratado. Como só lida com a nata do mundo corporativo, pode-se concluir que Wong não move a lupa por menos de 70.000 reais. Um desafio e tanto para o radar desse ex-engenheiro civil que nasceu na China e chegou ao Brasil com 3 anos de idade, filho de um general nacionalista que fugia do regime comunista com a família de oito filhos.
Veja – O ano 2000 começou com o frenesi da corrida pelos altos salários das empresas da internet e terminou em ressaca. Como estão os profissionais que migraram da economia real para a virtual?
Wong – Boa parte está muito arrependida. Conheço um executivo fantástico que, ao se transferir para um desses portais, recebeu um lote de ações que naquele momento estavam avaliadas em 6
milhões de dólares. Mas só poderiam ser convertidas depois de três anos. Hoje, essas ações não valem nem 1 milhão. A maioria partiu para a internet com a premissa equivocada de que era uma
oportunidade de ganhar muito dinheiro. Parecia o garimpo de Serra Pelada: todo mundo correu para lá em busca de uma enorme pepita de ouro, mas pouquíssimos encontraram de fato o tesouro sonhado.
Veja – Qual é o conceito no mercado de quem volta para a economia real depois de uma experiência malsucedida no mundo das empresas pontocom?
Wong – Se já era um profissional conceituado antes da experiência e demonstra ter crescido, ter aprendido uma lição, não encontra maiores dificuldades para recuperar o espaço anterior. Mas quem foi apenas em busca de dinheiro e voltou sem aprender nada saiu queimado. Esses são a maioria, infelizmente. E o mercado sabe diferenciar um do outro. Quem trabalha mais pelo dinheiro que por
qualquer outra coisa é como aluno que estuda só para tirar a nota suficiente.
Veja – Parecia evidente que o mercado da internet estava sendo superestimado, mas mesmo assim profissionais experientes trocaram o certo pelo duvidoso. Como explicar isso?
Wong – As pessoas aderiram para não ficar fora da onda. A natureza humana é ria-vai-com-as-outras mesmo. E não se pode negar que havia projetos muito atraentes.
Veja – Como saber se ainda vale a pena ir para a internet?
Wong – A melhor referência para prever o futuro do projeto é saber quem é o líder. É essa pessoa que vai fazer a diferença. O peso dela é maior até mesmo que o nome das companhias investidoras.
As empresas sérias pontocom estão percebendo que precisam de um gestor profissional, alguém com bagagem para transformar aquelas idéias muitas vezes malucas em resultados, em dinheiro.
Gente que tenha experiência na economia real para liderar os garotos. Mas há muitos escaldados que não querem nem mais ouvir falar de internet.
Veja – Ações, bônus, participação nos lucros e outros benefícios variáveis estão se tornando comuns na remuneração dos executivos brasileiros. Eles aumentam a dificuldade para saber se vale a pena trocar de emprego ao receber uma proposta. Como fazer a escolha?
Wong – Realmente está ficando cada vez mais difícil saber quanto dinheiro se vai ganhar. Antigamente havia um salário no fim do mês e pronto. Agora há esses novos fatores, que nem dependem diretamente do desempenho do profissional. É por isso que o salário nominal está perdendo importância no momento da decisão pela mudança de emprego. O fundamental é avaliar se o trabalho será mais abrangente, mais desafiante, se permite crescimento como profissional e como pessoa. Depois, convém considerar a cultura da empresa e o ambiente de trabalho. Só aí a emuneração deve entrar na balança.
Veja – Ao receber uma proposta, como o profissional deve agir em relação à empresa em que trabalha? Comunicar imediatamente que está sendo cobiçado ou apenas quando tiver tomado a decisão de sair?
Wong – Depende do relacionamento que ele tem com a empresa e, principalmente, com o chefe. Se há abertura e o chefe é ético, vale a pena falar de imediato. Senão, é melhor negociar em silêncio e
apenas comunicar a decisão, para que não pareça barganha.
