O
novo reitor da universidade mais tradicional dos EUA deseja consertar
o que não está quebrado. Já se disse que "Lawrence
Summers está para a humildade assim como Madonna está
para a castidade". Ele finge irritação, mas gosta,
muito, da definição. Summers é um daqueles gênios
acadêmicos difíceis de suportar dada sua capacidade de
concentração, erudição e disposição
para o trabalho. Quando tinha 28 anos, tornou-se o mais novo professor
titular da universidade-símbolo da excelência do sistema
escolar americano, Harvard. Agora, reitor da universidade aos 47 anos,
Summers quer revolucioná-la. Entrar para a Universidade Harvard
é um sonho de milhares de jovens em todo o mundo. A instituição,
que completa 366 anos em 2002, é a mais antiga, tradicional e
rica dos Estados Unidos. Por suas salas de aula passaram figuras memoráveis
e poderosas. Entre elas, sete presidentes americanos, como John Kennedy
e George W. Bush, e 38 ganhadores do Prêmio Nobel. Professores
de renome mundial, como o cientista político Samuel Huntington
e o economista Jeffrey Sachs, fazem parte de seu atual quadro docente.
Suas aulas são dadas em anfiteatros e mesmerizam seus alunos.
Ainda assim, Summers não está contente. "Ele quer
consertar o que não está quebrado", dizem seus críticos,
que não são poucos. E é isso mesmo.
Antes de aceitar o cargo de reitor de Harvard, há sete meses,
Summers ocupou o cargo de secretário do Tesouro dos Estados Unidos.
Firmou reputação de teimoso, professoral, intratável,
mas altamente competente. Summers está forçando os acadêmicos
a uma mudança de hábito. Está convencido de que
a excelência que fez de Harvard o colosso educacional de hoje
não é mais adequada para formar profissionais e pensadores
para os tempos atuais. Tudo muito bem. Mas não se faz isso em
Harvard sem enfrentar grossa resistência. Mas Summers, o severo,
está comprando todas as brigas. Criticou sem rodeios um ícone
da universidade, o professor Cornel West, especialista em direitos civis,
admiradíssimo líder do movimento afro-americano. Summers
não gostou de saber que West dedicava mais tempo a sua militância
política que dando aulas. West gravou um CD de rap. Summers achou
uma tolice. West montou um comitê político em sua sala
em Harvard para promover a candidatura de um pastor negro. Summers mandou
desmontá-lo. O professor Cornel West abriu o bico. Outros célebres
estudiosos da universidade o apoiaram. Um deles pediu as contas e foi
dar aulas na rival Princeton, que se reveza com Harvard no primeiro
posto entre as melhores universidades americanas.
Muita coisa desagrada a Summers. Em especial, o fato de vigorar na universidade
a cultura de que a avaliação do desempenho de alunos e
professores é secundária. Summers se espantou com a quantidade
de notas A. Metade dos alunos de Harvard foi agraciada por seus mestres
com a nota máxima. Summers resolveu passar o prodígio
a limpo. Fez a própria bateria de testes com um grupo selecionado
de alunos, alguns deles de Cornel West, o campeão das notas máximas.
Resultado: a turma não era tão boa quanto parecia. "Não
discuto que em Harvard existem excelentes alunos, mas claramente a medalha
de ouro não pode ser distribuída a todos, senão
perde seu valor", diz o reitor. A questão é complexa.
Summers foi acusado de querer na ultrapoliticamente correta Harvard
o conceito áureo do capitalismo americano: "O vencedor fica
com tudo". Entre outros fenômenos, essa ideologia explica
o fato de que a diferença de salário entre os presidentes
de empresa nos Estados Unidos e os diretores seja a mais alta do mundo.
Summers pisou em outro calo ideológico dos estudantes mais liberais
do sistema educacional mais liberal dos Estados Unidos. Ele elogiou
os militares pelas vitórias alcançadas na luta contra
o terror. Pelos estatutos de Harvard, os militares não podem
sequer freqüentar o campus fardados.
Seria tudo mais fácil se os alunos e professores de Harvard fossem
um grupo de desempenho mediano. São brilhantes. Ali só
se entra com um currículo invejável. "É muito
difícil montar um sistema de notas diferenciadas que não
faça justiça a alunos muito inteligentes", diz José
Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Princeton que foi diretor
da escola de economia da Universidade de Chicago. Summers não
abre mão de modificar o sistema de notas. Outra frente de batalha
que ele abriu também é muito polêmica. Ele quer
os medalhões dando aulas na graduação – e
não apenas dando seu show intelectual aos privilegiados alunos
da pós-graduação. As aulas na graduação
são dadas por assistentes. "Larry Summers tem razão,
mas só em parte. Os melhores professores dedicam-se às
pesquisas. Ao terem de dividir o tempo com as salas de aula, podem deixar
de ganhar prêmios, como o Nobel, vitais para a saúde intelectual
e a imagem da universidade", observa Gustavo Franco, ex-presidente
do Banco Central, que estudou em Harvard na década de 80.
Summers quer preparar Harvard para o futuro. Mas há dúvidas
sobre se ele tem o poder necessário. Summers é "presidente"
da universidade. O presidente de Harvard tem funções um
tanto diferentes das que exerce um "dean" ou "provost",
mais parecidos com um reitor de universidade no Brasil. O presidente
de Harvard tem menos poder administrativo. Ele não gerencia o
orçamento da maioria das faculdades, que gastam como bem entendem
suas verbas. Na área acadêmica, ele tem o poder efetivo
de escolher os professores a ser promovidos internamente e poder de
veto sobre os contratados. Nessa questão, Summers conseguiu abrir
outra fonte de atritos. Vetou a contratação de dois professores
de outras universidades porque eles tinham mais de 50 anos. "As
contratações de Harvard serão baseadas agora no
potencial de desempenho futuro do professor, e não na excelência
de seu passado", diz Summers. Embora a oposição a
ele seja cada dia mais ruidosa, para muitos em Harvard o estilo Summers
é adequado à instituição. O último
reitor, Neil Rudenstine, era um administrador de primeira que fez de
Harvard a instituição educacional mais rica do planeta.
Rudenstine não mexeu uma palha no funcionamento acadêmico
de Harvard. "Existem muitas críticas em relação
a Summers, mas acho que ele consegue enxergar como ninguém os
reais problemas da universidade", afirma Andrew Reider, presidente
da organização dos estudantes brasileiros de Harvard (HBO).
Claramente Summers trabalha sobre uma máquina educativa que já
funciona à beira da perfeição. "Lá
foi o lugar onde aprendi a pensar de maneira clara e objetiva. Em Harvard
você não copia a teoria dos outros, cria as suas",
diz Stephen Kanitz, colunista de VEJA, que cursou economia em Harvard
nos idos dos anos 70. Lawrence Summers está criando a dele: os
melhores são apenas bons para Harvard.
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