Veja – Há muitos profissionais competentes que não conseguem autopromover-se. O que fazer para aparecer, brilhar?
Wong – Quem confia em si mesmo consegue se vender sem exagerar, sem parecer pedante. Até porque é fácil para quem tem experiência identificar o que é verdade e o que é lorota. Mas para
isso é preciso se desinibir, perder a vergonha. Fazer cursos de comunicação pode ajudar. Quem é talentoso, sabe fazer seu trabalho e cultiva boas relações em seu meio profissional pode ter
certeza de que será observado. Para nós, que vivemos à procura de talentos, uma indicação confiável vale muito mais que um currículo primoroso.
Veja – Como o senhor obtém informações sobre os profissionais de destaque no mercado?
Wong – Temos na empresa uma base de dados com 45.000 nomes de profissionais brasileiros e, além disso, cultivamos amizades estratégicas em cada setor. Essas pessoas nos falam sobre quem
se destaca. E, é claro, permanecemos atentos o tempo todo. Fico de olhos abertos enquanto viajo ou participo de um evento.
Veja – Há muitos talentos não revelados?
Wong – Muitos. As pessoas acham que é o currículo que decide uma contratação, mas ele não passa de uma referência. Afinal, o que compramos é o futuro do profissional, não seu passado. Se vou montar um time de futebol hoje, não vou contratar o Pelé. É melhor levar o Viola, pois as chances de que ele faça gols são maiores. O que conta num profissional é a distância de visão, quanto ele é
capaz de se imaginar à frente, quanto investe para chegar lá. É essa a importância do MBA, o tão prestigiado curso de especialização para executivos. Não pelo diploma em si, mas porque é um indício de que o sujeito tem distância de visão, é capaz de ter um prejuízo momentâneo para apostar no lucro lá adiante.
Veja – Que característica de personalidade é vital para um profissional?
Wong – Autoconfiança. Ela faz tudo ser possível. Quem tem autoconfiança nem pensa se vai dar certo ou não. Apenas faz, e dá certo. Conheci um malabarista, desses que andam na corda bamba,
e ele me disse o seguinte: "Quando subo na plataforma e olho para a corda, já me vejo lá do outro lado. Basta ir ao encontro de mim mesmo". Foi uma bela lição. O Michael Jordan é o maior jogador de basquete do mundo porque tem um foco impressionante. Ele diz que um jogo de basquete é ele, a bola e a cesta. Não tem público, adversário nem juiz. Ele sabe que a bola vai entrar. Outra coisa: é
preciso ser apaixonado pelo trabalho, gostar obsessivamente de fazê-lo. O Ayrton Senna era um exemplo disso. Queria sempre o topo, não admitia chegar em segundo lugar. Mas a paixão tem de
ser temperada com a realidade. Só assim se consegue realizar projetos, e é essa a única diferença entre um vencedor e um sonhador.
Veja – Como alguém que gosta muito do trabalho escapa da tentação de se dedicar demais a ele e esquecer o resto?
Wong – Percebendo que a excelência está no equilíbrio. Um indivíduo completo, que não é apenas um profissional, certamente vai ter um bom desempenho por muito mais tempo. É por isso que
as empresas estão valorizando quem concilia o trabalho com a vida familiar, o lazer, enfim, quem demonstra preocupação com o corpo e o espírito.
Veja – Mas há muitas empresas que afirmam valorizar esse tipo de profissional e, na prática, exigem um volume de trabalho tão grande que é impossível passar menos de doze horas no escritório...
Wong – Infelizmente, o discurso e a prática não coincidem em boa parte dos departamentos de recursos humanos.
Veja – Quando uma empresa "encomenda" um executivo, costuma definir parâmetros de idade ou de sexo?
Wong – Essas restrições existem, sim. Já tivemos encomendas específicas para profissionais negros, por exemplo, de empresas interessadas em promover a diversidade. Companhias que pedem
mulheres para determinados cargos também é algo que está se tornando comum. Há tabus que permanecem, no entanto. Ainda existe resistência para mulheres em cargos de comando em fábricas
ou para funções que exijam muitas viagens, em razão do preconceito contra a mulher que viaja sozinha.
Veja – Quantas pessoas são sondadas num processo de seleção antes de se chegar ao escolhido?
Wong – Em média, uma seleção de altos executivos parte de algo entre 100 e 150 nomes, que depois são reduzidos para vinte ou 25. Nesse grupo, cada um é sondado ou até mesmo entrevistado para
definir a dúzia que entrará na fase decisiva. Daí saem os finalistas, que podem ser três, quatro ou cinco. Dependendo da complexidade, esse processo dura entre três meses e um ano.
Veja – É muito difícil escolher apenas um entre tantos candidatos do mesmo nível?
Wong – É nessa hora que entram fatores cruciais, embora não sejam concretos: a sensibilidade, o carisma, a empatia. Escolher alguém não é uma ciência exata. Numa entrevista, vale mais o que
não se fala. Os gestos, a comunicação não-verbal são decisivos. É preciso olhar nos olhos do outro durante a conversa, ter uma postura atenta.
Veja – A seleção costuma exigir sigilo. Em que ponto do processo o executivo sabe o nome da empresa que está interessada nele?
Wong – Muitas vezes ele só toma conhecimento disso no último momento, na etapa final. O processo de seleção é um namoro que exige aproximação gradual e segura, para que as partes se conheçam melhor. E há casos em que o sigilo realmente precisa ser total. Quando o HSBC planejava comprar o Bamerindus, fui contratado para sondar executivos no mercado. Se a informação vazasse, seria um deus-nos-acuda. Neste momento, estou fazendo um recrutamento que apenas três pessoas no mundo sabem: o presidente mundial da empresa, o diretor mundial de recursos humanos e eu. Não posso comentar nada com quem trabalha comigo, nem mesmo com minha mulher.
Veja – De que os executivos brasileiros se queixam?
Wong – No geral, há uma grande frustração com o trabalho. Mais da metade dos executivos com os quais converso gostaria de ter sido outra coisa na vida, de estar exercendo outra profissão. E
constatar isso aos 40 anos é lamentável. Boa parte da culpa é do sistema educacional adotado no Brasil, que obriga o adolescente a decidir aos 14 anos se vai seguir exatas, humanas ou biológicas.
Veja – Em que setores da economia o jovem deve apostar?
Wong – Temos de aprender a valorizar o que é nosso. Nunca seremos Primeiro Mundo em automóveis, computadores e telecomunicações, porque a distância tecnológica em relação aos japoneses, europeus e americanos é muito grande. Mas há três setores em que o Brasil tem vocação para liderar: negócios ligados à área agrícola, ao turismo e à mineração. Nesses, vale a pena
apostar.
Veja – O mercado tem sido inundado por livros de auto-ajuda, e a vida profissional é um tema constante deles. Esse tipo de leitura não é "cascata"?
Wong – Acho que qualquer coisa que possa contribuir de alguma forma é bem-vinda. Um livro desses pode revelar um novo caminho, fazer pensar de outro jeito, por que não? Não há razão para ter
preconceito.
Veja – Acontece de um caçador de executivos errar a mira e escolher a pessoa errada?
Wong – Claro que sim, mas nossa obrigação é fazer o máximo para que esses casos sejam a exceção. Todo mundo erra, não? Quantos não erram ao escolher o marido ou a mulher?
Veja – Como o senhor reage às críticas aos headhunters, que chegam a ser chamados de "gigolôs de executivos"?
Wong – O que posso dizer é que nosso trabalho tem sido considerado importante, tanto que grandes companhias continuam nos procurando. Mas o termo headhunter tem mesmo algo de pejorativo, porque lembra caça, enfim, sugere que obrigamos as pessoas a fazer o que não querem. E o que acontece é justamente o contrário. Quem não fica feliz ao receber uma bela proposta de trabalho?

Maurício Oliveira, Veja, Ano 34, número 3, edição 1684, 24 de janeiro de 20001, p.11 a 15.